domingo, 13 de junho de 2021

Opioides, uma tragédia com 500 mil mortes nos Estados Unidos



                                          

O documentário O Crime do Século (The Crime of the Century), dirigido por Alex Gibney e exibido recentemente pela HBO e HBO GO, narra a tragédia dos opioídes, uma classe de drogas derivadas da papoula, nos Estados Unidos, com o registro de 500 mil mortes nos primeiros 20 anos deste século. O filme foi dividido em duas partes, com quase quatro horas de duração e revela por através de entrevistas e vídeos como funciona indústria farmacêutica responsável pela epidemia de opioides, com um custo social estimado em US$ 1 trilhão, num país onde a cada 25 minutos nasce uma criança viciada com sinais de abstinência.

 

A primeira parte traz um histórico do uso dos opioides, que foram introduzidos na Índia por Alexandre Magno e cujo uso já era conhecido pelos ocidentais ainda na antiguidade, sendo cultivada pelos egípcios e cujo uso e produção depois se alastrou pelo Mediterrâneo. Os derivados da papoula foram condenados pela Santa Inquisição, que ligava a droga ao diabo e às coisas infernais.

 

Na primeira metade do século XIX a Merck sintetizou a morfina e a Bayer, no início do século XX, passou a fabricar a heroína como substituta da morfina, então um produto vendido no varejo, como medicamento contra tosse. Historicamente, os opioides já eram usados  desde o século XVI, como láudano, uma mistura à base de vinho branco, açafrão, cravo, canela e ópio, desenvolvido pelo alquimista Paracelso, também utilizado como medicamento e relaxante.

 

Os derivados do ópio também alimentaram no século XX os cofres da máfia e os carteis mexicanos. O filme deixa transparecer a existência de uma relação entre os negócios dos carteis do crime organizado e as industrias farmacêuticas, até mesmo em função da complexidade logística de distribuição e da cadeia produtiva do ópio. Vale salientar, que para conquistar o mercado para novos produtos, os carteis chegaram mesmo a distribuir amostras grátis de matanfetaminas.

  

O Crime do Século mostra como a gigante da indústria farmacêutica Purdue Pharma, que lucrou mais de US$ 14,5 bilhões com a venda de opoides, conseguiu que a Agência de Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA) aprovasse para uso mais amplo um analgésico potente para pacientes com dores crônicas ou em estágio terminal, mas que causa alta dependência. A droga foi considerada segura pelo FDA e  depois tentativas infrutíferas para corrigir o erro por parte de agências reguladoras oficiais e órgãos da Justiça, a empresa se uniu extrajudicialmente a distribuidoras de opioides e seguiu em frente, requerendo falência depois de uma multa de US$ 8,3 bilhões. O laboratório continua operando e deve pagar a multa com dinheiro da venda dos opioides.

 

Em sua trajetória, o Purdue Pharma cresceu a partir de um pequeno laboratório adquirido por três irmãos da família Sackler. A empresa opera a partir da premissa de que não há mal para o qual não seja capaz de criar um comprimido, e  a partir dos anos 60 do século passado passou a investir no mercado de calmantes e viciantes. Assim, na medida que dezenas de milhares de pessoas se tornavam viciadas e morriam, com a droga se alastrando até mesmo entre jovens de comunidade rurais, o que tornou os opioides conhecidos como heroína caipira,  o negócio bilionário se consolidou e o mercado criado por ela abriu caminhos para a prescrição de medicamentos ainda mais potentes e  mortais.

 

Os laboratórios consideram que a droga não é o problema, mas sim quem usa os produtos. O Purdue Pharma primeiro produziu o MS Contin, um sulfato de morfina e depois lançou Oxicodona, um opioide que age lentamente sendo absorvido pela corrente sanguínea, mas ocultou os perigos para os usuários em função dos lucros em escala numa parceria com clinicas, médicos e funcionários da FDA, que consideravam os viciados como pseudo dependentes.  O carro chefe do laboratório, o Oxicodona, tem uma potencia duas vezes superior à morfina e chegou a movimentar em vendas US$ 1 bilhão por ano.

 

A segunda parte do documentário é dedicada à agressiva estratégia de  marketing para o opioide sintético Fentanil, o que serve  como base para se chegar a uma ligação entre a indústria farmacêutica e as políticas governamentai, enquanto a epidemia silenciosa de ópio avançava de forma gradativa, matando 40 pessoas de diferentes faixas etárias e de diferentes classes sociais por dia nos Estados Unidos.

 

Nesta estratégia, os laboratórios subornavam médicos com prêmios, pagando palestras e outros incentivos para que prescrevessem droga. O filme inclui participações de representantes da DEA, jornalistas e pesquisadores,  além do ex-vice-presidente de Vendas do Insys Alec Burlakoff e  da ex-gerente de Vendas do, Insys Sunrise Lee, que chegaram a ser concenados a prisão e do traficante de Fentanil, Caleb Lanier, que vendia o produto para sustentar o próprio vício..

 

O filme também narra tragédias pessoais com a participação de profissionais de saúde, sobreviventes e familiares das vítimas dos opioides, além de  contar  ainda com a participação de denunciantes e informantes, além de exibir documentos vazados, entrevistas e acesso aos bastidores das investigações, nos Estados Unidos onde foram comercializados mais de 100 bilhões de compridos nas duas primeiras décadas do século XXI.(Kleber Torres)

 

Ficha técnica

 

Título : O Crime do Século (The Crime of the Century)

 

Direção e roteiro  : Alex Gibney

 

Música : Brian Deminy

 

Gênero : Documentário

 

2020

 

231 minutos

 

 

 


sábado, 5 de junho de 2021

Uma história de pioneirismo e esquecimento no mundo do cinema



 

O documentário Alice Guy-Blaché – uma história não contada  resgata a trajetória de uma  cineasta pouco conhecida e quase nunca citada na história do cinema, em que pese a sua contribuição pioneira desde o final do século  XIX. O filme dirigido por Pamela B.Green e narrado por Jodie Foster reúne imagens de arquivo e entrevistas com familiares da cineasta, atores e  grandes nomes do cinema, além de mostrar  algumas obras da cineasta considerada uma grande artista, mas que acabou esquecida apesar da sua contribuição à história do cinema.

Alice Guy-Blaché nasceu na França, viveu sua juventude no Chile, retornou à Europa e depois viveu por longos anos em New Jersey (USA), onde produziu, dirigiu, roteirizou e atuou  em centenas de filmes, muitos deles preservados hoje na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos e no museu Eastman. No documentário, a cineasta  conta que queria ser artista, mas o pai não deixou. A sua ligação com o cinema começou ao se empregar  como estenografa numa produtora francesa.

Ela destaca que não sabia nada de fotografia e teve de aprender tudo sobre cinema na prática do dia a dia. Seu primeiro filme foi A Fada do Repolho,  uma metáfora que combinava conto de fadas e o folclore, foi construído sem um roteiro definido e uma história que foi criada com a própria sequência das filmagens. Ela também dirigiu uma versão de O Corcunda de Notre Dame no Estúdio Esmeralda, de Gaumont, onde também trabalhou como chefe de produção.

Um fato observado em Alice Guy-Blaché – uma história não contada  é que os seus filmes eram sofisticados, experimentais  e poderiam ser considerados similares aos curtas exibidos nos dias atuais no youtube. Eram filmes que tinham sempre uma conclusão, num tempo em que também ocorriam problemas com os filmes, as câmeras e mesmo a revelação.

Nos Estados Unidos ela fundou a Solax, uma produtora cinematográfica que comandou como uma mulher de negócios astuta e que teria produzido filmes de cowboy e sobre a Guerra de Secessão. Os seus biógrafos acreditam que ela dirigiu mais de 200 filmes.

Como pioneira na história do cinema, a cineasta  também foi diretora da primeira comédia, O Colchão Epiléptico e teria influenciado inclusive  Serguei Eisenstein na direção de Outubro. Ela também foi pioneira em seriados, com a direção e produção de 25 episódios de A Paixão de Cristo, bem como no uso de efeitos especiais. Alice também teria influenciado Alfred Hitchcok, com o uso do espaço, ritmo das sequências  e movimentação de câmeras.

São do período americano filmes como Comédia de erros, Parsons Sue, Tramp Strategy, Hys mother hymn, Two little Rangers e Fight in the Dark, filmes que falam sobre fragmentos da vida e que de certa forma registraram a vida da sociedade americana no século XX. Em A full and his Money, narra a história de um cara idiota que acha uma carteira de dinheiro, compra um carro e passa a ser cortejado por todos que no passado ignoravam , quando era socialmente invisível. Os seus filmes também tratavam da condição da mulher na sociedade, inclusive como personagem central em filmes de faroeste, além de falar  da discriminação racial.O ciclo americano foi  encerrado com o final da primeira guerra mundial.

Alice Guy-Blaché  teve seus filmes exibidos na Universidade de Columbia e foi afetada pala perda de dinheiro na bolsa e pelo incêndio do seu estúdio, o que a deixou fora do mercado. Em  1918 com a eclosão da pandemia provocada pela gripe espanhola, ela voltou para a França com os filhos, tendo realizado seu último filme  em 1922.

O documentário sobre ela a mostra como Alice Guy-Blaché como a mulher que ajudou a inventar o cinema, num roteiro assinado por    Pamela B. Green e Joan Simon, baseado no livro Alice Guy-Blaché lost visionary of the cinema, de Alison McMahan, uma obra que também merece ser lida. (Kleber Torres)

 

 

Ficha técnica

 

Título : Be natural: the untold story of Alice Guy-Blaché (Alice Guy-Blaché – uma história não contada)

Direção : Pamela B.Gree

Roteiro:  Pamela Green e Joan Simon

Narração : Jodie Foster

Documentário

103 min

 Estados Unidos