sábado, 16 de outubro de 2021

Um alerta de ficção que poderia ter preparado o mundo para a covid-19


 

 

Antecipando os cenários da pandemia provocada pela covid-19,  que registrou até agora em outubro de 2021 um total de 220 milhões de casos e mais de 4,55 milhões de mortes no mundo, das quais 601 mil no Brasil, o filme Vírus Fatal ( Fatal Contac : Bird Flu in América), dirigido em 2006 pelo experimentado  cineasta Richard Pearce, trata de uma mutação do vírus H5N1  da gripe aviária transmissível entre humanos. A  obra de ficção  começou, coincidentemente, na China e  atingiu à população em escala planetária, com a capacidade de matar até 300 milhões de pessoas, ou seja, um potencial cinco vezes mais mortal que o da gripe espanhola, que há mais de um século dizimou 50 milhões de seres humanos, espalhando o pânico  e deixando cidades inteiras  em lockdown.

Tudo começa com um executivo americano Ed Collins (John Atkinson) visitando as instalações de uma empresa fornecedora na China, onde aparece um empregado tossindo e espalhando no ar o virus H5N1, o mesmo que na vida real provocou um surto epidêmico em 1997,  a partir de Hong Kong.  O filme também mostra de forma didática, o processo de transmissão do vírus de pessoa a pessoa o que ocorre no bar, num hotel, num avião quando o paciente zero dos Estados Unidos voltou ao seu país de origem daí a necessidade de cuidados como o uso de mascaras e higienização,  hoje enriquecida com o recurso do álcool em gel.

Em Vírus Fatal,  40 a 60% dos pacientes com a Sindrome Respiratória Aguda Grave morrem com dores no corpo inteiro, com dificuldades de respirar e tossindo tanto que rompem as cartilagens internas, se afogando em seu próprio sangue. O filme revela também que nem todas as pessoas expostas ao vírus adoecem, como ocorre nos dias hodiernos com a covid-19.

A reação dos governos não foi imediata e marcada por indecisões, além de  entraves burocráticos. Já governos que evitaram falar de pandemia para não assustar à população, tiveram como primeira preocupação assegurar a continuidade das lideranças e de comando para evitar o caos social, estabelecendo medidas de isolamento social e de quarentena. Um problema agravado por problemas logísticos que criaram dificuldades na produção e distribuição de alimentos, produtos de limpeza e de medicamentos.

Numa cena dramática uma mulher morre e o marido se suicida ao seu lado, deixando o filho pequeno abandonado. Há também especulação generalizada, como uma elevação de preços de mercadorias como o café sendo vendido a 17 dólares nos Estados Unidos e com o estabelecimento de um comércio paralelo com a instauração de um mercado negro, além de saques de mercados, o que não chegou a aconter no caso da covid-19, o qual paralisou as economias em escala planetária, mas não impactou à população com o desabastecimento de alimentos, um problema que afetou ao setor de veículos e de eletroeletrônicos.

Outra preocupação dos governos e cientistas em Vírus Fatal foi com as mutações no vírus, bem como problemas com os antivírus que não funcionavam contra o H5N1, daí a necessidade de investimentos em vacinas e definição de prioridades na imunização para o pessoal da área da saúde e para as pessoas consideradas de risco.

Collin Reed (Stacy Keach), um dos gestores durante a pandemia provocada pelo H5N1, declarou num dos diálogos do filme, que nunca pensou que uma gripe fosse algo tão importante, isso em tempos que considerou tenebrosos. Virus Fatal mostra hospitais lotados e cadáveres sem sepultura sendo cremados a céu aberto igual ao cenário escatológico observado durante os picos da covid-19 dos nossos dias.

O filme evidencia que não há uma resposta perfeita durante uma pandemia e que a melhor alternativa seria a articulação de esforços entre instituições internacionais com os governos nacionais, os quais devem atuar de forma integrada inclusive com a iniciativa privada no enfrentamento de uma tragédia distópica e que marcou também os nossos dias, quando as pessoas perderam o chão sob os deus pés e conheceram uma sensação de vazio tendo de se reinventar diante do isolamento social, da falência do sistema de saúde e de uma inevitável crise econômica com desemprego e uma escalada inflacionária.

No filme, nenhum herói falou de uma gripezinha e nem de remédios milagrosos ou chás para sua prevenção, terminando com o registro de mais de 25 milhões de mortes ainda com o contador girando na tela, mas também sem nenhuma CPI ou relatório final, mostrando que a arte nem sempre antecipa a realidade, mas serve para prevenir. O problema é que mesmo depois desta distópica covid-19, muitos cientistas ainda esperam uma outra pandemia inevitável no futuro, o que exige que se não aprendemos nenhuma lição com uma obra de ficção premonitória, melhor seria aprendermos com este choque oferecido pela realidade, num mundo onde o que é ruim pode ainda, segundo alguns escatologistas de plantão, piorar (Kleber Torres)

 

 

Ficha técnica

 

Título : Vírus Fatal ( Fatal Contac : Bird Flu in América)

Direção : Richard Pearce

Roteiro: Ron McGee

Elenco: Joely Richardson. Stacy Keach, Ann Cusak, Justina Machado, Scott Cohen. David Ramsey, John Atkinson e Kodi Smit-Mcphee

Cinematografia : Ian Strasburgg=

Music : Mark Adler

Colorido

2006

90 minutos


domingo, 10 de outubro de 2021

Um ícone do expressionismo alemão e da história do cinema


                                                                                                     

Considerado como um ícone do expressionismo alemão e um marco na história do cinema, o filme  Nosferatu, eine Symphonie des Grauens (Nosferatu, uma Sinfonia do Horror), dirigido em 1922 por  Friedrich Wilhelm Murnau, tem como referência a história de Drácula, romance de Bram Stoker, o que gerou nos anos 20 uma disputa judicial com os herdeiros do escritor, culminando com uma decisão judicial para destruição dos negativos e cópias do filme na Alemanha e na Europa. A decisão não evitou que cópias do filme, considerado uma obra prima, fossem comercializadas a partir dos Estados Unidos, onde os direitos autorais já haviam expirado anteriormente.

A história tem como base o  drama do corretor de imóveis Thomas Hutter interpretado pelo ator Gustav von Wangenheim,  que  negocia a venda de um castelo abandonado e em decadência para o estranho conde Graf Orlock (Max Schreck). O complicador é que o conde de hábitos noturnos,  vive num castelo em Bremen, na Alemanha e  é na verdade um vampiro milenar, que espalha o terror na região e é temido pela população da vizinhança.

O corretor passa alguns dias no castelo de Bremem, onde ao ter acesso de uma foto de mulher de Hutter,  Ellen (Greta Schroeder), o conde  passa a se interessar por ela e a influencia mesmo à distância com seus poderes sobrenaturais. O filme inclui efeitos especiais elaborados para a época da filmagem e revela para a mudança do conde, que os vampiros só podem manter a sua força se mantidos durante o dia em caixões com a terra amaldiçoada em que foram enterrados.

O fato é que o filme com 105 minutos e um enredo elaborado, tem na única coisa que o diferenciava do Drácula, o nome do conde rebatizado como Graf Orlock e os dos personagens centrais da história. Outra diferença foi encontrada para a morte do vampiro, que morre ao ser atingido pela luz solar, além de inspirar diversas outras caracterizações de chupadores de sangues, ganhando inclusive um remake em 1979, batizado como Nosferato – o vampiro da noite, assinado por outro cineasta alemão Werner Herzog e com a participação do ator Klaus Kinski e a bela Isabelle Adjani.

Nas vésperas de comemorar o seu histórico centenário, Nosferatu  foi inteiramente restaurado em 2006, com base em uma cópia de 1922 da Cinemateca Francesa, bem como de uma outra encontrada no arquivo de cinema alemão e  de outra película encontrada na Tchecoeslováquia, onde o filme foi rebatizado com outro nome para escapar da disputa judicial dos produtores do filme com a viúva do escritor Florence Stoker.(Kleber Torres)

 

 

Ficha técnica

Título : Nosferatu, eine Symphonie des Grauens / Nosferatu, uma Sinfonia do Horror Diretor  

Diretor : Friedrich Wilhelm Murnau

Roteiro : Henrik Galeen / Bram Stoker

Elenco : Max  Schreck, Alexander Granach, Gustav von Wangenheim, Greta Schroeder,G.H.Schnell, Ruth Landshoff, John Gottovut, Gustav Botz, Max Nemetz e Wolfgang Heinz

Cinematografista : Gunther Kampft e Fritz Arno Wagner

Diretor de arte – Albin Grau                

P & B

1922

105 minutos


sábado, 2 de outubro de 2021

O fake por trás do mundo robotizado dos influenciadores digitais


  

Considerado como um experimento social inovador com a participação de influenciadores digitais, o filme Fake Famous: influência e fama na era digital, dirigido por Nick Bilton e exibido pela HBO, tem como referenciais o fato de que em todo o mundo 40 milhões de pessoas têm mais de um milhão de seguidores nas redes sociais e que outros 100 milhões têm em média mais de 100 mil seguidores, sendo considerados celebridades no complexo e disputado universo digital. O experimento envolve três jovens de Los Angeles, com o número de seguidores relativamente pequeno, que são turbinados com a  compra de seguidores falsos e apoio de um exército invisível de robots, conhecidos como bots.

A filme exibido este ano tem como pressuposto que a fama é uma coisa obscura e estranha, pois no passado as pessoas eram famosas em função da suas habilidades  artísticas ou esportivas,  hoje, pela sua capacidade de influenciar as pessoas através da redes sociais, tendência se acentuou a partir da pandemia provocada pela covid-19.  Ele também reúne depoimentos de Taylor Lorenz, que é  repórter de tecnologia do The New York Times); da influenciadora Liz Eswein; da jornalista Sarah Frier, do Bloomberg e da escritora Justine Bateman, autora do livro Fame: The Hijacking of Reality) e diversos especialistas em comunicação digital.

Fake Famous tem como contraponto o novo coronavirus, pandemia que  forçou as pessoas ao isolamento e distanciamento ampliando o seu acesso às redes sociais, as quais extrapolaram a sua dimensão de meros aplicativos para postagem de fotos e mídias diversas, fomentando uma indústria que movimenta milhões de dólares em escala global através de negócios e campanhas de vendas.

Além de discutir o que é e qual a função de um influenciador digital, Fake Famous,  o filme mostra o desempenho de três personagens: Dominique Druckman, uma atriz de filmes sobre adolescentes rebeldes e que vivia na expectativa de sua grande chance  no cinema; Chris Bayley estilista e cantor que sonhava se impor no mundo da moda com peças únicas e aplicava sua arte em roupas de segunda mão.

O terceiro elemento no experimento foi Wylie Heiner, assistente  imobiliário, destacando no filme que a experiência como influenciador digital foi exaustiva  e competitiva o que acabou resultando na sua desistência do processo em que afinal todo o mundo conhece alguém famoso no Instagram. Em termo de expectativas, ele espera atuar em um outro filme e na vida real, prosseguir seus estudos para  trabalhar em projetos educacionais com outros grupos marginalizados.

Partindo do pressuposto de que os influenciadores digitais ganham seguidores por meio de curtidas, compartilhamentos e patrocínios, um processo que pode ser inflado com o suporte de um verdadeiro exército de bots – robôs - contratado  para gerar engajamento e motivar a participação de pessoas, elevando artificialmente os perfis e o status do influenciador digital. Hoje, a estimativa é de que 48% das atividades nas redes sejam realizadas através de pessoas e o restante por robôs, que aceleram as curtidas, gerando tráfego e retorno financeiro aos envolvidos neste negócio.

 

O projeto começou com uma produção e investimentos nos três personagens do experimento que ganharam novo corte de cabelo, um novo look no seu visual, além, naturalmente da compra de seguidores falsos, os mesmos que são usados através de robôs  para a criação de pessoas falsas e noticias idem. Depois destes preparativos, os três influenciadores passaram por uma bem cuidada sessão de fotos, como a de uma outra profissional desta área, que comodamente fez uma “viagem” a Bali, passando com sua equipe de produção apenas por uma sofisticada loja de departamentos.

 

O dado observado na pesquisa é que a compra de seguidores tem de ser feita de forma discreta com a aquisição gradual  de 7,5 mil adesões num dia para não alertar aos algoritmos das operadoras das redes sociais. As adesões, falsas ou verdadeiras  servem de padrão para a obtenção do patrocínio de produtos ou empresas que operam no mercado real.

 

A ideia da pesquisa foi forjar viagens, caminhadas, hospedagem em hotéis e mansões – alugadas por uma diária inferior a mil dólares – ou mesmo viagens de primeira classe em jatinhos fakes, cujas cabines são alugadas por menos de 100 dólares por hora, com excelentes resultados. Quem pretende um custo menor nestas viagens em jato executivo pode usar criativamente até uma tampa de vaso sanitário para imitar a janela de um avião, com custo de apenas  uma dezena de dólares.

 

Uma estatística apresentada no filme é que mais de 60% dos likes de pessoas famosas, consideradas celebridades nas redes sociais são movimentadas por bots falsos. Já a  socialite Kim Kardashian, uma celebridade no mundo  dos influenciadores digitais,  cobra, por exemplo,  500 mil dólares por uma postagem no Instagram e em média, um profissional posta em média três a quatro informações por dia.

O diretor Nick Bilton, um jornalista experimentado,  atinge o objetivo proposto pelo projeto do filme ao  questionar a fama e a influência na era digital, num  mundo em que as pessoas estão em busca do sucesso e do reconhecimento nas redes sociais. O processo envolve bilhões de seres humanos em escola planetária, num universo onde 140 milhões de pessoas, o equivalente a metade da população dos Estados Unidos têm mais 100 mil seguidores.

A aspirante a atriz Dominique Druckman começou a receber produtos e passou a ser  procurada por empresas quando superou a marca dos 100 mil seguidores. Também foi convidada para uma viagem com influenciadores para Las Vegas promovida por uma indústria de roupas, com direito a uma parada para fotos no deserto e até um parque aquático abandonado.

Ela conta no filme que a experiência de uma semana em tempo integral de dedicação à atividade de influenciadora digital serviu para definir  uma nova meta para chegar a 250 mil seguidores. Mas mesmo com a pandemia, ela continuou a receber presentes e produtos, inclusive de uma joalheria.

Wylie Heiner  teve uma experiência interessantes, com 165 curtidas e muitos comentários num curto espaço de tempo após uma postagem turbinada por bots. O fato é que cada um dos envolvidos na pesquisa  passa a ter experiências totalmente diferentes à medida que seus falsos seguidores construídos por hackers, com base em pessoas existentes na base de dados da rede mundial de computadores , crescem aos milhares a cada dia, quando a própria realidade se confronta com os sonhos.

O estilista Chris  Bayley, desiste do projeto por considerar que pretendia ser famoso por ser autêntico, mas sem a ajuda de bots e não como Dominique Druckman, que virou uma outra pessoa e ganhou até férias grátis e patrocinada, mas com a pandemia passou a perceber que tudo é falso, com influenciadores se exibindo em praias de biquíni num período de distanciamento social, enquanto cantores de ópera e artistas cantavam em varandas levando alegria para as pessoas em isolamento e afetadas por uma pandemia que custou a vida de mais de cinco milhões de pessoas em todo o mundo.

“No meu caso,eu não preciso ser repaginado”, destacou Chris  Bayley que optou por deixar o projeto junto com Wilei Heiner. Também foi constatado que apesar da pandemia os influenciadores digitais aumentaram o número de seguidores reais, uma provável consequência dos isolamento das pessoas.

Fake Famous revela por fim como o mundo online perpetua uma falsa sensação de glamour, mas que está cada vez mais distante da realidade das pessoas e mesmo de toda uma geração que sofre de depressão, ansiedade e vício nas mídias sociais, num contraponto a um período de crise agravado pela pandemia da covid-19, o que nos leva a refletir sobre a realidade e sobre a possibilidade de construção de um mundo inteiramente fake, onde tudo é falso,  como uma simples peça de ficção e de pronta reposição. (Kleber Torres)

 

Ficha técnica

 

Título: Fake Famous: influência e fama na era digital

 

Direção : Nick Bilton

 

Direção de fotografia : Barney Broomfield

 

Música : Michael Abels