quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A greve e suas múltiplas metáforas





Muito se tem discutido de certa forma exaustivamente uma questão polêmica, ou seja, até que ponto a arte se manifesta através do  engajamento político ou não. Este limite não é definido e nem perceptível de forma precisa, mas o cineasta Sergei Eisenstein coloca mais lenha na fogueira  no debate sobre o assunto,  com a trilogia iniciada em  A Greve, de 1924, que se desdobrou em O Encouraçado Potemkin, de 1925 e Outubro, de 1927,os quais se complementam para documentar e divulgar  as causas da revolução comunista de 1917. Os filmes foram produzidos com o objetivo precípuo de fazer propaganda política do novo regime que se sobrepôs ao czarismo, mas têm como pano de fundo o drama humano e os problemas sociais.
A Greve começa com uma citação de Lenin destacando que "a força da classe trabalhadora é a organização. Sem a organização das massas, o proletariado não é nada. Organizado, é tudo. Estando organizado significa que está unido para a ação, unido para a atividade prática". A partir daí Eisenstein se propõe a expor a deflagração de um processo  revolucionário, tendo como pano de fundo uma greve numa fábrica russa desencadeada pelo suicídio de um operário Yacov Stronger –coincidentemente strong em inglês significa  forte, poderoso e robusto-, acusado injustamente do roubo de um micrometro de 25 rublos, e que custava o equivalente a três semanas de trabalho.
O filme, que é mudo, foi didaticamente dividido em capítulos para explicar os desdobramentos do processo revolucionário, mas exaltando ao mesmo tempo a articulação, a organização e a união para a luta dos trabalhadores, contrapondo de forma dialética trabalhadores e patrões, com  advertências sobre a repressão e às dificuldades impostas na negociação de uma agenda mínima de reivindicações, as quais nos dias de  hoje seriam ingênuas e quase sem sentido.
A greve tem como base diversas paralisações de 1912, que precederam à revolução russa e mostra a repressão policial ao movimento dos trabalhadores, que reivindicavam jornada de oito horas para adultos e de seis para crianças –hoje o trabalho infantil é considerado crime e um abuso-, bem como respeito e valorização da mão de obra, uma pauta quase sem sentido nos dias hodiernos, em que a reivindicação se concentra em torno de jornadas de 40 horas de trabalho, lazer e outras conquistas sociais, como vale refeição, transporte e auxilio creche para seus filhos.
Vale salientar que no filme em determinado momento um trabalhador diz: “nós temos e somos o poder”, enquanto os acionistas representados por homens gordos e bebedores bonachões avaliam as reivindicações, considerando que levaram a política para dentro da fábrica. Os empresários e capitalistas discutem as ações repressivas contando com o apoio do aparato policial e de espiões, por considerarem a paralisação ilegal e sem sentido.
Sem salários durante o movimento paredista, os trabalhadores recebem pressões da família para que acabem com paralisação e começam a sentir o drama a falta de dinheiro para a compra de comida e de bebida. Alguns optam pela venda objetos pessoais e de pouco ou nenhum valor venal. O filme também faz alusão aos sindicalistas de resultados, mostrando metaforicamente que o macaco atua no atacado e a coruja no varejo.
Em  Greve que Eisenstein desenvolve uma técnica a teoria da tipagem, que consistia na escolha de atores com rostos e tipos físicos que fossem representativos do povo, que carregassem a fisionomia e a expressão do trabalhador comum, sobrepondo-os a imagens de macacos, cães, raposas e corujas, uma outra figura de linguagem. O mesmo vale para o seu contraponto burguês, homens gordos, de terno e gravata, fumando charutos e bebendo uisque , mas sempre em ambos os casos rejeitando a utilização de atores caracterizados,  fazendo com que o público se sentisse mais próximo e identificado com os protagonistas do filme e da própria história.
Considerado pelo jornal oficial do governo russo o Pravda, como a primeira criação revolucionária do cinema, o filme também foi inovador nas técnicas de  cortes, fusões, closes abundantes, fades e na velocidade das cenas quase como uma espécie de  videoclip e usando uma tecnologia largamente utilizada nos filmes de ação do século XXI. Inova também na linguagem, ao comparar metaforicamente a morte de um boi diante das câmeras,  com  a morte de trabalhadores durante a ação repressiva da polícia.
Ninguém discute que o filme teve o cunho de propaganda política, mas ninguém discorda quanto à sua função estética e nem com relação à própria dimensão problematizadora da arte, que pode também servir  de pano de fundo para uma abordagem ideológica. O grande problema é que a grande obra de arte ou em progresso, queiram ou não, tem sempre um cunho e um inegável caráter revolucionário, se sobrepondo aos meros limites do limitado universo ideológico.  (Kleber Torres)

Ficha técnica:
Título: A Greve /Stachka
Direção:              Sergei  Eisenstein
Roteiro: Grigori Aleksandrov, Ilya Kravchunovsky, Sergei  Eisenstein e Valeryan Pletnyov
Elenco:  Aleksandr Antonov, Anatoli Kuznetsov,  Grigori Aleksandrov, Ivan Klyukvin,  M. Mamin, Maksim Shtraukh,  Mikhail Gomorov, Vera Yanukova,  Vladimir Uralsky e Yudif Glizer        
Ano : 1924
Duração : 82 minutos

Gênero : Drama

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