domingo, 23 de julho de 2017

Armazém Secos e molhados: A mercantilização da informação um problema reconhecido desde o século XVII




A transformação da notícia numa ‘commoditie’ e num produto comercial é o tema de  “O Mercado de Notícias”, um documentário de 2014, que tem como base a peça homônima do dramaturgo inglês Ben Jonson (1572- 1637), “The staple of news”, encenada pela primeira vez em Londres, nos idos de1626, e que foi traduzida a quatro mãos pelo cineasta Jorge Furtado, diretor e roteirista do filme e pela professora Liziane Kugland. A peça é uma sátira a uma profissão nova no século XVII: o  jornalismo e antevê a revolução da multiplicação de informações.
Já o filme O Mercado de Notícias, intercala trechos da peça – que tem um sabor de comédia – e ao mesmo tempo reúne de forma complementar uma série de entrevistas  construindo  um painel sobre mídia e democracia, mostrando que ao jornalista cabe ver, escutar, relatar e analisar os fatos observados no dia a dia. O filme também resgata ao mesmo tempo para o leigo  uma breve história da imprensa, desde o seu surgimento até os dias atuais, mostrando seu papel na construção da opinião pública, bem como analisando os interesses políticos ou econômicos por trás de cada noticia.
O próprio cineasta destaca no site sobre o documentário, que ele enfatiza dois aspectos destacados na peça de Ben Jonson: “o debate sobre a credibilidade da notícia, que inevitavelmente contraria e favorece interesses; o segundo é a necessidade constante e crescente de informações, a demanda por notícias que acaba por se tornar entretenimento”. No filme, fica evidenciado que cada reportagem responde a uma pergunta e que as fontes de informações têm seus interesses pessoais, corporativos ou querem simplesmente ferrar alguém, utilizando para este fim o jornalista que deve de forma criteriosa, ouvir as diversas versões sobre um mesmo fato mostrando-o na sua amplitude.
O filme reúne entrevistas com José Roberto Toledo, Bob Fernandes, Mino Carta, Renata Lo Pretti, Jânio Freitas, Luis Nassif, Geneton Moraes Neto, Raimundo Pereira, Cristiana Lobo, Fernando Rodrigues, e outros profissionais que falam das suas experiências e das perspectivas com relação ao futuro da profissão com o surgimento da internet e a concorrência dos blogs, que são individualizados e nem sempre têm sua fonte de recursos reconhecida.
 O documentário  analisa diversos casos como o quadro falso de um Picasso do INSS, que foi recebido no século passado como parte do pagamento de uma divida. Também são citados o caso da Escola Parque, da receita da Caipirinha e até mesmo da bolinha de papel que foi jogada no candidato José Serra, na campanha eleitoral de 2010 e que foi transformado num incidente de proporções com repercussão na mídia e na própria campanha eleitoral.
A peça tem como fundamento o caso de um herdeiro que recebe a noticia da morte do pai através de um andarilho e acaba herdando 60 milhões de libras. Ele discute com amigos a aplicação dos recursos e financia um amigo para ser escrivão de uma agência de notícias. A peça é narrada por um apresentador de prólogos e tem a participação de um grupo de mulheres como a comadre Tagarela, Expectativa, Censura e Prazeres filha do Natal e do Carnaval.
“O Mercado de Notícias” revela que no passado as noticias eram transmitidas por viajantes e retransmitidas por barbeiros. A anunciada agência dirigida pelo senhor Trombone, trabalha com quatro repórteres, homens que trabalham nas ruas e bão a qualquer lugar em busca da mercadoria, a notícia, sua fonte de renda e de sobrevivência, como também das empresas de comunicação. Entre as fontes de informação estariam a corte, a igreja, os bancos e os tribunais e fica nas entrelinhas a evidencia de que a boa reputação da verdade se perdeu desde que o dinheiro passou a ser o único valor.

Um dos entrevistados diz que a informação de um incêndio num supermercado do bairro em si não é notícia, e que ela seria considerada como tal produzida por jornalistas. Nos depoimentos fica a proposta de um jornalismo coletivo, além da eclosão das fakenews  -noticias falsas- e a necessidade do posicionamento do jornalista como profissional da informação, que deve ter honestidade intelectual e buscar as varias versões para os fatos, até porque, como dizia Millor Fernandes, “jornalismo é oposição, o resto é um armazém de secos e molhados”.(Kleber Torres)     

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