Muito se tem
discutido de certa forma exaustivamente uma questão polêmica, ou seja, até que
ponto a arte se manifesta através do engajamento político ou não. Este limite não é
definido e nem perceptível de forma precisa, mas o cineasta Sergei Eisenstein
coloca mais lenha na fogueira no debate sobre
o assunto, com a trilogia iniciada em A Greve, de 1924, que se desdobrou em O
Encouraçado Potemkin, de 1925 e Outubro, de 1927,os quais se complementam para
documentar e divulgar as causas da
revolução comunista de 1917. Os filmes foram produzidos com o objetivo precípuo
de fazer propaganda política do novo regime que se sobrepôs ao czarismo, mas
têm como pano de fundo o drama humano e os problemas sociais.
A Greve começa
com uma citação de Lenin destacando que "a força da classe trabalhadora é
a organização. Sem a organização das massas, o proletariado não é nada.
Organizado, é tudo. Estando organizado significa que está unido para a ação,
unido para a atividade prática". A partir daí Eisenstein se propõe a expor
a deflagração de um processo revolucionário, tendo como pano de fundo uma
greve numa fábrica russa desencadeada pelo suicídio de um operário Yacov
Stronger –coincidentemente strong em inglês significa forte, poderoso e robusto-, acusado injustamente
do roubo de um micrometro de 25 rublos, e que custava o equivalente a três
semanas de trabalho.
O filme, que é
mudo, foi didaticamente dividido em capítulos para explicar os desdobramentos do
processo revolucionário, mas exaltando ao mesmo tempo a articulação, a organização
e a união para a luta dos trabalhadores, contrapondo de forma dialética trabalhadores
e patrões, com advertências sobre a
repressão e às dificuldades impostas na negociação de uma agenda mínima de
reivindicações, as quais nos dias de hoje seriam ingênuas e quase sem sentido.
A greve tem
como base diversas paralisações de 1912, que precederam à revolução russa e mostra
a repressão policial ao movimento dos trabalhadores, que reivindicavam jornada
de oito horas para adultos e de seis para crianças –hoje o trabalho infantil é
considerado crime e um abuso-, bem como respeito e valorização da mão de obra,
uma pauta quase sem sentido nos dias hodiernos, em que a reivindicação se
concentra em torno de jornadas de 40 horas de trabalho, lazer e outras
conquistas sociais, como vale refeição, transporte e auxilio creche para seus
filhos.
Vale salientar
que no filme em determinado momento um trabalhador diz: “nós temos e somos o
poder”, enquanto os acionistas representados por homens gordos e bebedores bonachões
avaliam as reivindicações, considerando que levaram a política para dentro da
fábrica. Os empresários e capitalistas discutem as ações repressivas contando
com o apoio do aparato policial e de espiões, por considerarem a paralisação
ilegal e sem sentido.
Sem salários
durante o movimento paredista, os trabalhadores recebem pressões da família
para que acabem com paralisação e começam a sentir o drama a falta de dinheiro
para a compra de comida e de bebida. Alguns optam pela venda objetos pessoais e
de pouco ou nenhum valor venal. O filme também faz alusão aos sindicalistas de
resultados, mostrando metaforicamente que o macaco atua no atacado e a coruja
no varejo.
Em Greve que Eisenstein desenvolve uma técnica a
teoria da tipagem, que consistia na escolha de atores com rostos e tipos
físicos que fossem representativos do povo, que carregassem a fisionomia e a
expressão do trabalhador comum, sobrepondo-os a imagens de macacos, cães,
raposas e corujas, uma outra figura de linguagem. O mesmo vale para o seu
contraponto burguês, homens gordos, de terno e gravata, fumando charutos e
bebendo uisque , mas sempre em ambos os casos rejeitando a utilização de atores
caracterizados, fazendo com que o
público se sentisse mais próximo e identificado com os protagonistas do filme e
da própria história.
Considerado
pelo jornal oficial do governo russo o Pravda, como a primeira criação
revolucionária do cinema, o filme também foi inovador nas técnicas de cortes, fusões, closes abundantes, fades e na
velocidade das cenas quase como uma espécie de videoclip e usando uma tecnologia largamente
utilizada nos filmes de ação do século XXI. Inova também na linguagem, ao
comparar metaforicamente a morte de um boi diante das câmeras, com a
morte de trabalhadores durante a ação repressiva da polícia.
Ninguém
discute que o filme teve o cunho de propaganda política, mas ninguém discorda
quanto à sua função estética e nem com relação à própria dimensão problematizadora
da arte, que pode também servir de pano
de fundo para uma abordagem ideológica. O grande problema é que a grande obra
de arte ou em progresso, queiram ou não, tem sempre um cunho e um inegável caráter
revolucionário, se sobrepondo aos meros limites do limitado universo ideológico.
(Kleber Torres)
Ficha técnica:
Título: A Greve /Stachka
Direção: Sergei Eisenstein
Roteiro: Grigori Aleksandrov, Ilya Kravchunovsky, Sergei Eisenstein e Valeryan Pletnyov
Elenco: Aleksandr Antonov, Anatoli
Kuznetsov, Grigori Aleksandrov, Ivan Klyukvin,
M. Mamin, Maksim Shtraukh, Mikhail Gomorov, Vera Yanukova, Vladimir Uralsky e Yudif Glizer
Ano : 1924
Duração : 82 minutos
Gênero : Drama
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