quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Os vários ângulos de um retrato de Susan Sontag




          Dez anos após a sua morte, Susan Sontag teve a sua vida revisitada no filme “Regarding Susan Sontag”,   dirigido por Nancy Kates, em 2014, que reconstituiu a trajetória da  um dos maiores símbolos da literatura, do feminismo, do movimento GLBTS  e da política, que assumiu posições com relação à guerra do Vietnã e a dos seis dias no Oriente Médio. O documentário reúne imagens e arquivos pessoais da escritora, que também foi ensaísta e incursionou no universo do cinema e da fotografia, além de incluir depoimentos de familiares, amigos e ex-amores de ambos os sexos uma das mulheres mais fascinantes e inteligentes que o mundo já viu.
          O filme revela que muito além da figura icônica, ela aparece como mulher apaixonante e apaixonada, e que enfrentado três cânceres – um no seio aos 40 anos, um sarcoma uterino aos 60 e um câncer no sangue que lhe custou a vida após um transplante mal sucedido –, ainda considerava que “os 70 anos me parecem uma coisa bem legal” e ainda tinha projetos para o futuro. A morte, decididamente, parecia fora dos seus planos.
          Para Susan Sontag todos os escritores interessantes e de todos os tempos foram críticos da sociedade em que viveram e adversários do sistema, ao qual manifestavam sempre uma opinião discordante. No atentado de 2001, que resultou na queda das Torres Gêmeas, por exemplo, ela considerou a ação dos terroristas como um ataque que pôs em cheque a hegemonia de uma potência mundial.
          Ela também considerava que a batalha pela paz “jamais será vencida se chamamos a quem não gostamos de comunista” e defendia de unhas e dentes o direito democrático de cada um expressar livremente as suas opiniões e idéias. Sontag definia o escritor como alguém interessado em arte, política e na psicologia das pessoas, complementando depois: ”toda obra literária é política e todas as ações são políticas.”
          Neste conjunto entre ficção  e literatura, a escritora acreditava que a narrativa é o que permanece no final das contas e salienta que na literatura a verdade é algo oposto ao que é apresentado, mas também é a própria essência da verdade.
           “Regarding Susan Sontag” incursiona na infância da autora, no casamento aos 17 anos,  nascimento do seu filho David aos 19 e da sua separação do marido aos 24, quando elaborou uma lista de obrigações como a de ensinar o filho a ler e de escrever no mínimo duas horas por dia. O filme  abordou ainda a movimentada vida amorosa e sexual de Susan, que nunca ocultou a sua bissexualidade, um assunto que sempre tratou como uma questão pessoal. As suas relações com homens e mulheres constavam apenas das anotações em seus diários publicados postumamente e referenciados no filme.
          O documentário inclui depoimentos de alguns de seus amantes dos dois sexos, que relembram sua busca por amor em diversos momentos da vida. Ela admite em  suas anotações pessoais que sofreu no casamento com a perda da sua personalidade e depois de entrar em Oxford para estudar filosofia, embarcou para Paris, onde conheceu Harriet, a quem fez uma apaixonada declaração de amor e incursionou no cinema  participando dos filmes da Nouvelle Vague.
          Depois do divórcio ela começa a publicar romances, novelas e ensaios. O seu primeiro livro foi O Benfeitor, traduzido em 18 idiomas, a quem considerava um romance filosófico, lembrando que “ninguém mais escreve de forma linear”, mas que não foi bem recebido pela critica que considerava a sua prosa como abstrata, comprando-o com um romance ruim e que teve uma tradução barata de outra língua. Também participou de uma série de happenings e ao longo do tempo recebeu vários prêmios como reconhecimento pelo seu trabalho.
          Como ficcionista, crítica literária e autora de ensaios influentes em campos diversos, ela escreveu ainda o polêmico “Notas on Camp”, em que enfocava a questão da estética gay e a erotização da arte, depois publica “I, etcetera”, que reunia oito contos, além do célebre ensaio “Sobre a fotografia” e da “A doença como metáfora”).  Bonita, fotogênica e de fluência verbal, ela soube trabalhar a própria imagem como poucos artistas contemporâneos e foi uma das mulheres mais fotografadas de todos os tempos, tendo posado inclusive para Andy Wharol e como figurante em filmes da Nouvelle Vague, isso sem falar nas frequentes aparições na televisão e até protagonizando participações em peças publicitárias.
          Este desempenho multimidiático a transformou numa celebridade global, com  status de ícone pop, o que ajudou a criar um estereótipo de intelectual militante e participativo do século XX, o que ela justificava explicando em suas freqüentes entrevistas em rádios, jornais e televisões: “sou uma militante feminista, mas não uma feminista militante,” complementando: “ser mulher é ser uma atriz, vivendo numa espécie de teatro, com cenários, luzes e gestos estilizados”.
          Numa outra fase, ela incursiona na análise dos filmes de terror e o mundo trash, partindo para dirigir filmes, ficando nos bastidores atrás das câmeras, com sua magia> para ela nossa visão do mundo é guiada por imagens fotográficas, mas em contrapartida, as imagens muitas vezes distanciam o observador do tema que retratam.
          Como ativista contra a guerra do Vietnã ela acabou convidada pelo governo comunista do Vietnã do Norte para visitar aquele país em confronto contra os Estados Unidos. Ela também declarou que a guerra é tão terrível, que nenhuma fotografia por mais chocante que seja será capaz de descrever a dimensão da tragédia e também se manifestou politicamente contra a cultura da guerra e a industria bélica.
          Para Susan Sontag, também a alta cultura está ameaçada e tem a mesma qualidade das espécies ameaçadas de extinção. O documentário revela ainda que a imagem criada por ela  na sociedade nem sempre encaixa  com a de sua vida privada, que é muito mais complexa e contraditória, pois a escritora como uma pessoa aparecia como generosa e charmosa, mas ao mesmo tempo era  cruel e arrogante, com uma pessoa todos os defeitos dos seres humanos e transitórios.
           “Regardin susan Sontag” acaba nos revelando duas facetas da escritora: primeiro, que ela não era feliz e sentia que não fora boa o bastante, mas também mostra o seu temor da morte e da extinção inevitáveis, o que considerava como o oposto de qualquer coisa lembrando: “ se você tem curiosidade por tudo, se interessa por tudo, aí é difícil morrer.” (Kleber Torres)

Ficha técnica:

Título : Regarnding Suzan Sonrtaf
Produção e direção: Nancy kates
Roteiro: John Hoptas / Nancy Kates

Música : Laura Kapmann e Nora Ktoll-Rosenbaum

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