quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

A morte e as muitas mortes anunciadas de Wladyslaw Strzeminski




Um drama humano sobre isolamento, solidão, perseguição e exclusão social é a essência do filme polonês Afterimage (Powidoki), o último dirigido pelo cineasta Andrzej Wajda, que morreu em outubro de 2016. Ele narra a trágica vida do artista plástico, teórico, pintor, desenhista, pioneiro da vanguarda construtivista e criador da teoria do Unísmo,  Wladyslaw Strzeminski, considerado um dos mais artistas mais expressivos  do século 20 e que acabou seus dias tuberculoso e faminto, após uma perseguição insana do partido comunista em função da imposição do realismo socialista como padrão da arte nos países da cortina de ferro que viviam sob o signo negro do stalinismo. 
O filme foi exibido no Toronto International Film Festival 2016 e chegou a ser selecionado pela Polônia para o Melhor Filme Estrangeiro, no 89º Oscar, mas não logrou a merecida indicação. A tragédia começa em 1948, quando Strzemiński trabalhava como um influente professor na Escola de Artes Visuais, em Lodz. O artista se recusa a renunciar ao abstracionismo e ao experimentalismo, entrando num confronto direto com os burocratas do regime stalinista que faziam valer a imposição do realismo socialista no campo das artes plásticas, da literatura, do cinema, do teatro e da música.
Como consequência, ele acabou destituído demitido da universidade e seus trabalhos passaram a ser sistematicamente censurados, o que incluiu um quebra-quebra e depois o literal fechamento  Salão Neoplástico,  que funcionava como um anexo ao Muzeum Sztuki, em Łódź. Wladyslaw Strzeminski também era monitorado pelos serviços de informações do governo que tentavam cooptar o artista com propostas para que aderisse aos ditames do realismo socialista imposto pelo regime.
Como o artista – que era deficiente, perdera uma parte de um braço e de uma perna na primeira guerra mundial, mas continuava produzindo em casa, onde era procurado por raros amigos e  por um grupo de alunos, que lhe levavam cigarros e café -   mesmo sem emprego e pressionado pelo sistema continuava resistindo à pressão dos burocratas,  foi lhe negada sua competência até mesmo como pintor de placas, o que impedia que ele comprasse tinta para os seus quadros e tivesse acesso aos cartões de racionamento para a compra de alimentos básicos, o que comprometeria a sua subsistência e acabou resultando na sua morte. Numa das cenas do filme, uma criteriosa funcionária a serviço da burocracia alegou que no comunismo quem trabalha não tem direito à comida para justificar o cancelamento do equivalente ao seu tíquete alimentação.
O próprio título do filme, afterimage tem como referência a Teoria da Visão, de Wladyslaw Strzeminski, que trabalhava com   o conceito da imagem residual que fica na retina do observador de qualquer objeto e que tem aplicação nas artes plásticas, até mesmo em termos da cor inexistente teorizada pelo brasileiro Israel Pedrosa. Strzeminski acreditava que em cada composição – o que envolve formas e cores -, cada parte tem uma consciência e se integra ao conjunto de forma integral.
O fato é que na perseguição que lhe foi imposta, até mesmo um painel sobre colonialismo e que deveria ficar exposto no Café Exótico, foi destruído por uma comissão de representantes da Associação de Artistas Plásticos e Designers da Polônia, que o questionaram sobre de que lado estava, ao que o artista respondeu: “do meu!”.
Como sua casa passou a ser dividida com um soldado polonês designado pelo partido, sua única filha teve de voltar ao internato do governo, o Lar das Meninas, destinado a jovens sem referência familiar e sem teto, que passavam a ser protegidas pelo estado, leia-se o partido, o que fez Wladyslaw Strzeminski lamentar: “é, ela vai ter uma vida difícil”.  Ele também sabia que os jovens sempre são contra o mundo existente.
Diante das pressões, os amigos foram se afastando, restando apenas o poeta Julien cujas obras acabavam engavetadas pelos censores, que as consideravam vagas e fora dos parâmetros do realismo vigente. Também uma aluna muito mais jovem se diz apaixonada por ele e se propõe a datilografar a sua obra sobre a Teoria da Visão. Para Strzeminski, que estava reduzido a uma condição de não pessoa e de paira social, embora os elogios sejam adequados aos puxa-sacos, não faltam artistas de verdade.
Faminto, o artista acaba desmaiando na neve e acaba hospitalizado num hospital que não possuía os medicamentos para tratamento de uma tuberculose avançada. Tudo termina em 26 de dezembro de 1952, com a morte de um artista que havia sido assassinado em vida. O seu nome persiste na história da arte como um contemporâneo de Kandinsky e um artista criativo, apesar da fragmentação da sua obra imposta pelos burocratas comunistas, já os nomes dos seus algozes acabaram esquecidos e apagados do muro da história, que esquece os áulicos, os incompetentes e  não tem espaço para os bajuladores ou subalternos  de qualquer governo.(Kleber Torres)

Ficha Técnica

Titulo : Afterimage ( Polonês : Powidoki )
Direção :Andrzej Wajda
Roteiro: Andrzej Mularczyk
Elenco :  Bogusław Linda (Władysław Strzemiński); Aleksandra Justa (Katarzyna Kobro); Bronislawa Zamachowska (Nika Strzeminska); Zofia Wichłacz (Hania); Tomasz Włosok (Romano) e Paulina Gałązka (Wasińska)
Música: Andrzej Panufnik
Lançamento: 3 de março de 2017 (Polônia)
98 minutos
País:  Polônia

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