sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Guerra das Crianças




Kodomo no Koro Senso Ga Atta não é como parece ser um palavrão, mas o titulo em japonês do filme Guerra das Crianças, considerado um libelo em favor da paz dirigido com competência por Sadao Saito, enfocando o drama de duas crianças ingênuas da família Nomoto. O filme mostra a segunda guerra sob a ótica dos japoneses.
O filme é baseado na historia real de Emi, uma bonita ,menina mestiça, filha de um americano com uma japonesa, e que vive no Japão durante a segunda guerra mundial e que  nutria um ódio mortal a tudo o que lembrasse ou se relacionasse com os Estados Unidos. Fala também da convivência de Emi, com o primo Taro e os problemas vividos por uma família afetada pelas conseqüências de uma guerra irracional e que pode até mesmo dividir uma família.
Como o pai de Emi lutava pela Força Aerea Americana e os demais membros da família integravam a marinha japonesa durante a guerra, havia uma tensão e conflito permanente no âmbito da clã. A família era comandada pela avó, que decidia autocraticamente nos momentos de crise e de dificuldades, mas, magoada, chorando sempre sozinha no seu quarto pela morte dos filhos e os dramas da família, como a acusação de vizinhos de que sua filha por se relacionar com um americano seria uma espiã.   
Guerra das Crianças nos mostra que num mundo em conflito global todos – crianças, mulheres, homens e idosos  são afetados indistintamente pela guerra , mesmo aquelas pessoas incapazes de ir para a frente de batalha, mas que podem morrer em bombardeios ou mesmo em atentados isolados. O drama revela também vida com todas as suas contradições e conflitos. (Kleber Torres)

Título no Brasil: Kodomo no koro senso ga atta
Direção: Sadao Saito
Elenco : Catharia, Meiko Kaji,Fumie Kashiyama,Hiromi Kurita, Aiko Mimasu e Yuichi Saito
Lançamento: 1986
Gênero: Drama / Guerra
País de Origem: Japão

Duração: 101 minutos

sábado, 15 de novembro de 2014

O eterno e imortal Sidney Lumet




Considerado  um dos mais prolíficos e expressivos cineastas, onde aparece ao lado de nomes como o Hitchcock e Kubrick,  Sidney Lumet nos legou uma obra de mais de 50 filmes, além sucessos consagrados pela critica e reconhecidos pelo público como 12 Homens e uma Sentença (12 Angry Men, 1957), Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon, 1975), o antológico Rede de Intrigas (Network, 1976) e O Veredito (The Verdict, 1982), todos com indicações ao Oscar de melhor direção.
Um tema recorrente da sua obra de cunho neorrealista está na crítica ao poder e à corrupção na mídia e na polícia, bem como à burocrática lentidão da justiça.  Sua narrativa visual objetiva e vigorosa, a atenção no trabalho com os atores e a utilização da câmera como uma ferramenta de uma linguagem direta e objetiva, tornaram Sidney Lumet e sua obra, simplesmente extraordinários,  com adaptações de peças e romances em produções grandiosas e comédias de humor-negro no mais fino estilo novaiorquino, revelando conflitos psicológicos e dramas universais.
Em1959, ele dirigiu Marlon Brando e Joanne Woodward em Vidas em Fuga (The Fugitive Kind), baseado na peça de Tennessee Williams, A Descida de Orfeu (Orpheus Descending). Também dirigiu com competência Panorama Visto da Ponte (A View From the Bridge, 1961), de  Arthur Miller e Longa Jornada Noite Adentro (Long Day's Journey Into Night, 1962), de Eugene O’Neill, adaptação expressiva de mais um clássico do teatro para o cinema.
Também leva a sua assinatura o antológico O Homem do Prego, selecionado pela Biblioteca do Congresso para preservação no United States National Film Registry, por sua significância cultural e histórica, contando o drama de um judeu que viveu o terror dos campos de concentração. Foi o primeiro filme a mostrar o Holocausto a partir da visão de um sobrevivente. Já Limite de Segurança aparece como um libelo contra as armas nucleares e alerta para o risco nunca descartável de uma guerra atômica.
Lumet também assina filmes como O Grupo (2009), Chamada Para um Morto (The Deadly Affair, 1967), baseado em Call For The Dead (1961), primeiro livro do britânico John Le Carré, com seu personagem George Smiley, renomeado no fime como Charles Dobbs e interpretado por James Mason, num elenco cinco estrelas que reuniu Simone Signoret e Maximilian Schell.
Ele também produziu um documentário antológico sobre Martin Luther King e que teve a renda foi doada ao Fundo Especial Martin Luther King Jr. Já O Golpe de John Anderson (The Anderson Tapes, 1971) foi pioneiro no enfoque de uma questão prevalecente nos dias hodiernos: a invasão de privacidade por agências governamentais através da tecnologia de vigilância eletrônica cada vez mais sofisticada e aprimorada.
A perda de privacidade foi ampliada em função do uso dos novos recursos tecnológicos como o smartphone e a internet, que permitem aos serviços de segurança dos dias de hoje nos localizar em tempo real e em qualquer circunstancia de tempo, instalando um clima de paranóia e de desconfiança na relação entre o cidadão e o estado, que funciona como uma espécie de Leviatã.
Em Serpico (1973), ele nos conta uma história sobre poder e corrupção no Departamento de Polícia de Nova York, a marcou uma série de  quatro filmes do cineasta sobre estes dois temas. O filme narra a história verídica do policial honesto Frank Serpico, interpretado por Al Pacino que atuava no Departamento de Policia de Nova York na década de 70 e que acaba engolido por sistema corrupto e sanguinário, que não admite contestação.
A sequência teve desdobramento com Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon, 1975) inspirado num fato ocorrido em  de agosto de 1972, quando John "Sonny" Wojtowicz (Al Pacino) e Salvatore Naturile (John Cazale) invadiram um banco, fazendo reféns e  provocando um grande tumulto no centro de Nova York. No meio das negociações, Sonny revela à polícia que o objetivo do assalto era conseguir dinheiro para uma cirurgia de mudança de sexo de sua mulher, Leon Schermer (Chris Sarandon).
Com um autor polivalente, Lumet também dirigiu Assassinato no Expresso do Oriente (Murder on the Orient Express, 1974), um mistério de Agatha Christie, resolvido pelo notório detetive belga, Hercule Poirot interpretado por Albert Finney. Ele atinge o ápice em Em Rede de Intrigas onde impõe um ritmo similar ao linguagem telejornalística para denunciar o sensacionalismo e a manipulação da informação num filme com a participação de William Holden, Robert Duvall, Peter Finch, Faye Dunaway, Ned Beatty e Beatrice Straight.
O filme foi aclamado pela crítica e foi premiado com nada menos que quatro Oscars: o de  melhor ator para Peter Finch, de melhor atriz para Faye Dunaway, para a atriz co-adjuvante Beatrice Straight) e para roteiro original assinado por Paddy Chayefsky  e abocanhou de quebra mais quatro Globos de Ouro como melhor filme, melhor ator dramático para Peter Finch, para melhor atriz Faye Dunaway, melhor diretor para o próprio Sindey Lumet e roteiro para Paddy Chayefsky.
Com Equus, um complexo drama psicológico, Lumet  conseguiu conquistar mais três indicações ao Oscar: o de melhor ator para Richard Burton, de ator co-adjuvante para Peter Firth e de roteiro adaptado. Em 1978, Lumet fez a adaptação de um musical da Broadway: O Mágico Inesquecível (The Wiz) uma revisitação à fábula do Mágico de Oz, com Diana Ross, Michael Jackson, Lena Horne e Richard Pryor, além da adaptação musical foi supervisionada por Quincy Jones, um parceiro musical de vários filmes do autor.
Depois, em O Príncipe da Cidade, que  recebeu indicações ao Oscar de melhor roteiro adaptado, e por sua autenticidade, ele realizou outros filmes inclusive Os Donos do Poder (Power, 1986), que enfoca as consequências da corrupção política em toda a sua extensão, seguido de O Peso de um Passado (Running on Empty, 1988), uma história real inspirada nos  líderes do grupo radical Weather Underground, o mesmo que sabotou uma instalação militar que produzia de napalm durante a Guerra do Vietnã. Lumet afirmava que   "não é o objetivo da busca que me intriga, e sim, a condição obssessiva."
Em Sombras da Lei (Night Falls on Manhattan, 1997) e depois em Sob Suspeita, ele  conta a história real do mafioso Di Norscio, que fez a sua própria defesa num processo demorado e complicado sobre a Máfia, num filme em que a maior parte dos testemunhos foram transcritos diretamente dos registros oficiais do julgamento. Neste filme, Lumet retoma a temática de corrupção, intrigas, traições e a preservação da integridade moral.

Ele assina ainda Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto (Before the Devil Knows You're Dead, 2007), selando assim a sua participação definitiva na história do cinema mostrando, não apenas versatilidade ao experimentar diferentes técnicas e estilos, como também conquistando grandes prêmios e o reconhecimento da critica especializada e do público.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A greve e suas múltiplas metáforas





Muito se tem discutido de certa forma exaustivamente uma questão polêmica, ou seja, até que ponto a arte se manifesta através do  engajamento político ou não. Este limite não é definido e nem perceptível de forma precisa, mas o cineasta Sergei Eisenstein coloca mais lenha na fogueira  no debate sobre o assunto,  com a trilogia iniciada em  A Greve, de 1924, que se desdobrou em O Encouraçado Potemkin, de 1925 e Outubro, de 1927,os quais se complementam para documentar e divulgar  as causas da revolução comunista de 1917. Os filmes foram produzidos com o objetivo precípuo de fazer propaganda política do novo regime que se sobrepôs ao czarismo, mas têm como pano de fundo o drama humano e os problemas sociais.
A Greve começa com uma citação de Lenin destacando que "a força da classe trabalhadora é a organização. Sem a organização das massas, o proletariado não é nada. Organizado, é tudo. Estando organizado significa que está unido para a ação, unido para a atividade prática". A partir daí Eisenstein se propõe a expor a deflagração de um processo  revolucionário, tendo como pano de fundo uma greve numa fábrica russa desencadeada pelo suicídio de um operário Yacov Stronger –coincidentemente strong em inglês significa  forte, poderoso e robusto-, acusado injustamente do roubo de um micrometro de 25 rublos, e que custava o equivalente a três semanas de trabalho.
O filme, que é mudo, foi didaticamente dividido em capítulos para explicar os desdobramentos do processo revolucionário, mas exaltando ao mesmo tempo a articulação, a organização e a união para a luta dos trabalhadores, contrapondo de forma dialética trabalhadores e patrões, com  advertências sobre a repressão e às dificuldades impostas na negociação de uma agenda mínima de reivindicações, as quais nos dias de  hoje seriam ingênuas e quase sem sentido.
A greve tem como base diversas paralisações de 1912, que precederam à revolução russa e mostra a repressão policial ao movimento dos trabalhadores, que reivindicavam jornada de oito horas para adultos e de seis para crianças –hoje o trabalho infantil é considerado crime e um abuso-, bem como respeito e valorização da mão de obra, uma pauta quase sem sentido nos dias hodiernos, em que a reivindicação se concentra em torno de jornadas de 40 horas de trabalho, lazer e outras conquistas sociais, como vale refeição, transporte e auxilio creche para seus filhos.
Vale salientar que no filme em determinado momento um trabalhador diz: “nós temos e somos o poder”, enquanto os acionistas representados por homens gordos e bebedores bonachões avaliam as reivindicações, considerando que levaram a política para dentro da fábrica. Os empresários e capitalistas discutem as ações repressivas contando com o apoio do aparato policial e de espiões, por considerarem a paralisação ilegal e sem sentido.
Sem salários durante o movimento paredista, os trabalhadores recebem pressões da família para que acabem com paralisação e começam a sentir o drama a falta de dinheiro para a compra de comida e de bebida. Alguns optam pela venda objetos pessoais e de pouco ou nenhum valor venal. O filme também faz alusão aos sindicalistas de resultados, mostrando metaforicamente que o macaco atua no atacado e a coruja no varejo.
Em  Greve que Eisenstein desenvolve uma técnica a teoria da tipagem, que consistia na escolha de atores com rostos e tipos físicos que fossem representativos do povo, que carregassem a fisionomia e a expressão do trabalhador comum, sobrepondo-os a imagens de macacos, cães, raposas e corujas, uma outra figura de linguagem. O mesmo vale para o seu contraponto burguês, homens gordos, de terno e gravata, fumando charutos e bebendo uisque , mas sempre em ambos os casos rejeitando a utilização de atores caracterizados,  fazendo com que o público se sentisse mais próximo e identificado com os protagonistas do filme e da própria história.
Considerado pelo jornal oficial do governo russo o Pravda, como a primeira criação revolucionária do cinema, o filme também foi inovador nas técnicas de  cortes, fusões, closes abundantes, fades e na velocidade das cenas quase como uma espécie de  videoclip e usando uma tecnologia largamente utilizada nos filmes de ação do século XXI. Inova também na linguagem, ao comparar metaforicamente a morte de um boi diante das câmeras,  com  a morte de trabalhadores durante a ação repressiva da polícia.
Ninguém discute que o filme teve o cunho de propaganda política, mas ninguém discorda quanto à sua função estética e nem com relação à própria dimensão problematizadora da arte, que pode também servir  de pano de fundo para uma abordagem ideológica. O grande problema é que a grande obra de arte ou em progresso, queiram ou não, tem sempre um cunho e um inegável caráter revolucionário, se sobrepondo aos meros limites do limitado universo ideológico.  (Kleber Torres)

Ficha técnica:
Título: A Greve /Stachka
Direção:              Sergei  Eisenstein
Roteiro: Grigori Aleksandrov, Ilya Kravchunovsky, Sergei  Eisenstein e Valeryan Pletnyov
Elenco:  Aleksandr Antonov, Anatoli Kuznetsov,  Grigori Aleksandrov, Ivan Klyukvin,  M. Mamin, Maksim Shtraukh,  Mikhail Gomorov, Vera Yanukova,  Vladimir Uralsky e Yudif Glizer        
Ano : 1924
Duração : 82 minutos

Gênero : Drama

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Tecnologia digital torna o cinema a oitava arte





O cinema não é mais a sétima arte, mas a oitava ao incorporar a tecnologia digital aos efeitos especiais e mais que isto, associou definitivamente o uso dos computadores à  sua linguagem, sem abdicar da estrutura narrativa, da força dos enredos e nem da emoção dos espectadores. Com isso o cinema associa não apenas fotografia, música, literatura, dança e coreografia (movimento), teatro e escultura/arquitetura (volume), mas um novo ingrediente tecnológico a arte digital. 
Dois filmes podem ser considerados referenciais em termos de apropriação de novos recursos tecnológicos pelo cinema. Cocoon, de Ron Howard, indicado para o Oscar como o melhor filme de efeitos especiais, que dá um banho de tecnologia  do começo ao fim e O Exterminador do Futuro, de James Cameron. Os dois filmes também tiveram desdobramentos seriais.
Em Cocoon, a chegada de extraterrestres tem uma marca  registrada. Mas alguns teóricos  consideram que nada disto ocorre impunemente, pois estas imagens poderiam estar associadas a um projeto ainda maior, para a efetiva chegada dos extraterrestres ao nosso planeta se é que eles não estão entre nós.  Seria talvez uma espécie do curso de alfabetização e de preparação para a chegada de um novo tempo.
Assim, Cocoon é um filme que permite duas leituras distintas e até complementares entre si. Primeiro, a sua proposta narrativa aparece de forma linear e de consumo para adolescentes e crianças. Numa segunda inflexão a trama envolve uma maior complexidade e assume por si a sua própria força e dimensão atá porque todos os dramas humanos podem ser considerados infantis, quando se observa o lado emocional e pragmático das coisas.
O ser humano é pragmático quando se trata das coisas em termos materiais e reage de forma emocional na sua rotina, no cotidiano, no trato com os filhos, com a mulher e a família, e na própria vida, as reações em especial a situações adversas e de conflito são imprevisíveis.
Como em arte não se questionam os aspectos metafísicos, porque tudo é transcendente, também no cinema não é diferente, porque a sua estrutura é complexa e não linear, admitindo cortes, fusões e montagens de n formas através de flashbacks ou forwards.  O cinema admite na sua linguagem planos, sequências e toda uma estrutura de roteiro que permite alterações aleatórias, além da intervenção natural do montador ou da sua sensibilidade. Seu mistério esta em 24 fotogramas por segundo, que não é magia, mas permite o uso de recursos os mais diversos como ilusão ótica, a sublimação e agora com a  adoção de novas tecnologias.
Para fazer Cocoon, o diretor Ron Howard   reuniu um elenco de velhos e experientes atores a exemplo de Don Ameche,  Wilford Brindey, Jack Gilford, Jessica Tandy e Herta Ware, numa história humana, que tem como pano de fundo um asilo para idosos, para questionar a velhice, a solidão e o abandono, bem como a sua profunda e simbiótica relação com a decrepitude e a morte.
Cocoon também abre a janela ficcional para um outro salto com a proposta de uma vida eterna, que não é uma questão infantil, mas essencialmente metafísica, e que põe em cheque o próprio materialismo sem ser deísta e nem de caráter essencialmente religioso.  Neste ponto é que está embutida a questão da sobrevivência e da longevidade.
No roteiro, um grupo de idosos que vivia num abrigo americano com todo o conforto, se envolve em peraltices infantis e ao usarem a piscina de uma mansão vizinha aparentemente abandonada, onde redescobrem a juventude e os caminhos da vida eterna através de seres extraterrestres. Seria a redescoberta da fonte e da essência da vida eterna?
O processo também envolve outras implicações humanas essenciais com a redesocberta do amor, da sensualidade e uma reconstrução da dignidade perdida, duramente castigada com o abandono na velhice , quando os idosos são esquecidos e largados abrigos, talvez a única alternativa que lhes reste antes do prenúncio da morte.
Em paralelo ao drama humano a história ficcional é montada  e não se contrapõe, mas se soma com a utilização dos efeitos especiais chegando ao auge com a elevação  de um barco com 35 pessoas até um disco voador, abrindo perspectivas para sua posterior continuação.
Um outro destaque para efeitos especiais fica para O Exterminador do Futuro, um filme de James Cameron, com desdobramentos seriais, que traz no elenco Arnold Shwarzenneger – que também interpretou Conan, o Bárbaro - ao lado de Michael Blehn e Linda HamIlton, numa película em que a maquiagem de Stan Winston aparece como um destaque ao lado naturalmente de uma profusão de efeitos especiais.
Em ambos os filmes o computador e a tecnologia digital aparecem como ferramentas de montagem e ate mesmo na apresentação dos letreiros, que seria sua ficha técnica.Em o Extreminador do Futuro os efeitos especiais encantam o espectador como por exemplo numa autocirurgia do ciborg exterminador, que chega até a sangrar em função dos ferimentos.
A própria resistência sobrehumana do Ciborg é outro efeito especial a ser observado, porque em arte tudo é valido e permitido. Vale lembrar que a função da arte em si mesma não é agradar ou entreter, nem ser simples, bonita ou rasteira, cabe a ela também problematizar e discutir questões éticas e morais, atraindo a atenção do espectador como sujeito  para mostrar problemas que se somam, se multiplicam e no campo da ficção ou que podem até mesmo ocorrer no dia a dia.

O Exterminador do Futuro nos reconduz ao debate da questão da relação entre o homem e a máquina bem como da máquina como extensão do homem. Também discute a criação de máquinas inteligentes, e que se sobrepõem naturalmente ao homem como Hall, em 2001  Odisséia do Espaço. É a criatura se contrapondo ao seu criador, numa revolução previsível, e que cabe aos autores de ficção levar o debate às últimas conseqüências, até porque também é uma das funções da arte a antecipação, prevendo o futuro, mesmo que este nunca aconteça. (Kleber Torres)

Mishima - as quatro releituras de um filme





Para o espectador desavisado Mishima -  A Life in Four Chapters (Mishima – uma vida em quatro capítulos) , de Paul Schreder, pode parecer um filme monótono e de sabor extremamente oriental. Mas ele é em realidade uma supreprodução avalizada por George Lucas e Francis Coppola  e aparece como uma obra de arte que oferece quatro possibilidades de leituras distintas e sincrônicas sobre a  vida do escritor Yukio Mishima.
“A beleza é uma coisa terrível e espantosa. Terrível, porque indefinível, e não se pode defini-la porque Deus só criou enigmas. Os extremos se tocam, as contradições vivem juntas. Sou pouco instruído irmão, mas tenho pensado muito nestas coisas. Quantos mistérios acabrunham o homem. Ele os penetra e volta intacto...O Diabo é que sabe tudo, mas meu coração acha beleza até no que o espírito acha vergonhoso.” Essa citação de Destoiévsky, em Irmãos Karamazov, abre o livro Confissões de uma máscara, de Yukio Mishima, lançado em 1949 e publicado no Brasil há cerca de três décadas.
Com esse romance Mishima pode abandonar a recém iniciada carreira de advogado para dedicar-se à literatura e ao mesmo tempo fazer da sua vida uma obra de arte. Mas escrever nunca satisfez integralmente ao inquieto escritor japonês, filho de família nobre, que criou um exército particular, para reviver as antigas tradições dos samurais e resgatar a cultura japonesa diante do que considerava invasão americana no período do pós guerra. Como artista multimídia para aquela época, ele gravou discos, fez filmes, praticou artes marciais e nunca hesitou em participar de debates para pregar as suas idéias e defender o nacionalismo nipônico.
O filme começa efetivamente em 25 de novembro de 1970,  quando Misihima acompanhado de quatro soldados do seu exército particular ocupara o comando das Forças Armadas do Japão, em Tokio, para fazer a partir da sala do estado-maior  uma proclamação ao exército e ao povo japonês, pelo retorno das tradições imperiais e jogando fora a sua constituição de influência nitidamente americana e ocidentalizada.
O enredo tem outros desdobramentos, pois de forma simultânea os roteristas Paul e Leonard Schrader mostram ao telespectador leituras e releituras não sincrônicas, que facilitam a compreensão do filme e o tornam uma aventura didática  palatável, com inserções de teatro e literatura ao lado da vida do escritor.
Assim, o filme pode ser visto e compreendido em quatro partes distintas que se somam e se fundem entre si: a beleza, a arte, a ação e finalmente a pena e a espada, delineando as preocupações de Mishima na vida, na arte e em termos ideológicos, num limite que transcende as barreiras de esquerda e de direita, para mostrar-se  como um conservador de tradições e costumes nipônicos cada vez mais ocidentalizados e descaracterizados. Ele divulgava o seu nacionalismo exacerbado e não escondia a sua vida como homossexual.
O filme  culmina com Mishima se suicidando seguindo o ritual sepukku – a prática do arakiri adotada pelos samurais – após a invasão do quartel general das forças japonesas, o que lhe confere um final trágico. No filme as quatro partes se fundem na formação de um todo harmônico, em que o espectador tem opções de comprender não apenas o enredo histórico, mas o seu contexto político, econômico, social e social, como uma obra de arte integrada.
O filme também traz recordações de Mishima sobre a sua infância e como um homem que podia lembrar as coisas desde o seu nascimento. Também retrata a sua vida familiar, seus contatos, a formação do exército particular que chegou a ter três mil homens, bem como sua participação em atos públicos, defendendo uma cultura japonesa tradicional e até certo ponto radical, desde que voltada para as suas raízes.
Num outro plano de leitura o filme mostra o ambiente teatral e cenarizado, com cenas de peças e de seus romances principais, como a sequência do gago  com uma bela jovem japonesa e a contradição nítida da feiúra da sua fala com a beleza da mulher jovem  e desnuda. A hesitação da fala, em metáfora, se revela na hesitação da mão do gago.
Sem dúvida alguma essa soma de leituras e releituras do filme permitem a compreensão da vida e da obra de um homem que era segundo Henry Miller,  o que encontrou o segredo dos colecionadores de relíquias: “ele matou a literatura matando a si próprio  e ao indivíduo, para reunir-se à humanidade inteira na sua morte”.
O filme tem a assinatura de fotografia de John Bailey e apresenta no seu elenco Ken Ogata, Kenji Sawada e Yasosuke Bando, sob direção de Paul Scharader, que com audácia e competência, pintou de forma inovadora os contornos de uma vida, que saltou da existência física para a literatura e se transforma numa obra prima também no cinema. Até que ponto a vida imita a arte ou vice-versa? (Kleber Torres)


Ficha técnica:
Direção:  Paul Schrader
Elenco : Ken Ogata, Kenji Sawada, Yasosuke Bando e Toshiyuki Nagashima
Produção: Tom Luddy, Francis Ford Coppola, George Lucas, Leonard Schrader, Mataichiro Yamamoto
Roteiro: Paul Schrader, Leonard Schrader e Chieko Schrader
Música: Philip Glass

Duração: 120 min

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O Navio de Teseu






O Navio de Teseu  nos fala de uma embarcação original que teve gradualmente todas as suas peças substituídas. O paradoxo é saber qual dos dois é o navio de Teseu, se o original ou o que foi substituído.
Segundo as  lendas gregas, e um  relato de Plutarco:  esse seria o navio a remos com que Teseu e os jovens de Atenas  retornaram de Creta, e foi preservado pelos atenienses até o tempo de Demétrio de Falero, porque eles usavam uma estrategia: removiam as partes velhas que apodreciam e colocavam partes novas, substituindo-as sempre que necessário..
O paradoxo do navio se tornou motivo de discussão entre os filósofos da antiguidade como Heráclito e Platão para identificar o conjunto de caracteres próprios e exclusivos com os quais se podem diferenciar objetos inanimados uns dos outros. O tema foi retomado  por pensadores como Thomas Hobbes, John Locke e Gottfried Leibniz e é tema de livros e até de um filme.
O Navio de Teseu também é o tema de um filme inteligente de ficção indiano, dirigido por Anand Ghandi e que apresenta como questão central saber se as partes de um navio são substituídas, pedaço por pedaço, esse é ainda o mesmo navio?
A história nos leva a uma fotógrafa que lida com a perda de sua visão após um procedimento clínico mal sucedido e precisa de um transplante de córnea; um monge erudito que enfrenta um dilema ético frente à sua ideologia de vida, tem de escolher entre seus princípios e a morte – ele não toma remédios que provocaram o sacrifício de animais e precisa de um transplante de figado; e por fim um jovem corretor da bolsa de valores, seguindo o rastro de um rim roubado, adquirido no mercado negro, e aprende como a moralidade e a ética podem ser complexas numa sociedade capitalista, que privilegia o lucro.
Seguindo estes elementos isolados de suas viagens filosóficas, e sua eventual convergência, o filme Navio de Teseu explora questões fundamentais da identidade, da justiça, da beleza, do entendimento e  da morte. Isso sem falar que vivemos num mundo transitório e somos passageiros de uma mesma nau de insensatos.
No filme um dos personagens diz: “Somos todos cegos tentando compreender um elefante”, numa referência a uma parábola sobre pessoas sem visão que foram conhecer um elefante, que é fino na cauda, enorme no seu bojo, mole nas orelhas de abano e roliços nas pernas ou na tromba, a depender do local em que ele foi apalpado.
Outro personagem infere que toda molécula do universo é afetada por nossas ações e isso nos dá uma visão holística da complexidade de um paradoxo que nos inquieta desde a mais remota antiguidade e nos afeta até o mundo hodierno.

Ficha técnica:
Título: O Navio de Teseu ; The Ship of Theseus
Direção e roteiro: Anand Gandhi
Elenco: Aida Al-Khashef, Neeraj Kabi, Sohum Shah
Música: Naren Chandavarkar, Benedict Taylor, Rohit Sharma
Edição: Adesh Prasad, Sanyukta Kaza, Satchit Puranik

Duração : 139 minutos