sexta-feira, 17 de abril de 2020

Parasita — uma releitura oriental da luta de classes

    

Parasita — o filme sul coreano, dirigido por Bong Joon-ho, ganhador de quatro Óscares, inclusive o de melhor filme em 2019, e de diversos prêmios internacionais, que arrecadou 202,3 milhões de dólares em bilheteira, narra a história das famílias Kim e Park, separadas pela diferença de classes visivelmente presentes na tela, cujas vidas se cruzam nas necessidades do dia-a-dia.
A família Kim, com quatro membros, sobrevive à margem da sociedade, vivendo de bicos e em condições precárias, até que o filho Ki-woo torna-se tutor da filha adolescente da rica família Park e vê uma oportunidade de ascender socialmente.
Com um tom que transita entre a comédia, o drama, suspense e violência, o filme venceu as barreiras linguísticas e culturais abordando a desigualdade socioeconômica e o modo como ela afeta o ambiente, seja ele em termos físicos, ambiental ou psicológicos. Embora a narrativa do filme e as casas pertencentes às famílias sejam ficcionais, tudo parece muito real, enganando até os espectadores e críticos mais atentos.
Questões urbanas de Seul
Vale observar para compreender o filme, que a população de Seul cresceu de 1,57 milhão de habitantes em 1950 para 2.45 milhões em 1960, um crescimento real de 56% em apenas uma década. Nessa época, um terço das casas construídas estavam em situação irregular, e, em função do crescimento explosivo da metrópole coreana foram agravados os problemas de habitação, de trânsito e de fornecimento de água, num país com a economia fragilizada em função da guerra com a Coreia do Norte.
Mesmo com o cessar fogo, em 1968, soldados norte-coreanos se infiltraram em Seul numa missão para assassinar o presidente sul-coreano Park Chung-hee. Ainda que o plano tenha sido frustrado, a tensão entre os dois países se intensificou com o risco de um novo conflito iminente. Naquele mesmo ano, a Coreia do Norte também atacou e capturou um navio espião da marinha americana, o USS Pueblo.
Em paralelo, aconteceram também uma série de incidentes terroristas devido à infiltração de agentes norte- coreanos na Coreia do Sul, alimentando o medo de população com uma nova guerra de consequências imprevisíveis.
Em 1970, temendo uma nova crise de maior dimensão,o governo sul-coreano atualizou as regras para a construção civil: exigindo que todos os edifícios residenciais com quatro andares ou menos tivessem porões que pudessem servir como abrigo para os moradores em caso de um bombardeio. Inicialmente, alugar esses espaços era ilegal, até porque esse tipo de locação inviabilizaria o seu uso em caso de emergência. Todavia, nos anos 80, houve a intensificação da crise imobiliária e por conta da falta de habitações na capital, o governo foi obrigado a legalizar a presença de moradores nesses espaços subterrâneos.
As Nações Unidas observaram em 2018, que a falta de habitação acessível na Coreia do Sul era um problema para toda a população, ainda que o país fosse considerado a 11ª maior economia do mundo. Este problema de moradia se torna ainda maior para os jovens com menos de 35 anos, cuja proporção entre renda e aluguel ficava em torno de 50% da sua renda na última década, e para os grupos familiares considerados pobres.
O valor de um aluguel mensal girava em torno de 540 mil wons coreanos, o equivalente em nossa moeda a R$ 1.937, enquanto os salários dos trabalhadores mais jovens se situava, em média, de 2 milhões de wons, ou seja, R$ 7.173. Por isso, os banjihas –porões- se tornaram uma alternativa viável e barata de moradia em um mercado cujos preços e a demanda não paravam de crescer.
Banheiro de um Banjiha real, Coreia do Sul
Banjiha real, Coreia do Sul.
Residência da família Kim
Segundo Lee Ha-Jun, o diretor de arte, diz em entrevista à Indiewire que tinha a intenção de retratar no filme o aumento de densidade populacional e como isso se refletia entre as classes mais altas, vivendo no topo da pirâmide social, e o contraponto com os moradores dos porões, vivendo abaixo do nível da rua.
A família Kim — que nunca teve condições de planejar a aquisição da própria residência, e muito menos de comprar uma casa projetada por um arquiteto famoso — sobrevive dobrando caixas de pizzas no porão onde vive, em um bairro pobre de Seul. Para completar o drama, eles ainda precisam conviver com visitantes indesejados urinando na única janela da residência.
Os produtores do filme construíram a residência dos Kim com material reciclado, fotos das regiões semelhantes de Seul e do semiporão que Lee Ha-Jun viveu durante o período em que estudava na faculdade. A casa foi montada com materiais que a produção encontrou nas ruas: portas, janelas, telas de proteção contra mosquitos, cerâmicas, molduras e até mesmo fios elétricos. “Eles usaram materiais que mostravam o desgaste e a sujeira dos 10 ou 20 anos de uso intensivo”, declarou o diretor do filme.
A familia Kim no Banjiha
Renders — O bairro e a casa família Kim, respectivamente.
Residencia dos Park
A casa possui um estilo modernista seguindo a vertente funcional. E, a partir do funcionalismo surgem novas tendências, sendo a mais abrangente o international style, que é o que podemos observar na residência dos Park. O Getty Research Institute define o International Style como “o estilo arquitetônico que emergiu na Europa após a Primeira Guerra Mundial e se espalhou por todo o mundo, tornando-se o estilo arquitetônico dominante até os anos 70”.
O estilo internacional surgiu do incômodo de alguns arquitetos com o estilo eclético e as possibilidades trazidas pela industrialização e as inovações técnicas, sendo batizado na primeira Exposição de Arquitetura Moderna no MOMA, em Nova York nos idos de 1932, quando o mundo se recuperava da quebra da bolsa de NY.
Esse estilo arquitetônico valoriza o abstrato, o geométrico e o minimalismo. Surge aí o pressuposto de que o “menos é mais”, prezando pela clarezas, leveza nas formas e parcimônia na utilização dos adornos. Com isso, a perfeição técnica tornou-se cada vez mais valorizada. Os espaços são amplos e fluídos tanto na área interna quanto externa das edificações. Essa produção dos arquitetos modernistas podia facilmente se adaptar às necessidades de todos os países, daí o caráter internacional do movimento.
Na ficção de Parasita, foi o arquiteto Namgoong Hyeonja quem projetou e residiu na casa antes dos Park se mudarem para o imóvel, o que além de ser um sinal para que o espectador possua um olhar mais atento para o detalhes da casa, é uma forma sutil de demonstrar o elevado poder aquisitivo da família ocupante da casa. O que na verdade parece ser uma mansão é, na realidade, uma construção simplificada, feita em quatro sets diferentes editados na pós-produção do filme, criando a ilusão virtual de ser algo único e que foi projetado por Lee Ha Jun.
Os móveis, inclusive as mesas, cadeiras e a iluminação foram feitos sob medida pelo carpinteiro Bahk Jong Sun. A mesa de centro, onde a família Kim se esconde, foi construída com madeira de cerejeira e necessitava de algumas especificidades para garantir que o móvel funcionasse numa cena programada. A direção de arte e a equipe de produção se deitavam no chão, com frequência, para fazer simulações.dessa cena.
A mesa custou U$19,800, cerca de R$ 100 mil; já a mesa de jantar vale U$22,300 e cada cadeira U$2,100 e a luminária de latão é avaliada em U$14,000. Duas das obras de arte custaram U$120,000 (Maya 2078 por SeungMo Park) e U$50,000 (umas das pintura que retrata gatos). Até a lata de lixo, que veio da Alemanha, custou U$2,300 para a produção do filme.
Render- A residencia da família Park
Sala de estar e fachada principal
Conclusão
Ganhador de quatro Óscares — melhor filme, melhor roteiro, melhor direção e de melhor filme estrangeiro, além de outros prêmios internacionais, — Parasita revela uma releitura da luta de classes num país oriental que saiu de uma guerra sangrenta e ainda sem um acordo definitivo de paz.
O filme mostra ainda os efeitos da urbanização acelerada e as precárias condições da família de Kim, desempregada, vivendo em um porão sujo e apertado, em condições sub-humanas, mas um golpe do acaso faz com que ele comece a dar aulas de inglês a uma garota de família rica, o que abre perspectivas de uma possível ascensão social, o que envolve um jogo de segredos e mentiras que custam caro a todos, porque num mundo onde não existe almoço grátis, a mobilidade de indivíduos ou famílias entre as diferentes classes sociais é, um sonho difícil e praticamente impossível.(Lara Torres - aluna do terceiro semestre de arquitetura)
Fontes Parasita — Direção> Bong Joon Ho (2019)

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