Dez anos após a sua morte, Susan
Sontag teve a sua vida revisitada no filme “Regarding Susan Sontag”, dirigido
por Nancy Kates, em 2014, que reconstituiu a trajetória da um dos maiores símbolos da literatura, do
feminismo, do movimento GLBTS e da
política, que assumiu posições com relação à guerra do Vietnã e a dos seis dias
no Oriente Médio. O documentário reúne imagens e arquivos pessoais da escritora,
que também foi ensaísta e incursionou no universo do cinema e da fotografia, além
de incluir depoimentos de familiares, amigos e ex-amores de ambos os sexos uma
das mulheres mais fascinantes e inteligentes que o mundo já viu.
O filme revela que muito além da
figura icônica, ela aparece como mulher apaixonante e apaixonada, e que
enfrentado três cânceres – um no seio aos 40 anos, um sarcoma uterino aos 60 e
um câncer no sangue que lhe custou a vida após um transplante mal sucedido –,
ainda considerava que “os 70 anos me parecem uma coisa bem legal” e ainda tinha
projetos para o futuro. A morte, decididamente, parecia fora dos seus planos.
Para Susan Sontag todos os escritores
interessantes e de todos os tempos foram críticos da sociedade em que viveram e
adversários do sistema, ao qual manifestavam sempre uma opinião discordante. No
atentado de 2001, que resultou na queda das Torres Gêmeas, por exemplo, ela
considerou a ação dos terroristas como um ataque que pôs em cheque a hegemonia
de uma potência mundial.
Ela também considerava que a batalha
pela paz “jamais será vencida se chamamos a quem não gostamos de comunista” e
defendia de unhas e dentes o direito democrático de cada um expressar livremente
as suas opiniões e idéias. Sontag definia o escritor como alguém interessado em
arte, política e na psicologia das pessoas, complementando depois: ”toda obra
literária é política e todas as ações são políticas.”
Neste conjunto entre ficção e literatura, a escritora acreditava que a
narrativa é o que permanece no final das contas e salienta que na literatura a
verdade é algo oposto ao que é apresentado, mas também é a própria essência da
verdade.
“Regarding Susan Sontag” incursiona na infância
da autora, no casamento aos 17 anos, nascimento do seu filho David aos 19 e da sua separação
do marido aos 24, quando elaborou uma lista de obrigações como a de ensinar o
filho a ler e de escrever no mínimo duas horas por dia. O filme abordou ainda a movimentada vida amorosa e
sexual de Susan, que nunca ocultou a sua bissexualidade, um assunto que sempre
tratou como uma questão pessoal. As suas relações com homens e mulheres constavam
apenas das anotações em seus diários publicados postumamente e referenciados no
filme.
O documentário inclui depoimentos de
alguns de seus amantes dos dois sexos, que relembram sua busca por amor em
diversos momentos da vida. Ela admite em
suas anotações pessoais que sofreu no casamento com a perda da sua
personalidade e depois de entrar em Oxford para estudar filosofia, embarcou
para Paris, onde conheceu Harriet, a quem fez uma apaixonada declaração de amor
e incursionou no cinema participando dos
filmes da Nouvelle Vague.
Depois do divórcio ela começa a publicar
romances, novelas e ensaios. O seu primeiro livro foi O Benfeitor, traduzido em
18 idiomas, a quem considerava um romance filosófico, lembrando que “ninguém mais
escreve de forma linear”, mas que não foi bem recebido pela critica que considerava
a sua prosa como abstrata, comprando-o com um romance ruim e que teve uma
tradução barata de outra língua. Também participou de uma série de happenings e
ao longo do tempo recebeu vários prêmios como reconhecimento pelo seu trabalho.
Como ficcionista, crítica literária e
autora de ensaios influentes em campos diversos, ela escreveu ainda o polêmico “Notas
on Camp”, em que enfocava a questão da estética gay e a erotização da arte,
depois publica “I, etcetera”, que reunia oito contos, além do célebre ensaio
“Sobre a fotografia” e da “A doença como metáfora”). Bonita, fotogênica e de fluência verbal, ela
soube trabalhar a própria imagem como poucos artistas contemporâneos e foi uma
das mulheres mais fotografadas de todos os tempos, tendo posado inclusive para
Andy Wharol e como figurante em filmes da Nouvelle Vague, isso sem falar nas
frequentes aparições na televisão e até protagonizando participações em peças
publicitárias.
Este desempenho multimidiático a
transformou numa celebridade global, com status de ícone pop, o que ajudou a criar um
estereótipo de intelectual militante e participativo do século XX, o que ela
justificava explicando em suas freqüentes entrevistas em rádios, jornais e
televisões: “sou uma militante feminista, mas não uma feminista militante,”
complementando: “ser mulher é ser uma atriz, vivendo numa espécie de teatro,
com cenários, luzes e gestos estilizados”.
Numa outra fase, ela incursiona na
análise dos filmes de terror e o mundo trash, partindo para dirigir filmes,
ficando nos bastidores atrás das câmeras, com sua magia> para ela nossa
visão do mundo é guiada por imagens fotográficas, mas em contrapartida, as
imagens muitas vezes distanciam o observador do tema que retratam.
Como ativista contra a guerra do
Vietnã ela acabou convidada pelo governo comunista do Vietnã do Norte para
visitar aquele país em confronto contra os Estados Unidos. Ela também declarou
que a guerra é tão terrível, que nenhuma fotografia por mais chocante que seja
será capaz de descrever a dimensão da tragédia e também se manifestou
politicamente contra a cultura da guerra e a industria bélica.
Para Susan Sontag, também a alta
cultura está ameaçada e tem a mesma qualidade das espécies ameaçadas de
extinção. O documentário revela ainda que a imagem criada por ela na sociedade nem sempre encaixa com a de sua vida privada, que é muito mais
complexa e contraditória, pois a escritora como uma pessoa aparecia como
generosa e charmosa, mas ao mesmo tempo era cruel e arrogante, com uma pessoa todos os
defeitos dos seres humanos e transitórios.
“Regardin susan Sontag” acaba nos revelando
duas facetas da escritora: primeiro, que ela não era feliz e sentia que não
fora boa o bastante, mas também mostra o seu temor da morte e da extinção inevitáveis,
o que considerava como o oposto de qualquer coisa lembrando: “ se você tem
curiosidade por tudo, se interessa por tudo, aí é difícil morrer.” (Kleber Torres)
Ficha técnica:
Título : Regarnding
Suzan Sonrtaf
Produção e direção:
Nancy kates
Roteiro: John Hoptas
/ Nancy Kates
Música : Laura
Kapmann e Nora Ktoll-Rosenbaum
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