domingo, 16 de abril de 2023

A rota da seda ou uma senda entre a liberdade e o crime ?

Apresentado como produto de pesquisas jornalísticas e de loucos devaneios da ficção, o filme Silk Road: Mercado Clandestino, dirigido e roteirizado por Titler Russell, de Night Stalker, tenta reconstituir a trajetória Ross Ulbricht (Nick Robinson), um filósofo na casa dos vinte e poucos anos, que constrói o site Silk Road (Rota da Seda), com o objetivo inicial de contestar os poderosos que representavam o sistema (establishment) e recuperar a liberdade perdida pelos cidadãos. No site que operava na dark web no período de 2011 a 2013, ele abre perspectivas para intermediação do comércio de drogas as mais diversas, impondo apenas restrições ética para a atuação de pedófilos e assassinos de aluguel. Para Ulbricht, o estado não pode legislar sobre o que as pessoas podem ou não fazer, seria uma espécie de garantia para os direitos fundamentais propostos na primeira emenda da Carta Magna dos Estados Unidos, que pressupõe a liberdade de culto, de expressão e livre associação pacíficas. Estes direitos básicos são uma cláusula pétrea e não podem ser alterados nem mesmo pelo Congresso Americano. Enquanto amealha uma verdadeira fortuna de milhões de dólares e conquista parcelas do mercado intermediando inclusive o comércio de drogas, Ulbricht acaba se deparando com Rick Bowden (Jadson Clarke), um policial veterano, transferindo para a geladeira da Divisão de Crimes Cibernétcos de Los Angeles, o qual sem muita relação com a tecnologia digital, vai as ruas em busca de informações através de seus informantes e acaba descobrindo sobre uma espécie de Amazon – a maior rede de varejo comercial da Internet e que opera em escala global - para as drogas. Silk Road opera com um sistema de transações criptografadas, que funciona como uma espécie de capa de invisibilidade digital das suas operações e usando como moeda bitcoins. Desinformado sobre como funciona a internet, Bowden pede a um informante que lhe ensine a comprar drogas através do Youtube, Este lhe aponta o Silk Road, que funciona na web profunda, abrindo uma rota para a sua investigação particular. O filme mistura a vida do policial e sua família e também do hacker lançador do empreendimento digital/criminal. Ross Ulbricht é filho de uma família de classe média alta. Ele negocia drogas pela rede mundial de computadores e diz que usa a internet como instrumento político e de libertação. Como empreendedor, a sua preocupação maior era com a satisfação do cliente. O empresário/traficante avalia e atualiza permanente o sistema operacional do site e o divulga através de fóruns de bate papo (chats). Em função da popularização do Silk Road, ele acaba concedendo uma entrevista a um jornalista – o que na vida real abriu as investigações pelo FBI em parceria com policiais de diversos estados americanos –, onde diz que apesar de comercializar drogas, o site não tem espaço para pedófilos e assassinos, além de fazer apologia do crescimento dos negócios, da qualidade dos produtos e garantia de entrega para os usuários. Já o detetive acaba convocado para ajudar a força tarefa do FBI que investiga a Silk Road. Como ele não tem noções sobre tecnologia da informação e acredita nos métodos tradicionais de investigação analógica, o chefe da operação lhe recomenda que “quando a gente pegar ele, me mande um fax”. Ao se infiltrar na deep web, Bowlder faz contato com o jovem empresário dizendo que quando ele viesse a Los Angeles o avisasse, pois, lhe apresentaria ao tráfico de verdade e ao movimento das ruas. O empresário e distribuidor de drogas que comercializa crack, maconha, anfetamina, anabolizantes, opiáceos e outros produtos justifica para o policial que a compra de drogas no seu site é melhor e mais seguro do que o comércio das ruas, “esta é a minha comunidade e eu me preocupo com ela”, argumenta, Usando seus métodos poucos convencionais como um policial experimentado no combate ao trafico de drogas, o detetive chega a Curtis (Paul Walter Houser), um nerd, que opera os controles da Silk Road. Ao ser interrogado, ele admite que o site funciona como uma empresa global, que cresce de hora a hora e diz : “eu sou o cara que tem acesso à conta de garantia”. Curtis também faz saques de bitcoins na conta da empresa e transferiu os recursos para o policial, que os utiliza para pagar contas da própria família e educação da filha. Se apresentando na rede como Nob, o detetive também entra em contato com Ulbricht preocupado com o desaparecimento de Curtis, a quem manda interrogar e espancar pensando estar tratando com um traficante da pesada. Em seguida, ele determina a Nob que liquide o ex-empregado, que é fotografado com a boca cheia de macarrão e com os olhos fechados como se estivesse morto. As provas da encomenda do crime foram usadas no processo que resultou na condenação do empresário/traficante a duas prisões perpetuas no final do julgamento do processo. Como o cerco do FBI aperta com a identificação do IP do computador de Ulbricht, Bowden lhe ordena para que apague as conversas que tiveram na rede de computadores. Preso, o empresário/traficante lembra que construiu um site onde as pessoas podiam comprar e vender qualquer coisa que quisessem, “fiz isso por considerar a busca pela liberdade o empreendimento mais nobre, mas sabia que estado tentaria impedir”. O detetive também é preso e condenado a seis anos e meio de prisão pelo desvio de recursos do empreendimento criminoso para sua conta pessoal e admite no final, que a vida nem sempre é em preto e branco, até porque as coisas são sempre complicadas, afinal há sempre o bem e o mal e cada um tem de fazer uma escolha. Já Ross Ulbricht descobre, no final das contas, o peso e os rigores da lei, e, alegando que quando você dá liberdade para s pessoas, elas não sabem o que fazer com ela, pediu ao juiz um pouco de clemência para a sua velhice tentando vislumbrar uma chance futura de liberdade. Ele foi condenado a prisão perpétua em 2015, sem chances de condicional(KLEBER TORRES) Ficha técnica: Título : Silk Road / Silk Road : mercado clandestino Direção e Roteiro : Titler Russel Elenco : Jadson Clarke, Nick Robinson, Katie Aselton. Jimi Simpson, Daniel davdison Stewart, Darrel Britt-Gibson, Lexie Rabe, Will Ropp, Paul Walter Hauser, Alexandra Ship e Jennifer Yun Direção fotografia : Peter Flinckenberg Edição : Greg O’Bryant Música : Mondo Boys Gênero : Drama, Suspense, Policial 116 minutos 2021

Cry Macho não tem choro, mas uma reflexão sobre a vida, a velhice e o mundo dos cowboys

Decididamente Cry Macho: o caminho da redenção (2021) não é o melhor filme de Clint Eastwood – ganhador de quatro Oscars e autor de filmes antológicos como Imperdoáveis, Menina de Ouro, Sobre Meninos e Lobos, Cartas de Iwo Jima e J.Edgard (Hoover), mas é sem duvida o mais humano, dirigido com competência por um homem aos 91 anos e que também é o personagem central da trama, o cowboy Mike Millo (Clint Eastwood). Certa vez, dialogando com um amigo, ele confessou que o segredo da sua vitalidade era não deixar o velho entrar no seu dia a dia, o que é um exemplo para todos nós. O filme revela a história de um cowboy decadente, ganhador de cinco prêmios nacionais em rodeios, que é envelhece e é também vítima de circunstâncias adversas da própria via como um acidente que matou a mulher e o filho, acelerando a própria decadência agravada pela bebida e até mesmo pelo vício em drogas. Em Cry Macho, o cowboy que tem como missão resgatar um adolescente rebelde Rafo (Eduardo Mineti), que vive em companhia de uma mãe alcoólatra no México a pedido do seu pai Howard Polk(Dwigth Yoakam), um rancheiro texano, que vive nos Estados Unidos, iniciando uma série de incidentes e perseguições. Tudo começa quando Howard Polk demite o cowboy campeão e que cuidava dos seus cavalos, dizendo que ele estava velho e atrasado para esvaziar a sua sala. Como resposta, Mike Milo responde: “eu sempre achei você um homem fraco, pequeno e covarde, mas sabe não vou não vou querer ser grosseiro você”. Um ano depois, esse mesmo patrão o procura em sua casa e pede para que ele resgate seus filho que está com a mãe no México. Mas não revela que por trás da disputa, também estão os bens do casal, que ficaram em parte em poder da ex-mulher. O cowboy vai até a casa de Leta (Fernanda Urrejola) e ela lhe conta que a sua missão é quase impossível. O primeiro enviado está mofando na cadeia e o segundo, simplesmente foi embora e desistiu da missão. A mulher recomenda a Mike que o melhor a fazer seria partir e esquecer, até porque o filho de uma família disfuncional como o seu “é um animal que vive na sarjeta, participando de brigas de galo.” Com esta informação o cowboy procura e acaba encontrando o adolescente numa rinha esvaziada depois de uma blitz da polícia no local. Mike explica a Rafo que foi mandado pelo pai para levá-lo para os Estados Unidos, onde o mesmo tem um rancho no Texas. O menino tem um galo, o Cry Macho, que dá nome ao filme sem nenhuma metáfora e o acompanha por todos os lugares, sendo em paralelo um personagem não humano importante na história, atacando pessoas que tentam qualquer coisa contra o jovem e participando das sequências de tensão e violência. Já a mãe, ao ser informada por Mike de que havia encontrado o adolescente para levá-lo aos Estados Unidos, ameaça chamar os federais denunciando que o filho foi sequestrado e lhe deu um prazo de cinco minutos para que o cowboy deixasse o filho e país, o que deflagraria uma série de perseguições e fugas da dupla, que acaba se escondendo por um período no interior do México até chegar à fronteira americana. O filme faz referências ao mito do cowboy, conhecido pela coragem, lealdade, companheirismo, capacidade de luta, autossuficiência, resiliência, gentileza com as mulheres e até mesmo no trato humanizado para com os animais. Há também embutida na história uma crítica explicita ao machismo e à misoginia. Outra referência é quando o adolescente pede para usar o chapéu do vaqueiro e ele não o oferece alegando que ele ainda não era um cowboy. Numa discussão banal entre os dois, Rafo alerta que “você fica muito irado e isso não é bom para uma pessoa de sua idade”. Num bar, o menino pede uma tequila e é impedido de beber pelo cowboy, mas quando os dois saem um homem tenta sequestrar o garoto no estacionamento, mas é impedido por uma intervenção do cowboy e do galo, mas quando um grupo de mexicanos vem em socorro do agressor, o menino revela ao grupo que ele é que estava sendo sequestrado. Os dois fogem e novamente são perseguidos por federais e depois têm até a pick-up roubada por ladrões, acabando numa pequena cidade mexicana onde conseguem um outro veículo e daí chegando no restaurante de Marta numa vila distante, que os atendeu e fechou o estabelecimento ao estranhar a presença dos federais na localidade e que estavam na captura dos dois fugitivos. Ele não só remunera Marta pelas refeições, como faz comida em sua casa, lembrando que “eu vim aqui para trazer coisas e não tirar a comida de ninguém”. Enquanto está na pequena cidade, ele ensina a Rafo a ser cowboy, a domar e montar cavalos selvagens. Também é procurado pelos moradores da comunidade para tratar de porcos, patos, gatos e cachorros. No caso do animal da mulher do subdelegado que o procurou, ele contou: ”trato dos animais, mas não sei como curar a velhice, mas o que seu animal precisa é repouso e ele pode dormir no pé da cama de vocês”. Mike conta para Rafo que a sua mulher morreu em um acidente e que daí, ele surtou, bebeu demais, ficou sem rumo na vida e o seu pai o salvou lhe dando um trabalho e devolvendo a sua vida e “você é minha retribuição”. Como num filme de ação, os dois são perseguidos também por policiais corruptos, em busca de drogas no carro em que viajavam e há um relacionamento afetiva entre Mike e Marta. Para Rafo, que critica Mike Milo pela idade em diversas partes do filme, ele já foi bom, diz referindo-se à velhice do personagem, mas “agora é fraco, não é nada”, ao que o cowboy responde: “eu costumava ser muita coisa, e agora, não sou. Esta coisa de macho é relativa.“ Cry Macho é uma reflexão profunda de um cineasta experiente a partir de um romance de N.Richard Nash. Também nos deixa um ensinamento afinal, todos têm de fazer uma escolha na vida e isso implica até a opção de redescobrir o amor na velhice que parece precedente à morte. (Kleber Torres) Ficha técnica : Título : Cry Macho / Cry Macho: o caminho da redenção Direção: Clint Eastwood Roteiro: Nick Schenk e N. Richard Nash Elenco: Clint Eastwood, Eduardo Minett, Dwight Yoakam, Fernanda Urrejola e Natália Traven Fotografia: Don Davis Editor : Joel e David Cox Gênero : Drama Estados Unidos 104 minutos 2021

domingo, 9 de abril de 2023

A ascensão e queda de um 'tycoon' do automobilismo

O documentário John DeLorean: Visionário ou Vigarista? (2019), de Don Argott e Sheena M. Joyce, conta a história do executivo, empresário, inventor e engenheiro automobilístico, o tycoon John Zachary DeLorean (Alec Baldwin), fundador da DeLorean Motor Company (DMC), com passagens na Chrysler, Packard e General Motor, onde desenvolveu o projeto do Pontiac GTO e que teve uma carreira meteórica, mas, se tivesse feito tudo certo e não comprasse brigas com outros dirigentes teria chegado à presidência da empresa. O documentário revela as múltiplas facetas do homem considerado por muitos um visionário que revolucionou a indústria automobilística e, por outros, um grande vigarista que desviou US$ 17 milhões de investidores da sua empresa a DMC e chegou a ser preso o processado pelo envolvimento na compra de 90 quilos de cocaína, numa trama que envolveu um traficante, um falso banqueiro, informantes e agentes do FBI. O filme revela sua ascensão e queda de um executivo de sucesso em meio ao envolvimento em escândalos, drogas, dinheiro, sexo e jogos de poder. A obra reúne imagens de filmes, reportagens, projetos, além de depoimentos de amigos, técnicos do setor automotivo, advogados, policiais, amigos e filhos de DeLorean, que morreu aos 80 anos, em 19 de março de 2005, casado com Sally Baldwin. Aos 40 anos, como uma estrela em ascensão no jet set do automobilismo mundial, ele emergia como um executivo criativo e empenhado em resultados. O executivo também era vaidoso, fez cirurgias plásticas, praticava musculação e levantamento de peso, andava de colarinho aberto e sem gravata. Em paralelo, separa-se da sua primeira mulher, Elizabt Higgins, para casar-se com uma modelo de apenas 19 anos Cristina Ferrari (Morena Baccarin). Como executivo, ele também percebeu tendências no mercado com os concorrentes importando carros menores e com maior eficiência energética, ou seja, menor consumo de combustível. Mas na GM ele criou uma série de arestas, tendo um discurso vazado para a imprensa de forma proposital com critica a outros executivos e à qualidade dos produtos da empresa, o que desagradou aos superiores hierárquicos. A demissão inevitável ocorreu em 1975 e ele fundou a DMC, com uma ideia na cabeça: fabricar um veículo esportivo contemporâneo, exótico, de aço inoxidável e vendido em massa numa escala global, uma espécie de carro dos sonhos, com design avançado inclusive na abertura de portas e um alto padrão de qualidade. Para a construção do DMC 12, ele contratou Bill Collins (Josh Charles), a quem considerava o melhor engenheiro automotivo e decidiu implantar a fábrica em Belfast, na Irlanda, que enfrentava conflitos constantes entre católicos e protestantes, com uma taxa de desemprego de mais de 40%. O projeto levava em conta incentivos fiscais oferecidos pelo governo inglês, além de recursos captados dos acionistas. Em dois anos, além da implantação da unidade industrial, a empresa começou a produzir chegando a fabricar mais de 35 mil carros. As dificuldades começaram a se acumular nos início dos anos 80, quando os carros apresentavam problemas técnicos que provocaram seu encalhe nas distribuidoras e nos estacionamentos dos portos, porque as portas não fechavam direito, além de problemas na lataria e mesmo em termos de desempenho. Os problemas da economia mundial também se refletiam no desempenho da empresa, que também foi afetada com a posse de Margareth Thatcher, que ao contrario dos seus antecessores trabalhistas era mais rígida na concessão de subsídios e cortou US$ 75 milhões de incentivos fiscais pleiteados pela DMC. Em seu depoimento o filho do empresário, Zachary DeLorean, que hoje vive num apartamento pequeno e modesto, fala sobre a sua relação de amor e de ódio em relação com o carro que foi a causa dos problemas econômicos e desestruturação da família. Já a ex-mulher, Cristina Ferrari, que se separou dele após o processo por tráfico de drogas e que revelou ter visto o empresário falsificar documentos para o desvio dos recursos da empresa e que poderia assegurar o seu capital de giro no momento de crise, considerava no tempo das vagas gordas, que havia se casado com um príncipe encantado como declarou numa entrevista a uma emissora de televisão. A filha Kathryn também falou das lembranças da infância e da relação do carro com a história da família. Ela chegou a montar um painel cronológico com fotos e manchetes da ascensão e da queda do pai com a DMC. A vida da família mudou de ponta a cabeça em 19 de outubro de 1982, quando um telefonema recebido pelo Cristina Ferrari dava conta da prisão de John De Lorean, num hotel em Los Angeles, através de um flagrante armado pelo informante do FBI James Hoffman (Michael Ripoli), que o acusava de envolvimento com o traficante William Hetrick, num negócio envolvendo 90 quilos de cocaína. A trama teve ainda a participação do Banco Eureka e DeLorean passou dez dias preso, mas acabou sendo julgado como inocente em 1984. A sua imagem ficou arranhada em função do incidente com o tráfico de drogas e pela falência da empresa DMC. Da prisão também reverberou na mídia o comentário gravado pelos agentes do FBI no momento da comemoração da transação de venda da cocaína para o empresário, quando DeLorean comentou: “é melhor do que ouro, e pesa mais que isso.” No dia do julgamento, quatro anos depois, ele se mostrou preocupado com a cor da gravata para aparecer nas revistas que o fotografassem e declarou a um jornalista que o questionou sobre a expectativa do julgamento: “Está tudo nas mãos de deus!” Mas o inferno astral não acabou aí. Antes de deixar a empresa DMC, o projetista Bill Collins já havia alertado John DeLorean sobre despesas em duplicidade com o projeto do veículo ainda na pracheta, assunto que ele desconversou. Em 1982, o DMC saiu de linha, mas entrou para a história do automobilismo através da triologia De Volta para o Futuro (Back to the Future) e DeLorean enviou uma carta ao produtor Bob Gale agradecendo o uso do seu carro no filme. Ele também foi acusado pelo desvio de recursos da ordem de US$ 17 milhões para uma empresa fantasma criada por ele e um sócio ligado à Formula I. No julgamento do caso das drogas, DeLorean se disse vitima do sistema e de uma drama desmascarada pelos seus advogados. Já no caso do desvio do dinheiro dos acionistas da DMC, ele juntou uma série da provas sobre empréstimos irregulares e que esmagou os sonhos de investidores que aplicaram de boa fé seus recursos no empreendimento. Em sínteses, o documentário revela as múltiplas facetas de um a executivo polêmico, que foi bom pai, durante a infância e adolescência dos filhos, mas que acima do bem e do mal machucou pessoas, roubou e legou uma história de vida, bem como o projeto de um carro avançado para o seu tempo, que era único e com um design futurista. Ele viveu modestamente os seus últimos anos de vida morando num apartamento de um quarto e com sonhos de fazer uma DMC 2, mas os planos do novo carro e nem da recuperação da indústria não se concretizaram. (Kleber Torres) Ficha técnica Título : Framing John DeLorean / John DeLorean : visionário ou vigarista Diretor : Don Argott / Sheena M. Joyce Roteiro : Dan Greeney / Alexandra Orlon Elenco : Alec Balwin, Morena Baccarin, Josh Charles, Dean Winters, Michael Ripoli, Jason Jones, Dana Ashbrook e Joe Cooke Fotografia : Don Argott e Matthew Santo Montagem : Demian Fenton Música : Brooke e William Blair Gênero : documentário Colorido 2019 109 minutos Estados Unidos

domingo, 2 de abril de 2023

Matrix e as opções no inevitável confronto real ou virtual entre homens e máquinas

Enquanto as máquinas derrotadas após o combate inicial de Matrix estão preparando uma grande ofensiva mobilizando um exército de 250 mil robôs contra Zion (uma referência metafórica ao Sião, uma fortaleza próxima de Jerusalém conquistada por Davi, que havia derrotado ao gigante Golias) e podem alcançá-la em alguns dias, Neo/Thomas A. Anderson (Keanu Reeves) continua vivendo na nau espacial Nabucodonosor (que tem o nome do rei da Babilônia, o qual libertou a Assiria e foi o construtor dos lendários Jardins Suspensos da Babilônia), que opera como um dos centros de resistência a um governo opressor num mundo distópico. Na nave, Neo convive no mundo real lado de Morpheus (Laurence Fishburne), Trinity (Carrie-Anne Moss) e Link (Harold Parrineau), um novo e misterioso tripulante incorporado ao grupo da resistência. Esta é em síntese a sinopse de Matrix Reload(2003), segundo filme da exitosa série Matrix, com direção e roteiro das irmãs Lili e Lana Wachowski e que resultou em filmes, livros, gibis e jogos de ação ambientados na ficção científica ampliado pelas fronteiras fluídas da invenção e da cultura pop. Em função da ameaça de uma invasão Iminente de Zion, a Nabucodonosor é ordenada pelo Oráculo a voltar para proteger a cidade, onde, além de integrar o sistema de defesa, sua tripulação participará de uma reunião que definirá as estratégias de luta para salvar a humanidade de uma possível extinção. No retorno, Neo, que considera que há tanta coisa no que não compreende, entra em contato com o Conselheiro Humano (Anthony Zerbe) depois de recebido como herói pela população de Zion. Os dois discutem sobre como seria o controle do sistema cujo acesso só era possível através de entradas indiretas aos programadores e hackers. Também ficou evidenciado no diálogo, que a função do conselheiro seria, teoricamente, a de proteger aquilo que é mais importante para a segurança do próprio sistema. Neo acredita, na sua concepção, que o próprio Oráculo a quem também consultava seria um programa oriundo do mundo das máquinas e que, mesmo assim, ainda seria confiável para ele. O Oráculo deixa a opção para escolha do próprio Neo, fazendo prevalecer o livre arbítrio, mas, lembrando que ele está ali para fazer o que tem de ser feito, com olhos voltados para o futuro, uma vez que existem programas funcionando por toda a parte, às vezes invisíveis, mas fazendo sempre aquilo para o qual foram criados e até hackeando outros programas num grande rede de proporções infinitas. Assim, o Oráculo recomenda a Neo que vá ao coração da máquina central – mainframe e influa na sua operação: “até porque você está olhando para um mundo atemporal. Você terá de fazer a escolha, até porque você é o escolhido e vai evitar que Zion sucumba”. Ele orienta que Neo precisa encontrar o Chaveiro, o homem que poderá abrir todos os caminhos para acesso ao coração do sistema e que é mantido prisioneiro pelo Merovingio(Lambert Wilson), cujo nome se associa historicamente no mundo real a uma dinastia franca que governou a Gália, onde hoje estão localizadas a Bélgica e a Franca e sua mulher, a bela Persephone (Mônica Bellucci). O vate também revela que em essência os homens querem o poder e buscam sempre cada vez mais poder, numa espécie de escalada crescente. Após a consulta com o Oráculo, ele é abordado pelo Agente Smith (Hugo Weaving), perguntando se senhor Anderson/Neo havia recebido a encomenda e complementa: “o que aconteceu, aconteceu por uma razão. Eu o matei, senhor Anderson e o senhor me destruiu”. Os dois também discutem sobre a questão da liberdade e da sua essência, uma questão humana, bem como a finalidade para o qual foram criados. O próprio Neo acaba enfrentando numa sequência de luta com técnicas aperfeiçoadas de kung fu e recheada de efeitos especiais, uma multiplicidade de agentes Smiths, que se sucedem infinitamente e se definem simplesmente como: “eu,..eu,....eu,...e eu também”. O que leva a Trinity a recomendar a Neo que saia dali da Matrix para não morrer novamente e retornar à segurança real na .Nabucodonosor. Em seguida, liderados por Morpheus, Neo e Trinity vão até os domínios do Merovíngio, que mantem cativo o Chaveiro (Randal Duk kim), num encontro virtual. O interlocutor fala francês, que considera o idioma ideal para xingar e se define um traficante de informações. Para ele, existe uma única verdade, que provoca a reação e o efeito, o que se relaciona com os próprios algoritmos de um computador onde cada linha do programa tem um novo efeito inclusive através de loops. Para o Merovingio, a verdade é que estamos fora do controle, mas, de alguma forma, somos todos vítimas da casualidade num mundo de acasos: “Tomei vinho demais, causa; tenho de urinar, efeito. Há sempre uma causa e um efeito,” concluiu, Para libertar o Chaveiro. Persefone trai o marido que lhe é infiel com outras mulheres, mas cobra um beijo de Neo e diz referindo-se a Trinity que a inveja pelo seu amor, “mas uma coisa assim não é para durar”, diz referindo-se à temporalidade da vida humana. Após a libertação do Chaveiro há uma reação violenta do sistema em Matrix e Neo acaba atacado e metralhado, mas apara as balas como se tivesse um escudo protetor invisível, o que repete uma sequencia do filme anterior Matrix (1999). Ele também luta contra os prepostos do sistema que tentam evitar e impedir a fuga. O Merovíngio conta que sobreviveu aos seus antecessores e vai sobrevier ainda mais, enquanto Morpheus, Trinity e o Chaveiro escapam de um atentado e são perseguidos pela polícia e pelo sistema de segurança de Matrix. Na fuga, o Chaveiro é o alvo principal da perseguição que envolve policiais, agentes do governo e dois homens de capas claras, os gêmeos virtuais, que acrescentam mais um ingrediente de violência em dobro ao roteiro. Bandidos e mocinhos usam diversos carros, caminhões e motos Ducati de alta potencia, mas mesmo assim, o Chaveiro consegue levar Neo a um prédio que tem um andar especial, o 65º, sem acesso de elevadores ou escadas, o qual funciona como centro do sistema e com uma estação de força própria, que lhe garante o suprimento de energia para as máquinas sem acessibilidade aos humanos. O homem diz que o acesso ao sistema só será possível através do escolhido, que seria a única pessoa capaz de abrir a porta de acesso ao sistema num corredor imenso, cheio de entradas e muito iluminado. Sincronizando as ações, Morpheus programa ataque para meia noite e lembra ao grupo que nada acontece ao acaso. Já o agente Smith volta a atividade insana de perseguição a Neo, a quem diz num diálogo rápido: “sempre estou a sua espera, senhor Anderson”, como se antecipasse as suas ações e fazendo aparecer simultaneamente na tela seus muitos eus, os quais se multiplicam no enfrentamento do seu antagonista sem sequências ajustadas pelo computador. Neste interim, o Chaveiro aponta a porta que os levará para casa. Neo a abre e então tudo se ilumina, ele entra e encontra sentado numa poltrona cercada por telas de computadores ao Arquiteto (Helmut Bakaitin), o criador de Matrix. O homem tem ao seu redor milhares de telas com imagens de Neo, a quem explica os fundamentos de Matrix, destacando que a vida é um salto de uma programação virtual assimétrica: “ Matrix tem mais tempo que você imagina e hoje, já estamos na sexta versão, com as correções de anomalias sistêmicas”, o que indica o seu contínuo aprimoramento. Neo acredita que a saída para o dilema está na escolha acertada e o arquiteto lhe explica que “você está aqui porque Zion será destruída e a função escolhida retornará á fonte”. Ele destaca ainda, que o novo projeto de Matrix em andamento será retomado com a seleção de 23 indivíduos sobreviventes, 16 mulheres e sete homens que serão utilizados para a reconstrução e repovoamento de Zion, mas em compensação, uma falha qualquer geraria a extinção da raça humana. O arquiteto diz ainda que Neo/Anderson não estaria preparado para aceitar a morte das pessoas e lhe ensina que existem duas portas: uma que seria a de salvação de Zion e outra para Matrix, lembrando que a esperança é a essência da ilusão humana, mas sendo simultaneamente a causa da maior força e da maior fraqueza do homem como ser transitório e passageiro no mundo real e finito. Nesse mesmo tempo, em outra sequência em paralelo, Trinity enfrenta agentes do governo e acaba mortalmente ferida em Matrix, onde penetrou desobedecendo uma ordem de Neo que lhe havia pedido para que ela se mantivesse desplugada na nave Nabucodonosor, evitando riscos desnecessários à sua segurança. Ao vê-la ferida mortalmente, Neo tenta salvá-la virtualmente em Matriux, extraindo a bala com as mãos e sussurrando ao seu ouvido que “não posso deixar vc morrer, porque te amo demais”. E Trinity revive. Mesmo salvado a sua amada, Neo tem outro problema a resolver, até porque ele sabe que se nada de concreto for feito, a cidadela de Zion será destruída em 24horas pelo exército de máquinas. Então, uma bomba explode na Nabucodonosor, indicando que as maquinas estão chegando e obrigando a Neo a agir para tentar contê-las. No final da batalha cinco naus com seres humanos foram destruídas e há um sobrevivente, que seria possivelmente o Link, o qual transita entre o mundo real e o universo virtual de Matrix, o que garante a continuidade da luta e de uma historia que fala do amor, da vida, da solidariedade, da morte e da existência de um mundo paralelo, inteiramente virtual se impondo muito acima do real. A ameaça se reforça agora, na terceira década do século XXI, com as preocupações éticas e morais sobre o avanço tecnológico e da inteligência artificial, o que para alguns representa uma ameaça à sobrevivência do homem e à sua integridade. O filme mostra que saga continua com novos desdobramentos e se Matrix (1999) inclui referências filosóficas, politicas e culturais, as questões míticas são ampliadas nos diálogos e sequências de Reloaded(2003), conferindo a Neo uma dimensão cada vez mais messiânica. Ele emerge neste cenário como possível salvador da humanidade ou do que resta dela num mundo cada vez mais tecnologicizado e mecânico, contando com a ajuda do Oráculo, do Conselheiro Humano e do Chaveiro, que o conduz ao coração do mainframe do sistema com as suas multiplicidades e paradoxos a ele relacionados, isso num mundo distópico governado por máquinas. Na construção da série e seus desdobramentos, as cineastas Lana e Lili Wachosi projetam Zion de certa forma como a antítese do paraíso. Elas revelam uma cidade subterrânea, o que coloca o espectador diante da Caverna de Platão ou do Hades retratado por Dante, na Divina Comédia, como substrato das imagens de um mundo inferior, ameaçado por máquinas e androides. Zion emerge também como uma esperança e centro de resistência num mundo distópico, em que os seres humanos enfrentam um sistema opressor operado por máquinas sem sentimentos, mas com chances de vitória através do amor, do conhecimento e da capacidade de luta. O desenvolvimento da trama nas duas versões de Matrix também faz com que Neo reflita sobre a sua condição humana e virtual, bem como sobre as ações no confronto entre o mundo real do Thomas A. Anderson, um simples programador de computador e do hacker, que passa a questionar até mesmo a dimensão da sua existência física ou digital, e mesmo quanto ao alcance das suas ações como o escolhido e um predestinado pelo Oráculo ou como ser meramente mortal, finito. Mas qual função que cabe ao espectador neste processo diante da acelerada revolução dos recursos e da tecnologia digital, que chega ao 5G, ao ChatGPT e tudo o mais?(Kleber Torres) . Ficha técnica: Título : Matrix Reloaded Direção e roteiro: Lana e Lili Wachowski Elenco : Keanu Reeves, Laurence Fishburne, Carrie-Anne Moss, Hugo Weaving, Jada Pinkett Smith, Gloria Foster, Harold Parrineau, Monica Belucci, Henri J.Lennix, Lambert Wilson, Randal Duk Kim, Anthony Zerbe. Helmut Bakaitis, Neil Rayment e Adrian Rayment. Direção de fotografia : Bill Pope Efeitos especiais : John Gaeta Coreografo de luta : Yuen Woo-Ping Música : Don Davis Gênero : Ação, ficção científica e suspense Estados Unidos/Austrália 138 minutos 2003