domingo, 3 de novembro de 2019

A arquitetura da morte na construção da casa de Jack




Ninguém sabe exatamente com quantos paus se faz uma canoa, mas o filme A Casa que Jack Construiu (The House That Jack Built) nos leva a uma construção edificada com dezenas de corpos das vítimas de Jack (Matt Dillon), um serial killer que divide o seu tempo entre assassinatos em profusão; o projeto da construção de uma casa e um mergulho abissal nos dez círculos do inferno de Dante em companhia de Virgílio (Bruno Ganz), com quem compartilha suas histórias de sangue e morte.

O roteiro valeria por uma confissão de um psicopata entremeada com reflexões sobre a transitoriedade da vida, a produção de vinhos e porque não, quanto às diferenças entre arquitetura e engenharia, para quem considera sem precisar da licença de Thomas de Quincey, o assassinato como a mais bela das artes.

O filme de 2 horas e 32 minutos, tem a direção  e roteiro do polêmico cineasta Lars Von Trier e chegou a ser comparado por alguns críticos em sua estruturação narrativa com Ninfomaníaca. O ponto em comum entre as duas obras está na rotina de compulsões dos personagens centrais, o do primeiro filme com foco no sexo e o segundo, nas dimensões da morte em toda a sua extensão. Já o Anticristo se insere neste circuito pela sua estética de violência e exacerbada pelos dramas existenciais.

No filme,  Jack se revela um criminoso nato, que cultiva a  morte desde a  mais tenra infância. Na idade adulta, ele se forma em arquitetura, cuidando de projetos como o da própria casa, com o mesmo detalhismo com que cuida das mortes de suas vítimas, executadas sempre com requintes de crueldade,  sem nenhuma empatia, o que o leva a matar os próprios filhos, a mulher e a outras vitimas escolhidas ao acaso, de forma aleatória.

O ciclo de mortes foi deflagrado  após uma carona a uma mulher (Uma Thurman), golpeada na face e no crânio por falar em demasia; outra vítima, por ser ignorante e interesseira –queria que o seguro de vida do marido fosse aumentado pelo psicopata arquiteto, o qual se passava por um agente de seguros- , e uma terceira, que acaba morrendo em função da  sua ingenuidade, quando Jack a informou que era um assassino em série responsável por uma sequência de 60 mortes. Os demais se inserem numa trilha de sangue que as vezes se dilui com a ajuda da chuva.

No  filme, o projeto da casa é similiar ao da sequência de mortes, que se estendem como um ciclo que nunca termina. Jack  o compara com o TOC, uma espécie de transtorno obsessivo-compulsivo voltado para a morte. Como metáfora, o roteiro o roteiro de Lars Von Trier insere comparações entre os atos de Jack e as obras de arte clássicas, comparando os crimes com a estética das catedrais, pinturas, filmes e livros,  o que se complementa com fotos tiradas dos cadáveres,  um fato comum durante a época vitoriana na Inglaterra, entre os anos 1837 e 1901, quando as pessoas utilizavam a fotografia para guardar recordações de gente morta. Afinal o que é arte e o que não o é ? 

O filme que tem uma narrativa lenta e complexa também trata a questão da violência exacerbada e sem sentido do nosso tempo com toques refinados de humor negro, revelando Jack como vítima de espécie de transtorno obsessivo-compulsivo, fato que o obriga a voltar repetitivamente ao  local do crime para limpar as marcas de sangue e como forma racional de apagar os vestígios do crime.

Uma outra sequência envolve um experimento de Jack para matar um grupo de pessoas com uma única bala como o faziam os nazistas para economizar munição no fim da guerra e a caminho da solução final, usando um projétil  full metal jacket. Tudo termina quando o serial killer acaba localizado e com a ajuda de Virgílio, resolve concluir suas obras com uma casa a partir dos corpos das vítimas.

A ação do serial killer é protegida ainda pela indiferença das pessoas ensimesmadas nos seus mundos e distanciadas em relação aos vizinhos ou ainda pelo comodismo da  polícia, que não tem  interesse em prevenir ou mesmo de solucionar certos casos. O projeto coloca o espectador involuntário e cúmplice de mortes em larga escala, similares aos crimes cotidianos que assistimos passivamente no noticiário da televisão.(Kleber Torres)


Ficha técnica
Título Original: A casa que Jack The House That Jack Built
Direção e Roteiro: Lars Von Trier
Elenco: Matt Dillon, Bruno Ganz, Uma Thurman
Ano:   2018
País:  Alemanha, Bélgica, Dinamarca, França, Suécia
Duração:      2 Horas 32 Minutos

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