domingo, 15 de junho de 2025

Um retrato ímpar da complexa pele cultural e social da Bahia

Considerado um dos mestres do Cinema Novo, Nelson Pereira dos Santos dirige o filme Jubiabá, uma produção franco-brasileira, com um olhar atento aos detalhes e com uma sensibilidade que permite extrair, de cada cena, tanto a beleza quanto a crueza de uma realidade marcada pelo preconceito e pela luta por identidade ou mesmo afirmação política. Baseada no romance homônimo de Jorge Amado, a história narra a trajetória de Antônio Balduíno (Charles Baiano), um jovem negro, o qual em função da loucura da avó acaba adotado por um empresário que o expulsa de casa ao descobrir um suposto namoro com sua filha Lindinalva (Franoise Grossard), obrigando-o a esforçar-se para afirmar sua existência num contexto de marginalidade e desigualdade, passando transversal pelo mundo do boxe, do circo, da prostituição e mesmo da militância político-ideológica. A narrativa cinematográfica, que se desenrola de maneira quase poética, cria uma dualidade entre o drama pessoal dos personagens, religiãoea crítica social. Essa tensão é revelada por meio do uso inteligente dos recursos cinematográficos – desde o jogo de luzes até a composição das cenas – que traduz, visualmente, os conflitos internos dos personagens e a riqueza da cultura afro-brasileira, tendo como elo de ligação Jubiabá (Grande Otelo, numa das suas melhores interpretações dramáticas), que atua como personagem fundamental, uma espécie de sábio e conselheiro, um pai de santo e personalidade de grande influência sobre Balduíno, o que o torna uma das figuras centrais do filme. Também a própria ambientação do filme na Bahia, com seus casarios e ruas estreitas não é apenas um pano de fundo, mas sim um personagem vivo, inserido em cada diálogo e em cada enquadramento. A cinematografia capta com maestria a diversidade das paisagens baianas, utilizando planos que alternam entre o intimismo e a amplitude, reforçando a sensação de imersão do espectador na narrativa. A trilha sonora, composta por Gilberto Gil, interage com as imagens, formando um todo que se integra à dramaticidade da obra. O filme reúne artistas consagrados, como Betty Faria, Zezé Motta, Ruth de Souza, Jofre Soares, Mário Gusmão e Grande Otelo interpretando Jubiábá, cujo nome evoca a memória hiostórica, consciência e experiência das pessoas negras ou mestiças em relação à escravidão e à sua cultura. Eles oferecem interpretações que vão além da mera representação de estereótipos, entregando ao público personagens com profundidade e humanidade a partir de suas vivências e contradições. O quer se manifesta ainda na decadência do comendador (Raymond Pellearin), de Lindinalva e de Luigi (Julien Guiomar) numa autenticidade interpretativa que intensifica o impacto emocional do filme, permitindo que o espectador se conecte de forma visceral com os dilemas expostos pelos personagens– desde a busca por pertencimento à constante batalha contra a marginalização e à própria morte. Jubiabá se firma como uma obra cinematográfica fundamental na filmografia de Nelson Pereira dos Santos, que dialoga com a história e a cultura do Brasil, não apenas ao adaptar a narrativa amadiana que literariamente tem o sabor ameno de uma conversa ao pé do ouvido, mas criando um espaço onde o drama pessoal se funde com uma crítica social contundente, estabelecendo um marco na representação das questões raciais e identitárias. Tudo isso sem cair no mero folclorismo e num convite à reflexão sobre os caminhos e desafios de uma sociedade multiracial com todas as suas idiossincrasias para compreensão da nossa própria história. Ficha técnica Título original: Jubiabá Direção e roteiro : Nelson Pereira dos Santos, baseado no romance homônimo de Jorge Amado Elenco: Grande Otelo, Charles Baiano, Catherine Rouvel, Françoise Goussard, Betty Faria, Zezé Motta, Ruth de Souza, Jofre Soares, Mário Gusmão, Raymond Pellegrin e Julien Guiomar Gênero: Drama Duração: 107 minutos Países de origem: Brasil, França Idioma: Português Música: Gilberto Gil Classificação indicativa: 14 anos Ano de produção: 1987

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