domingo, 26 de junho de 2016

A eclipse do sol da liberdade









 A Globo News exibiu o documentário “Sob o sol”, dirigido pelo cineasta Vitaly Manzky que filmou durante um ano sob os olhares atentos dos censores do governo, a vida cotidiana de uma família em Pongyang, na Coreia do Norte.  O filme tem como foco a família de Len Zi Mi – o pai, a mãe e uma filha – que vivem sob um regime autoritário e tem como pano de fundo a entrada da filha na União das Crianças, uma espécie de rito de passagem da infância para a idade adulta, em que o jovem se alista “voluntariamente” para servir a um regime militarizado e ditatorial, onde tudo gira em torno do personalismo dos Kim (pai e filho (mortos) e neto atualmente no poder absoluto).
O filme, que também trás alusões  constantes aos lideres  Kim Il-sung e dos seus sucessores Kim Jong-il e, posteriormente, por Kim Jong-um, que estão em tudo na vida do pais e são representados por gigantescas estátuas e retratos megalômanos, começa com Len Zi Mi falando que vive no país mais belo da Ásia, depois embarcando num ônibus para a escola  e mostrado a seguir um veículo tipo van com um autofalante convocando nas ruas a população de um bairro para a ginástica do povo, visando fortalecer os braços, as pernas e troncos dos participantes de todas as idades.
Numa sequencia seguinte, aparece a família  em destaque num apartamento com televisão em cores ligada numa emissora que faz apologia do regime, enquanto o marido trabalha na montagem de um móvel ou equipamento.  Numa outra cena, numa escola a professora de Len Zi Mi –  compara o país com um coração unido e que caminha em direção a uma grande e inquebrantável união nacional, mostrando ao mesmo tempo “a vontade do povo para construir um pais unido, forte e próspero.”
A mestra – uma jovem bonita – fala da batalha do camarada Kim Jong-um ( o atual líder e guia da nação)  no sentido de preservar os valores básicos da Coreia e as crianças cantam uma música que fala de um país belo e tranquilo, enquanto depois a professora fala da revolução liderada por Kim Il-sung, que expulsou os inimigos japoneses a pedradas. Ela também destaca o ódio os japoneses, americanos e seus fantoches, bem como aos inimigos da Coreia do Norte.
Outra sequência fala do feriado do Dia da Estrela Brilhante e as imagens do filme no apartamento da família  são acompanhadas e orientadas por agentes do governo que acompanham uma refeição do casal e da filha, com o pai mandando a filha comer kimchi, comida tradicional do pais, que cura o câncer, e é um alimento completo em vitaminas e carboidratos.
Num estádio lotado é filmada a celebração do Dia da Estrela Brilhante, que marca os festejos do aniversário natalício do de cujus Kim Il-sung, que foi o comandante supremo da revolução comunista e pai dos herdeiros da corte. Na cerimônia até as palmas são sincronizadas mecanicamente  e culmina com a cerimônia de iniciação dos novos membros da União das Crianças, que recebem um lenço vermelho com um nó no pescoço dado por padrinhos militares e nada diferentes dos usados pelos escoteiros ocidentais. Até a saudação da instituição se parece com o sempre alerta dos nossos escoteiros e bandeirantes, substituído por um ameno “sempre preparado”, talvez numa alusão a uma possível guerra uma vez que a Coreia do Norte nunca assinou um tratado de paz com o Sul.
 O documentário também se revela uma farsa. O pai da criança, que na vida real era jornalista, aparece em cenas como engenheiro numa indústria de roupas considerada modelo, ditando as regras da moda e os padrões de qualidade. Já a mãe, cujo nome também não foi revelado, que trabalhava em um refeitório do estado, aparece como uma reluzente trabalhadora numa fábrica de leite de soja.

As imagens não revelam alunos entrando ou saindo nas escolas, que funcionam como internatos e apenas no filme mostra uma movimentação pré-fabricada de alunos no seu entorno. Há a suspeita que em função dos “indicadores de produtividade” os trabalhadores sejam “voluntariamente obrigados a dormir e viver em dormitórios nas fábricas e quartéis cruéis da ditadura  preservando os seus amados  empregos. No mais,  a grande verdade do filme é retratada na expressão facial de Len Zi Mi, que durante todo o filme exibia uma expressão de medo e pavor, mas não conteve as lágrimas no final e lembra como coisa mais agradável da sua vida o juramento de lealdade aos senhores de plantão.(Kleber Torres) 

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