segunda-feira, 24 de julho de 2017

O que há entre a vida, a morte e o nada absoluto





O  Longo Caminho da Morte é um  drama que se propõe a uma reflexão sobre a vida, a morte, o capitalismo  e a loucura, sendo considerado um filme underground, produto do cinema marginal, filmado em 1971 com roteiro e direção de Júlio Calasso Júnior. A obra  fala vida e a morte do Coronel Orestes (Othon Bastos), fazendeiro de café decadente e perpassa três gerações de sua família entre o desespero, os sonhos, as alucinações e o envolvimento de três mulheres distintas na sua vida, além de uma pitada alegórica de  sexo numa árvore gigantesca e cenas de sadomasoquimo.

Marcado por monólogos alongados por digressões filosóficas confusas além  de uma profusão de planos gerais, deixando num segundo lugar  a  interpretação dos atores, o filme narra o drama de um oligarca rural envolvido com a política e que tem como pano de fundo e contraponto a cidade, com seu cenário urbano.

Neste contexto do conflito entre rural e o urbano, cidade aparece como síntese da modernização do país e de suas contradições sociais, enterrando  definitivamente o coronelismo substituído pelos empresários, industriais e  construtores de prédios que nascem sobre espaço agrícola, o mesmo que no passado fizera o prestígio e a riqueza do personagem central da trama.

Influenciado pelo Cinema Novo e pela contracultura, o Longo Caminho da Morte não tem uma narrativa linear e se  perde em cenas rurais e na casa grande da fazenda sem maior signfiicação. O filme é também o único longa de metragem ficção dirigido por Julio Calasso Júnior, uma obra marcada pelo  experimentalismo narrativo e pela aproximação com a contracultura, na busca de uma ambiciosa estética própria e de uma linguagem.

A obra trata em essência a decadência da oligarquia rural paulista enriquecida pela cultura do café – e falha ao tentar buscar raízes críticas na ironia, no deboche e se perde na excessiva monotonia das cenas que transitam do real ao surreal sem os limites necessários para entendimento da interface entre a sanidade, que tem limites não definidos e a própria loucura. Ele se perde no  ritmo essencialmente irregular e por isso transcende os parâmetros físicos entre a vida e da morte para se aproximar da essência do nada, com um discurso de vanguarda.

O filme começa com um velório  e num longo plano panorâmico –uma das suas marcas narrativas - mostra partes de pessoas sentadas, vestidas de negro velando um cadáver, cuja imagem é revelada de forma lenta e gradual. Ao fundo, o som de uma pá escavando a terra fazendo evidenciando o contraste entre os vivos e o morto, que será enterrado com o seu passado pretérito e ressurge na tela  em imagens como personagem de uma tragédia pessoal e da sua classe social em extinção, revelando uma outra disputa  entre as imagens e um discurso sobre a inevitabilidade da morte e da finitude da vida, sem vencidos e vencedores.

domingo, 23 de julho de 2017

Armazém Secos e molhados: A mercantilização da informação um problema reconhecido desde o século XVII




A transformação da notícia numa ‘commoditie’ e num produto comercial é o tema de  “O Mercado de Notícias”, um documentário de 2014, que tem como base a peça homônima do dramaturgo inglês Ben Jonson (1572- 1637), “The staple of news”, encenada pela primeira vez em Londres, nos idos de1626, e que foi traduzida a quatro mãos pelo cineasta Jorge Furtado, diretor e roteirista do filme e pela professora Liziane Kugland. A peça é uma sátira a uma profissão nova no século XVII: o  jornalismo e antevê a revolução da multiplicação de informações.
Já o filme O Mercado de Notícias, intercala trechos da peça – que tem um sabor de comédia – e ao mesmo tempo reúne de forma complementar uma série de entrevistas  construindo  um painel sobre mídia e democracia, mostrando que ao jornalista cabe ver, escutar, relatar e analisar os fatos observados no dia a dia. O filme também resgata ao mesmo tempo para o leigo  uma breve história da imprensa, desde o seu surgimento até os dias atuais, mostrando seu papel na construção da opinião pública, bem como analisando os interesses políticos ou econômicos por trás de cada noticia.
O próprio cineasta destaca no site sobre o documentário, que ele enfatiza dois aspectos destacados na peça de Ben Jonson: “o debate sobre a credibilidade da notícia, que inevitavelmente contraria e favorece interesses; o segundo é a necessidade constante e crescente de informações, a demanda por notícias que acaba por se tornar entretenimento”. No filme, fica evidenciado que cada reportagem responde a uma pergunta e que as fontes de informações têm seus interesses pessoais, corporativos ou querem simplesmente ferrar alguém, utilizando para este fim o jornalista que deve de forma criteriosa, ouvir as diversas versões sobre um mesmo fato mostrando-o na sua amplitude.
O filme reúne entrevistas com José Roberto Toledo, Bob Fernandes, Mino Carta, Renata Lo Pretti, Jânio Freitas, Luis Nassif, Geneton Moraes Neto, Raimundo Pereira, Cristiana Lobo, Fernando Rodrigues, e outros profissionais que falam das suas experiências e das perspectivas com relação ao futuro da profissão com o surgimento da internet e a concorrência dos blogs, que são individualizados e nem sempre têm sua fonte de recursos reconhecida.
 O documentário  analisa diversos casos como o quadro falso de um Picasso do INSS, que foi recebido no século passado como parte do pagamento de uma divida. Também são citados o caso da Escola Parque, da receita da Caipirinha e até mesmo da bolinha de papel que foi jogada no candidato José Serra, na campanha eleitoral de 2010 e que foi transformado num incidente de proporções com repercussão na mídia e na própria campanha eleitoral.
A peça tem como fundamento o caso de um herdeiro que recebe a noticia da morte do pai através de um andarilho e acaba herdando 60 milhões de libras. Ele discute com amigos a aplicação dos recursos e financia um amigo para ser escrivão de uma agência de notícias. A peça é narrada por um apresentador de prólogos e tem a participação de um grupo de mulheres como a comadre Tagarela, Expectativa, Censura e Prazeres filha do Natal e do Carnaval.
“O Mercado de Notícias” revela que no passado as noticias eram transmitidas por viajantes e retransmitidas por barbeiros. A anunciada agência dirigida pelo senhor Trombone, trabalha com quatro repórteres, homens que trabalham nas ruas e bão a qualquer lugar em busca da mercadoria, a notícia, sua fonte de renda e de sobrevivência, como também das empresas de comunicação. Entre as fontes de informação estariam a corte, a igreja, os bancos e os tribunais e fica nas entrelinhas a evidencia de que a boa reputação da verdade se perdeu desde que o dinheiro passou a ser o único valor.

Um dos entrevistados diz que a informação de um incêndio num supermercado do bairro em si não é notícia, e que ela seria considerada como tal produzida por jornalistas. Nos depoimentos fica a proposta de um jornalismo coletivo, além da eclosão das fakenews  -noticias falsas- e a necessidade do posicionamento do jornalista como profissional da informação, que deve ter honestidade intelectual e buscar as varias versões para os fatos, até porque, como dizia Millor Fernandes, “jornalismo é oposição, o resto é um armazém de secos e molhados”.(Kleber Torres)