O instigante documentário "Louco Não.
Doido", dirigido e produzido pelo
ganhador do Oscar Alex Gibney, exibido pela HBO e por streaming na HBO GO, explora as raízes da violência a partir do
trabalho da psiquiatra Dorothy Otnow
Lewis, que dedicou sua vida ao estudo de assassinos, e os motivos que os levam a
cometer crimes hediondos e até em série.
Ela tratou jovens desajustados e casos de grande repercussão no país, inclusive
de Theodore Bundy, o Ted, considerado um dos maiores seriais killers da história
americana e do mundo, um jovem simpático, bem falante, aparentemente sem
problemas e que matou mais de 30 mulheres e ainda guardava seus crânios como troféus.
O filme, que foi exibido na seleção para o Festival de
Veneza 2020, reúne um conjunto de entrevistas e casos acompanhados pela
psicanalista, que é contra a pena de morte para pessoas com doença mental,
embora defenda o isolamento social dos assassinos em série para proteção das
pessoas e da sociedade.
O roteiro foi montado como se fosse uma história de
detetive, mostrando as ações da
psiquiatra Lewis ao longo da vida e o seu trabalho de pesquisa para
conhecer os assassinos a partir da observação comportamental entrando nos seus
corações e da mentes. O documentário reúne
inclusive entrevistas com presos gravadas no corredor da morte e a avaliação
das experiências formativas e disfunções neurológicas de assassinos famosos.
Dorothy Lewis
pesquisou a predisposição à psicose dos pacientes e a sua correlação com algum
tipo de disfunção cerebral e homicídios. Em uma pesquisa com 55 jovens internados
numa instituição psiquiátrica, foi constatado que 21 deles cometeram homicídio.
O fato comum em todos os casos de homicidas era o registro de disfunção
cerebral e um ponto em comum é que todos eles foram vítimas também de abuso
sexual na infância.
No documentário aparece o
caso de Mary Moore, que tinha múltiplas
personalidades e também era psicótica.
Dorothy Lewis constatou que ela foi abusada na infância e também se manifestava
como Billy, uma personalidade masculina, ao cometer crimes e abusos sexuais. Em
suas pesquisas a psiquiatra identificou numa
clinica crianças com disfunção cerebral casos de transtornos dissociativos de identidade, indicando que personalidades
alternativas violentas emergem e são mecanismos de crianças torturadas para se
proteger e como instrumento de compensação.
A psiquiatra entrevistou ainda
crianças com transtorno dissociativo de
identidade, como foi o caso de N. que também se identificava também como Amanda,
e mantinha um registro das suas atividades diárias e uma profusão de desenhos>
A pesquisa revelou os conflitos de personalidade antagônicas e dispares numa
mesma pessoa.
Outro caso incluído no
documentário foi o de Arthur Schawcross, um pacato pai de família e que trabalhava
num café, preso pela morte violenta de 11 mulheres. O fato é que nem a mulher com quem vivia acreditava que ele fosse um assassino em série, pois ele a aconselhava a ficar em casa
e não sair porque tinha um assassino solta na cidade onde moravam e a tratava com
carinho.
Nas entrevistas com a
psiquiatra ele deu indicativos de lesões
no cerebrais, o que foi comprovado com exames de imagens e dizia que matava influenciado por Bessie, a sua mãe, uma mulher dominadora e que o maltratava
na infância. Ele conta que após cometer um crime via luzes e relaxava de tal
modo, que dormia no carro, ao lado do corpo das vítimas, que descartava jogando
à margem das rodovias.
Transtorno dissociativo de
identidade também foi o caso de Max, um
outro homicida culto, inteligente e que era
agredido frequentemente na infância. Ele também se apresentava com Kalkin,
dizendo que era um avatar, pessoa que fazia tudo pelo bem. A psiquiatra contava
com a colaboração de Catherine Yeager, uma psicóloga clínica que participava de
pesquisas e fazia o acompanhamento dos casos dos pacientes estudados.
A psiquiatra inclusive
assessorou Martin Scorsese na produção do
filme Cabo do Medo, que conta a história de um psicopata, inclusive colocando Robert de Niro para conversar com o
Max, que tinha manifestações de múltiplas personalidades e que elogiou o desempenho do ator em Taxi Drive. No
documentário também são colocados debates sobre a questão da pena de morte, um
deles com a participação do então senador Joe
Biden, ainda jovem e hoje, eleito presidente dos Estados Unidos.
Os dois filhos da
psiquiatra falam da convivência familiar, destacam sua dedicação ao trabalho, participação
e contribuição à pesquisa inclusive na área acadêmica. O mais velho auxilia a mãe, digitando os seus textos que
são escritos sempre à mão sobre os transtornos dissociativos de identidade.
Dorothy Lewys também tinha um hobby: o desenho
Um caso complexo
pesquisado pela doutora Lewis foi de Johnny Frank Garrett, que aos 17 anos matou e
estuprou uma freira. Ele confessou o crime, mas depois se recusou a assinar a
confissão e foi diagnosticado com esquizofrênico, com danos cerebrais. O homem
que acabou condenado à morte também se apresentava como Aaron Shockman (um nome
sugestivo de violência) ou como Bárbara, o seu caso foi levado a um Comitê de Clemência,
que decidiu por 17 votos a 1 a favor da
sua execução. No dia da sua execução, cuja suspensão foi pedida até pelo papa, grupos a favor e contra a pena de morte fizeram manifestações em frente do presídio, no
Texas.
O defensor público Richard Burr dá um depoimento destacando o papel pioneiro da
psicanalista, dizendo que a justiça deve ver atenuantes e também agravantes
para cada crime. Destacou que Dorotrhy Lewis defende um tratamento diferenciado da justiça para
pessoas com diagnóstico personalidades
múltiplas, evitando sua condenação à morte, o que não significa a sua soltura e
nem absolvição por crimes, salientando que nenhuma nação civilizada executou
doentes mentais.
A psiquiatra também
acompanhou o caso de David, que tinha personalidade múltipla apresentando-se
ora como Juan, Lee ou Bobby.David, que na infância foi queimado e torturado pelo pai
e pela mãe, tinha marcas dos maus tratos no peito e nas costas, ele chorava ao
contar o drama da sua juventude e os caminhos que o levaram ao crime.
Um caso a parte no filme, foi o Sam Jones, que
não era um psicopata assassino, mas vendia sua força de trabalho como o carrasco tendo participado da
execução de 19 pessoas. Ele disse a psiquiatra, a quem deu entrevista tomando
seis cervejas, que não sentia nada
quando matava os condenados e nem tinha remorsos, mas pintava em acrílico depois de cada
execução. Seus quadros com caveiras estilizadas
e cores fortes, revelam a humanidade do
carrasco que recebia em média 25 a 50 dólares por execução.
Sem dúvida, caso mais famoso pesquisado pela psiquiatra
foi de Ted Bundy, que matou mais de 30 mulheres, a quem decapitava e ainda guardava os crânios como troféu. A psiquiatra conta que errou no
seu diagnostico e ele acreditava que ele
simplesmente já nasceu mau, pois não apresentava problemas neurológicos grave, embora aparentasse ser uma personalidade
psicopática. Ele acabou executado em
1989 e ao ser preso, também foram
encontradas na sua casa revistas sobre sexo e pornografia, a quem acusava de
ser o motivo do seu descaminho.
No histórico de Bundy, a
avó teve depressão e chegou a ser internada em um manicômio. Ele era filho
ilegítimo e foi criado como filho pelo avô um homem agressivo e violento, que
influenciou negativamente na sua formação. O fato é que desde os três anos Ted
Bundy manifestava atração por facas e chegou a ser diagnosticado pela
psiquiatra Dorothy Lewis como um caso de transtorno bipolar.
O fato é que ao ser
condenado à morte, Bundy ainda tentou recorrer da sentença, mas ele tinha plena
consciência dos seus crimes e do que lhe iria acontecer com a aplicação da pena
capital. Depois de uma conversa de quatro horas e meia com Dorothy Lewis, antes
da sua execução, Ted Bandy confessou que teve um caso com a sua irma e ainda
disse a ela que não saísse de casa,
porque tinha um assassino a solta matando mulheres parecidas com ela.
O caso de Bundy, em termos
psiquiátricos, só foi esclarecido depois
da sua morte quando a psicóloga encontrou em poder de sua família cartas
redigidas por ele, com a mesma letra mas com assinaturas diferentes ora como Ted
Bundy, como Sam ( o nome do avô) e até como Sambo, indicativo positivo de transtorno
dissociativo de identidade, o mesmo problema de outro réu serial killer condenado
à morte e que deixou a sua torta de sobremesa, para comer depois da execução.(Kleber
Torres)
Ficha técnica:
Título : Louco não, doido
Diretor e roteiro: Alex Gibney
Cinematografista : Bem Bloodwell
Música : Will Bates
2020
Estados Unidos
1h50minutos