A transformação da notícia numa ‘commoditie’ e num
produto comercial é o tema de “O Mercado
de Notícias”, um documentário de 2014, que tem como base a peça homônima do
dramaturgo inglês Ben Jonson (1572- 1637), “The staple of news”, encenada pela
primeira vez em Londres, nos idos de1626, e que foi traduzida a quatro mãos
pelo cineasta Jorge Furtado, diretor e roteirista do filme e pela professora
Liziane Kugland. A peça é uma sátira a uma profissão nova no século XVII:
o jornalismo e antevê a revolução da
multiplicação de informações.
Já o filme O Mercado de Notícias, intercala trechos da
peça – que tem um sabor de comédia – e ao mesmo tempo reúne de forma
complementar uma série de entrevistas
construindo um painel sobre mídia
e democracia, mostrando que ao jornalista cabe ver, escutar, relatar e analisar
os fatos observados no dia a dia. O filme também resgata ao mesmo tempo para o
leigo uma breve história da imprensa,
desde o seu surgimento até os dias atuais, mostrando seu papel na construção da
opinião pública, bem como analisando os interesses políticos ou econômicos por
trás de cada noticia.
O próprio cineasta destaca no site sobre o documentário,
que ele enfatiza dois aspectos destacados na peça de Ben Jonson: “o debate
sobre a credibilidade da notícia, que inevitavelmente contraria e favorece
interesses; o segundo é a necessidade constante e crescente de informações, a
demanda por notícias que acaba por se tornar entretenimento”. No filme, fica
evidenciado que cada reportagem responde a uma pergunta e que as fontes de
informações têm seus interesses pessoais, corporativos ou querem simplesmente
ferrar alguém, utilizando para este fim o jornalista que deve de forma
criteriosa, ouvir as diversas versões sobre um mesmo fato mostrando-o na sua
amplitude.
O filme reúne entrevistas com José Roberto Toledo, Bob
Fernandes, Mino Carta, Renata Lo Pretti, Jânio Freitas, Luis Nassif, Geneton
Moraes Neto, Raimundo Pereira, Cristiana Lobo, Fernando Rodrigues, e outros
profissionais que falam das suas experiências e das perspectivas com relação ao
futuro da profissão com o surgimento da internet e a concorrência dos blogs,
que são individualizados e nem sempre têm sua fonte de recursos reconhecida.
O
documentário analisa diversos casos como
o quadro falso de um Picasso do INSS, que foi recebido no século passado como
parte do pagamento de uma divida. Também são citados o caso da Escola Parque,
da receita da Caipirinha e até mesmo da bolinha de papel que foi jogada no
candidato José Serra, na campanha eleitoral de 2010 e que foi transformado num
incidente de proporções com repercussão na mídia e na própria campanha
eleitoral.
A peça tem como fundamento o caso de um herdeiro que
recebe a noticia da morte do pai através de um andarilho e acaba herdando 60
milhões de libras. Ele discute com amigos a aplicação dos recursos e financia
um amigo para ser escrivão de uma agência de notícias. A peça é narrada por um
apresentador de prólogos e tem a participação de um grupo de mulheres como a
comadre Tagarela, Expectativa, Censura e Prazeres filha do Natal e do Carnaval.
“O Mercado de Notícias” revela que no passado as noticias
eram transmitidas por viajantes e retransmitidas por barbeiros. A anunciada
agência dirigida pelo senhor Trombone, trabalha com quatro repórteres, homens
que trabalham nas ruas e bão a qualquer lugar em busca da mercadoria, a
notícia, sua fonte de renda e de sobrevivência, como também das empresas de
comunicação. Entre as fontes de informação estariam a corte, a igreja, os
bancos e os tribunais e fica nas entrelinhas a evidencia de que a boa reputação
da verdade se perdeu desde que o dinheiro passou a ser o único valor.
Um dos entrevistados diz que a informação de um incêndio
num supermercado do bairro em si não é notícia, e que ela seria considerada
como tal produzida por jornalistas. Nos depoimentos fica a proposta de um
jornalismo coletivo, além da eclosão das fakenews -noticias falsas- e a necessidade do
posicionamento do jornalista como profissional da informação, que deve ter
honestidade intelectual e buscar as varias versões para os fatos, até porque,
como dizia Millor Fernandes, “jornalismo é oposição, o resto é um armazém de
secos e molhados”.(Kleber Torres)
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