sábado, 4 de novembro de 2017

Resiliência e amor na conturbada trajetória do James Dean do jazz


A conturbada história do James Dean do jazz e do príncipe do “cool” é retratada no filme Chat Baker – A Lenda do Jazz (Born To Be Blue), que teve a sua carreira e vida pessoal atropelada pelo uso e abuso de heroína. Estrelado por Ethan Hawke, com uma interpretação primorosa, o drama acompanha a trajetória e resiliência do cantor e trompetista a partir da etapa mais conturbada de sua carreira, nos anos 60. O filme começa em Lucca, Itália, 1966 para onde ele se transferiu em definitivo para a Europa onde viveu até a sua morte em Amsterdã, em 1988. A cena começa com um trompete dourado no chão de onde sai uma aranha gigantesca e Chat Baker drogado, dorme no piso de uma prisão, onde é acordado por um guarda anunciando a chegada de um cineasta hollywoodiano interessado em filmar sobre a sua vida. A sequência colorida sofre um corte e aparece uma outra de 1954, na Birdland, em New York City, onde Baker já era considerado um dos melhores tropetistas e vocais, aparecendo como um ícone da escola de jazz da Costa Oeste, sendo festejado e aplaudido por fãs ao se apresentar ao lado de celebridades como Miles Daves e Dizzy Gillespie. No ápice de sua carreira, Chat Baker, que era branco e por isso um estranho no ninho jazzístico, chegou a ter o seu próprio quarteto e era cobiçado pela indústria fonográfica e cinematográfica por outros dois importantes atributos: sua juventude e beleza. Tudo muda quando Chet Baker mergulhou no mundo das drogas ao se viciar em heroína. No filme, uma sequência interessante envolve sexo e heroína, tendo como o jazz com fundo musical. Numa cena, Baker diz ironicamente que odeia agulhas e pede a amante Jane (Carmen Ejogo) que aplique a droga, numa sequência que se repete em cores durante a filmagem em Los Angeles, nos idos de 1966, de uma película sobre o músico que interpreta a si mesmo e sem ser ator, também fez incursões no universo do cinema. O fato é que em função do abuso de drogas e bebida, as suas turnês musicais diminuíram e se tornaram esparsas, na medida em que ele entrava e saía da prisão após ser condenado por envolvimento em drogas. Numa cena subsequente, um amigo lembra ao músico sobre a sua vida louca e desregrada, destacando que não abandonou a mulher e o filho para se tornar no maior viciado do mundo. Numa outra sequência Baker faz referência às suas proezas sexuais mesmo chapado e admite que tem os seus vícios, o que a mulher Carmen Ejogo interpretando primeiro a amante Jane e depois, a companheira do músico nos momentos de dificuldades, Elaine. Ela concorreu com isso ao prêmio de melhor atriz no prêmio do cinema canadense, e lembrou ao músico: “sei que você é um problema”. As coisas se agravam ainda mais, quando após show na cidade em 1968, Chat Baker foi barbaramente espancado por traficantes em função de dividas ganhando lesões graves do pescoço, fraturas na face e perdendo os dentes da frente, o que comprometeu a sua embocadura selando o que seria a sua morte para o jazz. Nesta fase os produtores, amigos e músicos se afastam do músico que recomeça tudo a partir do zero. Em que pese os problemas, o músico tem consciência de que era um dos maiores trompetistas da sua geração e mais que isso, sabia da sua capacidade de improvisação, a mais importante carcterística de um artista no mundo do jazz. Ele lembra do seu encontro com Charlie Parker, o Bird, que fez uma seleção de músicos para acompanhá-lo numa banda e fechou o teste quando encontrou Baker. Na sua recuperação, o trompetista fez uso de metadona, um narcótico do grupo dos opióides utilizado principalmente no tratamento dos toxicodependentes de heroína e outros opiáceos, mas que também tinha sérios efeitos colaterais. Neste interin ele volta para a zona rural onde vivem os seus pais, tocando em bares sem expressão no interior do país e voltando a trabalhar num posto de gasolina, emprego necessário para o cumprimento das exigências da prisão condicional. Aos policiais que monitoram sua reabilitação, ele os acusa de terem sido responsáveis pela morte de Billie Holliday, uma musa do jazz, que morreu também envolvida em drogas numa trajetória descendente que a levou ao ocaso. Born to Be Blue nos revela duas facetas importantes para recuperação do musico: a sua resiliência, ou seja, uma capacidade para superar as perdas e danos da vida, além do amor manifesto de Elaine, com quem divide uma Kombi, que serve de moradia e veículo de transporte. A partir daí, começa uma nova fase para a reinvenção da sua carreira, com Chet Baker se adaptando a uma nova embocadura, superando as dores e tentando se reerguer no mundo da música até voltar ao Birdworld, onde volta a conquistar aplausos do público, da crítica e dos seus pares. Baker voltou ao Birdworld e à heroína, perdendo em definitivo a companhia de Elaine, que tenta uma carreira solo no cinema. Ele confessa que conseguia entrar em cada nota e mandou um recado para Miles Dives, um dos seus antagonistas: “tem um jazista branco da Costa Oeste que vai comer vocês vivos,” mas a tragédia humana e pessoal do artista só terminou em 1988, com a sua morte, mas com sua voz e trompete imortalizados em bolachões, CDs e imagens do cinema, mas que nos chegam também através do YouTube. O filme resgata alguns clássicos de Chat Baker como My Funny Valentine, mas faltou Take Five, de Paul Desmond, o que fecharia tudo com chave de ouro e nos remeteria ainda mais à competência de uma voz inconfundível e de um trompete que hoje anima junto com trombetas a banda dos céus. (Kleber Torres) Ficha Técnica Título: Chat Baker – A Lenda do Jazz (Born To Be Blue) Direção e roteiro: Robert Budreau Elenco : Ethan Hawke, Carmen Ejogo, Callum Kaith, Stephen McHatie, Kevin Hanchard Música composta por: David Braid, Todor Kobakov, Steve London 2015 (EUA)

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