sábado, 16 de janeiro de 2016

A violência da Laranja Mecânica












 A violência sem limites envolvendo questões como a delinquência juvenil, gangues de rua e o poder do estado, com os seus problemas econômicos, sociais e políticos numa sociedade futurista, mas atuando através seus instrumentos de controle e repressão totalitários estão no cerne de Laranja Mecânica (Clockwork Orange),  um filme anglo-americano de 1971, escrito, produzido e dirigido pelo perfeccionista Stanley Kubrick, adaptado do romance distópico de Anthony Burgess, com o mesmo nome e publicado uma década antes. O filme também utiliza imagens violentas e perturbadoras  relacionadas com experiências comportamentalistas (behavioristas) e à lavagem cerebral.
Laranja Mecânica mostra a vida do sociopata Alex DeLarge, interpretado por Malcolm McDowell), como líder  carismático de uma quadrilha de delinqüentes juvenis, que não trabalha, mas tem entre as suas preferências ouvir música clássica, praticando em profusão os roubos, o estupro e violência pela violência, com o uso de um taco de beisebol ou da sua inseparável bengala. A gang é integrada por Pete (Michael Tarn), Georgie (James Marcus) e Dim (Warren Clarke) a quem ele chama de drugues como  resultado da fusão da palavra russa друг, que é equivalente a amigo, brother ou camarada.
A história começa mostrando uma sequência de crimes hediondos praticados pela quadrilha de Alex em uma Londres futurista e sombria. Os quatro amigos depois de se intoxicarem com "leite-com" (leite com drogas), se envolvem em mais uma noite de violência pela violência, ora espancando um sem-teto idoso ou depois brigando com uma gangue rival liderada por Billyboy.
Depois, o grupo rouba um carro, e vai até a  casa do escritor Frank Alexander (Patrick Magee), no fim de uma estrada vicinal, a quem agridem com violência deixando-o inválido e para sempre em numa cadeira do rodas. Alex em seguida estupra a sua mulher, que morre algum tempo depois em conseqüência da agressão, enquanto canta Singin' in the Rain, tema musical de Cantando na Chuva, com Genny Kelly.
Alex é depois visitado por seu conselheiro correcional, que o adverte sobre a sua saga de crimes e dos riscos de voltar à prisão. Logo depois, ele vai a uma loja de discos onde encontra duas garotas, Sonietta e Marty,  a quem convida para uma bacanal no apartamento da sua família. À noite, após  um desentendimento com os sócios descontentes com a sua liderança e cobrando uma maior participação na partilha dos crimes, Alex se impõe mais uma vez pela violência e o grupo parte para assaltar uma mansão.
Enquanto seus companheiros permanecem na porta da frente atraindo a atenção da vitima, Alex invade o imóvel por um acesso lateral e mata a mulher com uma estátua fálica, numa cena de apelo sexual e de violência exacerbada. Ao pressentir a chegada  da polícia, Alex ainda tenta fugir, mas um dos parceiros o fere com garrafa de leite jogada no seu rosto, o que o deixa atordoado e sangrando. Ao ser julgado ele foi condenado a 14 anos de prisão.
A história é narrada em Nadsat, um calão que reúne um conjunto de gírias dos adolescentes formadas por corruptelas de idiomas eslavos, em especial do russo, misturado com o  inglês e o cockney, um dialeto dos moradores da zona leste de Londres. Assim, a expressão Clockwork Orange, não implica apenas na tradução literal  Laranja Mecânica, mas de um homem mecânico um robô, uma vez que no Nadsat, orange significa duplamente laranja e homem.
Outro destaque do filme antológico e que concorreu a quatro Oscars em 1972, ficando com o de melhor diretor para Stanley Kubrick e conquistando dois Globos de Ouro do mesmo ano, sendo um para o diretor inglês e o de melhor ator para Malcolm McDowell, fica para a rica  trilha sonora, considerada um dos pontos altos da Laranja Mecânica, reunindo uma ampla seleção de músicas clássicas e composições com sintetizador Moog produzidas por  Wendy Carlos.
Durante o  cumprimento de sua sentença, Alex encontra com o Ministro do Interior vai  à prisão em busca de cobaias para uma terapia experimental visando a reabilitação de criminosos contumazes dentro de duas semanas, através do tratamento não hortodoxo do Ludovico. Na tentativa de reduzir a pena e ganhar as ruas Alex  se candidata a um  processo de lavagem cerebral com o uso de drogas sensibilizantes, enquanto o paciente ficava amarrado em uma cadeira, com os olhos abertos – o equipamento é similar aos usados nas cirurgias oftálmicas-,  assistindo a sessões continuas e intermináveis de cenas de violência em campos de concentração, nos campos de batalha, em revoluções, ou meso através de homicídios e estupros isolados, mas tendo como fundo musicas selecionadas entre as preferidas do paciente.
Ao ser solto após o tratamento Ludovico, ele descobre que seus bens foram confiscados pela polícia para ajudar a pagar a indenização das suas vítimas, e que até seus pais tinham alugado o seu quarto visando melhorar a sua renda familiar. A partir de então  Alex acaba tendo um encontro como todas as suas vitimas, que se aproveitam para uma possível vingança depois de reconhecê-lo formalmente.
Assim, sem teto e sem rumo, ele vagueia pelo campo e chega à casa do escritor Frank Alexander, que não o reconhece e o vê  como uma vitima de um sistema autoritário e como uma arma política para atacar o governo  ao qual se opõe. Ao ouvir Alex cantando no banheiro Singin' in the Rain ele acaba reconhecendo o algoz, de quem se vinga  tocando  Nona Sinfonia de Beethoven. Desesperado com a música que passou a odiar e que ao ouvir se sentia mal, Alex  acaba se jogando pela janela do primeiro andar e acaba ferido, ao ser removido para um hospital do governo, onde recebe um tratamento cinco estrelas, para recuperação das fraturas e sendo submetido a um tratamento de reversão, que o deixa  completamente curado fechando o ciclo dialético do  filme.
Em sua essência, Laranja Mecânica aparece como uma critica social e ao mesmo tempo como um alerta para a questão da violência, seja na sua dimensão institucional ou não, exigindo mecanismos de controle social e uma ação efetiva do estado. A história tem ainda como pano de fundo as disputas entre  conservadores e liberais, que  são iguais quando utilizam as pessoas para os fins meramente políticos, embora nem sempre os meios justifiquem tais ações ou propósitos.
O filme revela ainda ou fato preocupante: a própria imoralidade e a amoralidade de Alex, um personagem acima do bem e do mal, indiferente ao convívio social e à realidade do outro, como  reflexos  de uma sociedade doente e em crise, que aceita  a corrupção, o jeitinho, a impunidade e o uso do próprio sistema com objetivos eleitorais ou demagógicos para preservação do poder e do status quo. O filme, assim como o próprio livro, também é distópico  no seu alerta contra o totalitarismo e as facetas invisíveis de um estado gigantesco e que emerge como um Leviatã hobbesiano. (Kleber Torres)

Ficha técnica
Titulo – Laranja Mecânica / Clokwork Orange
Direção : Stanley Kubric
Música : Wendy Carlos
Elenco: Malcolm McDowell — Alex DeLarge, Patrick Magee — Sr. Alexander,
Warren Clarke — Dim, Adrienne Corri — Sra. Mary Alexander, Miriam Karlin — Mulher-Gato, James Marcus — Georgie, Sheila Raynor — Mãe,  Anthony Sharp — Ministro do Interior, Philip Stone — Pai, Pauline Taylor — a psiquiatra Dra. Taylor, Michael Tarn — Pete, Richard Connaught — Billyboy, Líder de gangue
Ano : 1971

Origem : EUA – Inglaterra

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