quinta-feira, 27 de agosto de 2015

A vida trágica de Florbela Espanca









“Eu sou a que no mundo anda perdida/eu sou a que na vida não tem norte” estes dois versos da poetisa e jornalista Florbela Espanca, uma das referencias da poesia portuguesa no século XX, abrem o filme Florbela, lançado em 2012 e ganhador de diversos prêmios internacionais. O filme narra os  seus últimos anos da artista marcados por três casamentos fracassados, dois abortos, uma ligação incestuosa com um irmão, o qual morre tragicamente num acidente aéreo, bem como por uma depressão profunda, seguida de tentativas de suicídio e uma morte adredemente anunciada.
O filme faz uma rica reconstituição da segunda metade dos anos 20 e é entrecortado por flashes de fenômenos oníricos ou não mas ao mesmo tempo  poéticos, mas não escapa ao sabor melodramático de uma época conturbada e que tem como pano de fundo a opressiva ditadura salazarista. Um dos personagens diz a Florberla, interpretada por Dalila Carmo: “este não é um país para você. É um país sem futuro”, o que leva a poetisa a admitir que a poesia só lhe trouxe problemas.
Florberla  também conta com diálogos bem construídos e que revelam um mundo em mudança após o fim da primeira guerra mundial e às vésperas do crash da bolsa de Nova York, com as pessoas sem perspectivas. Um tempo em que  há dias que não se repetem e erros que não se perdoam, como explica outro personagem.
Mas a inquieta  Florbela, depois de se casar pela terceira vez com o médico Mário Lago (Albano Jerónimo), não consegue conciliar a vida de dona de casa e esposa na monotonia  da província, onde não  consegue escrever e bem se conforma com a rotina de uma vida domestica confortável, mas limitada.
Assim, ela larga tudo apos receber uma carta do seu irmão Apeles (Ivo Canelas), piloto de um hidroavião da Aviação Naval, partindo para  Lisboa uma cidade que considera mãe para quem está longe e madrasta para quem fica, em busca de inspiração. Ali, ela volta a conviver com a vida boemia, com festas animadas pelo ragtime, estilo de música sincopada, em voga no início do século XX, originário do folclore negro-americano e de música de dança dos brancos, sendo importante elemento formador do jazz, sempre cercada por amigos, amantes que surgem da noite, festas e revoltas populares contra um regime autoritário.
O marido tente resgatá-la  e levá-la para Matosinhos, mas tudo se complica com a morte do seu  irmão num acidente aéreo, e cujo corpo jamais foi encontrado. A partir daí ela escreveu o conjunto de contos em As Máscaras do Destino, publicado postumamente em 1931, mas a sua saúde mental doença se complica. Ela chegou a ser internada em função de uma depressão e de um edema pulmonar, a partir daí  teria tentado o suicídio por duas vezes no final de 1930, morrendo aos 36 anos e tem suas obras póstumas publicadas em dezembro do mesmo ano, quando foi lançada aquela que é considera sua obra-prima, Charneca em Flor. (Kleber Torres)

Ficha técnica
Direção:       Vicente Alves do Ó
Elenco:         Dalila Carmo, Albano Jerónimo, Ivo Canelas, José Neves, Antonio Fonseca, Carmen Santos
Fotografia: Luís Branquinho
Gênero         Drama / Biografia
Nacionalidade         Portugal
2012

1 hora e 55 minutos

domingo, 16 de agosto de 2015

A fuga de um médico nazista para a América do Sul







Selecionado para representar a Argentina na disputa do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2014, o filme Wakolda / O Médico Alemão resgata a questão da influência do nazismo na América do Sul, um tema já enfocado em filmes como Aleluia Gretchen(1976), de Sylvio Back e Os Meninos do Brasil (1978), de  Franklin J. Schaffner, a partir de um romance de Ira Levin, que foi um best-seller.
O filme tem como cenário a remota Patagônia, e conta a história de uma família que está voltando a Bariloche para assumir uma hospedaria recebida de herança e acaba conhecendo o médico alemão Helmut Gregor, interpretado por Alex Brandemühl, codinome usado por Josef Mengele, que era conhecido nos campos de concentração nazista como o Anjo da Morte e acaba se tornando o primeiro hóspede da pousada familiar.
O filme mostra o fugitivo nazista protegido por uma poderosa rede de colaboradores com base na Argentina –onde monta um laboratório médico e dá continuidade a suas pesquisas genéticas  com seres humanos e animais,- Paraguai e Brasil. Na pousada, ele mostra um interesse muito particular pela jovem Lilith (Florencia Bado), que tem um problema de nanismo e é discriminada pelos colegas na escola onde estudava como anã, a quem trata com hormônios para crescimento.
O tratamento tem o apoio da mãe da garota, que está grávida e estudou numa escola nazista na Argentina, a quem Gregor também começa a acompanhar numa  gestação de gêmeos, sua especialidade. O filme mostra a influencia do nazismo nas escolas argentinas que ensinavam alemão durante o período que antecede a segunda guerra e a sua continuidade mesmo no período do pós-guerra.
Narra ainda a ação do Mossad, serviço secreto israelense, que sequestra Adolfo Eichmann, outro carrasco nazista que também consegue abrigo em território argentino e o condena a morte em Israel num julgamento acompanhado por Hanna Artendt, que desenvolve o conceito da banalização do mal.
Mengele escapa ao cerco dos agentes israelenses mesmo monitorado por uma agente Nora(Elena Roger), que faz um documentário fotográfico sobre a sua presença na América do Sul e acaba tendo uma morte misteriosa na Europa, a qual é citada de passagem no final do filme.   O médico alemão tem um interesse todo especial pelos animais e seres humanos como cobaias de experimentos e anotações meticulosas, inclusive sobre a família que o hospeda em território argentino.
O grande mérito do filme está na trama  investigativa e mostra que a Cruz Vermelha e a própria Igreja Católica foram usados para encobrir os rastros dos nazistas na sua fuga da Europa até o continente sul-americano. O filme também mostra uma relação que chega aos limites da pedofilia   entre o médico e Lilith, bem como a capacidade do primeiro de se impor e ser seguido por ela, que é a narradora final de uma história que fica para sempre na sua memória.
Em Wakolda, o médico alemão diz que a genética é uma ciência complexa com explicações simples e plausíveis para os seus resultados e que o importante é procurar o efeito fundamental, ou seja, encontrar o padrão definitivo para a melhoria da raça e a eugenia, na construção do superhomem nazista, o que fazia medindo e pesando a tudo que o interessava, afinal “gosto do que é bonito”. Mengele morreu anônimo em Bertioga, no Brasil, onde faleceu em 7 de fevereiro de 1979, bafejado pelos ventos tropicais da impunidade. No seu caso, pelo menos e de certa forma, o crime contra a humanidade compensou.  (Kleber Torres)

Ficha Técnica
Wakolda / O médico Alemão
Direção: Lucia Puenzo
Elenco: Alex Brendemühl, Natalia Oreiro, Diego Peretti, Elena Roger, Guillermo Pfuening, Florencia Bado
Fotografia: Nicolas Puenzo
Música: Andrés Goldstein e Daniel Tarrab  
Gênero         Drama , Suspense , Histórico
Nacionalidade         França , Argentina , Espanha , Noruega
Lançamento: 12 de junho de 2014
Duração: 1h33min