Um drama humano sobre isolamento, solidão, perseguição e
exclusão social é a essência do filme polonês Afterimage (Powidoki), o último
dirigido pelo cineasta Andrzej Wajda, que morreu em outubro de 2016. Ele narra
a trágica vida do artista plástico, teórico, pintor, desenhista, pioneiro da vanguarda construtivista e criador
da teoria do Unísmo, Wladyslaw
Strzeminski, considerado um dos mais artistas mais expressivos do século 20 e que acabou seus dias
tuberculoso e faminto, após uma perseguição insana do partido comunista em função
da imposição do realismo socialista como padrão da arte nos países da cortina
de ferro que viviam sob o signo negro do stalinismo.
O filme foi exibido no Toronto International Film
Festival 2016 e chegou a ser selecionado pela Polônia para o Melhor Filme Estrangeiro,
no 89º Oscar, mas não logrou a merecida indicação. A tragédia começa em 1948,
quando Strzemiński trabalhava como um influente professor na Escola de Artes
Visuais, em Lodz. O artista se recusa a renunciar ao abstracionismo e ao
experimentalismo, entrando num confronto direto com os burocratas do regime
stalinista que faziam valer a imposição do realismo socialista no campo das
artes plásticas, da literatura, do cinema, do teatro e da música.
Como consequência, ele acabou destituído demitido da universidade
e seus trabalhos passaram a ser sistematicamente censurados, o que incluiu um
quebra-quebra e depois o literal fechamento
Salão Neoplástico, que funcionava
como um anexo ao Muzeum Sztuki, em Łódź. Wladyslaw Strzeminski também era
monitorado pelos serviços de informações do governo que tentavam cooptar o
artista com propostas para que aderisse aos ditames do realismo socialista
imposto pelo regime.
Como o artista – que era deficiente, perdera uma parte de
um braço e de uma perna na primeira guerra mundial, mas continuava produzindo
em casa, onde era procurado por raros amigos e
por um grupo de alunos, que lhe levavam cigarros e café - mesmo sem emprego e pressionado pelo sistema
continuava resistindo à pressão dos burocratas,
foi lhe negada sua competência até mesmo como pintor de placas, o que
impedia que ele comprasse tinta para os seus quadros e tivesse acesso aos
cartões de racionamento para a compra de alimentos básicos, o que comprometeria
a sua subsistência e acabou resultando na sua morte. Numa das cenas do filme, uma
criteriosa funcionária a serviço da burocracia alegou que no comunismo quem
trabalha não tem direito à comida para justificar o cancelamento do equivalente
ao seu tíquete alimentação.
O próprio título do filme, afterimage tem como referência
a Teoria da Visão, de Wladyslaw Strzeminski, que trabalhava com o conceito da imagem residual que fica na
retina do observador de qualquer objeto e que tem aplicação nas artes
plásticas, até mesmo em termos da cor inexistente teorizada pelo brasileiro
Israel Pedrosa. Strzeminski acreditava que em cada composição – o que envolve
formas e cores -, cada parte tem uma consciência e se integra ao conjunto de
forma integral.
O fato é que na perseguição que lhe foi imposta, até
mesmo um painel sobre colonialismo e que deveria ficar exposto no Café Exótico,
foi destruído por uma comissão de representantes da Associação de Artistas Plásticos
e Designers da Polônia, que o questionaram sobre de que lado estava, ao que o
artista respondeu: “do meu!”.
Como sua casa passou a ser dividida com um soldado
polonês designado pelo partido, sua única filha teve de voltar ao internato do
governo, o Lar das Meninas, destinado a jovens sem referência familiar e sem
teto, que passavam a ser protegidas pelo estado, leia-se o partido, o que fez Wladyslaw
Strzeminski lamentar: “é, ela vai ter uma vida difícil”. Ele também sabia que os jovens sempre são
contra o mundo existente.
Diante das pressões, os amigos foram se afastando,
restando apenas o poeta Julien cujas obras acabavam engavetadas pelos censores,
que as consideravam vagas e fora dos parâmetros do realismo vigente. Também uma
aluna muito mais jovem se diz apaixonada por ele e se propõe a datilografar a
sua obra sobre a Teoria da Visão. Para Strzeminski, que estava reduzido a uma
condição de não pessoa e de paira social, embora os elogios sejam adequados aos
puxa-sacos, não faltam artistas de verdade.
Faminto, o artista acaba desmaiando na neve e acaba
hospitalizado num hospital que não possuía os medicamentos para tratamento de
uma tuberculose avançada. Tudo termina em 26 de dezembro de 1952, com a morte
de um artista que havia sido assassinado em vida. O seu nome persiste na
história da arte como um contemporâneo de Kandinsky e um artista criativo,
apesar da fragmentação da sua obra imposta pelos burocratas comunistas, já os
nomes dos seus algozes acabaram esquecidos e apagados do muro da história, que
esquece os áulicos, os incompetentes e não
tem espaço para os bajuladores ou subalternos de qualquer governo.(Kleber Torres)
Ficha
Técnica
Titulo
:
Afterimage ( Polonês : Powidoki )
Direção :Andrzej
Wajda
Roteiro:
Andrzej Mularczyk
Elenco : Bogusław Linda (Władysław Strzemiński); Aleksandra
Justa (Katarzyna Kobro); Bronislawa Zamachowska (Nika Strzeminska); Zofia
Wichłacz (Hania); Tomasz Włosok (Romano) e Paulina Gałązka (Wasińska)
Música:
Andrzej Panufnik
Lançamento: 3
de março de 2017 (Polônia)
98
minutos
País: Polônia
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