Ninguém sabe exatamente com quantos paus se faz uma canoa,
mas o filme A Casa que Jack Construiu (The
House That Jack Built) nos leva a uma construção edificada com dezenas de
corpos das vítimas de Jack (Matt Dillon), um
serial killer que divide o seu tempo entre assassinatos em profusão; o projeto
da construção de uma casa e um mergulho abissal nos dez círculos do inferno de
Dante em companhia de Virgílio (Bruno Ganz), com quem compartilha suas
histórias de sangue e morte.
O roteiro valeria por uma confissão de um psicopata
entremeada com reflexões sobre a transitoriedade da vida, a produção de vinhos
e porque não, quanto às diferenças entre arquitetura e engenharia, para quem
considera sem precisar da licença de Thomas de Quincey, o assassinato como a mais
bela das artes.
O filme de 2 horas e 32 minutos, tem a direção e roteiro do polêmico cineasta Lars Von Trier
e chegou a ser comparado por alguns críticos em sua estruturação narrativa com Ninfomaníaca. O ponto
em comum entre as duas obras está na rotina de compulsões dos personagens centrais,
o do primeiro filme com foco no sexo e o segundo, nas dimensões da morte em
toda a sua extensão. Já o Anticristo se
insere neste circuito pela sua estética de
violência e exacerbada pelos dramas existenciais.
No filme, Jack se
revela um criminoso nato, que cultiva a morte
desde a mais tenra infância. Na idade
adulta, ele se forma em arquitetura, cuidando de projetos como o da própria casa,
com o mesmo detalhismo com que cuida das mortes de suas vítimas, executadas sempre
com requintes de crueldade, sem nenhuma
empatia, o que o leva a matar os próprios filhos, a mulher e a outras vitimas
escolhidas ao acaso, de forma aleatória.
O ciclo de mortes foi deflagrado após uma carona a uma mulher (Uma Thurman), golpeada na face e no crânio por falar
em demasia; outra vítima, por ser ignorante e interesseira –queria que o seguro
de vida do marido fosse aumentado pelo psicopata arquiteto, o qual se passava
por um agente de seguros- , e uma terceira, que acaba morrendo em função da sua ingenuidade, quando Jack a informou que
era um assassino em série responsável por uma sequência de 60 mortes. Os demais
se inserem numa trilha de sangue que as vezes se dilui com a ajuda da chuva.
No
filme, o projeto da casa é similiar ao da sequência de mortes, que se
estendem como um ciclo que nunca termina. Jack
o compara com o TOC, uma espécie de transtorno obsessivo-compulsivo
voltado para a morte. Como metáfora, o roteiro o roteiro de Lars Von Trier
insere comparações entre os atos de Jack e as obras de arte clássicas, comparando
os crimes com a estética das catedrais, pinturas, filmes e livros, o que se complementa com fotos tiradas dos
cadáveres, um
fato comum durante a época vitoriana na Inglaterra, entre os anos 1837 e
1901, quando as pessoas utilizavam a fotografia para guardar recordações de
gente morta. Afinal o que é arte e o que não o é ?
O filme que tem uma narrativa lenta e
complexa também trata a questão da violência exacerbada e sem sentido do nosso
tempo com toques refinados de humor negro, revelando Jack como vítima de espécie
de transtorno obsessivo-compulsivo, fato que o obriga a voltar repetitivamente
ao local do crime para limpar as marcas
de sangue e como forma racional de apagar os vestígios do crime.
Uma outra sequência envolve um
experimento de Jack para matar um grupo de pessoas com uma única bala como o
faziam os nazistas para economizar munição no fim da guerra e a caminho da
solução final, usando um projétil full
metal jacket. Tudo termina quando o serial killer acaba localizado e com a
ajuda de Virgílio, resolve concluir suas obras com uma casa a partir dos corpos
das vítimas.
A ação do serial killer é protegida ainda
pela indiferença das pessoas ensimesmadas nos seus mundos e distanciadas em
relação aos vizinhos ou ainda pelo comodismo da polícia, que não tem interesse em prevenir ou mesmo de solucionar
certos casos. O projeto coloca o espectador involuntário e cúmplice de mortes
em larga escala, similares aos crimes cotidianos que assistimos passivamente no
noticiário da televisão.(Kleber Torres)
Ficha técnica
Título Original: A casa que Jack The House That Jack
Built
Direção e
Roteiro: Lars
Von Trier
Elenco: Matt Dillon, Bruno Ganz, Uma Thurman
Ano: 2018
País: Alemanha, Bélgica,
Dinamarca, França, Suécia
Duração: 2 Horas 32
Minutos
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