quinta-feira, 18 de abril de 2019

A múltiplas formas da água e dos caminhos da invenção



Absolvido da acusação de plágio pelo tribunal da Califórnia ao reconhecer que a história de A Forma de Água (The shape of water), filme do diretor Guillermo del Toro e do estúdio Fox Searchlight, apesar da similaridade com a peça, “Let Me Hear Your Whisper”, do escritor Paul Zinder,  nada tinha a ver em essência com a história de Helen, uma mulher solitária que trabalhava em um centro de pesquisas durante a Guerra Fria e criou uma compaixão por um golfinho, o qual conversa apenas com ela, a quem decide resgatar do laboratório quando o animal foi ameaçado por um grupo de cientistas, mas sem desenvolver nenhum vínculo sentimental e afetivo.
A diferença fundamental, é que a  A Forma da Água embora tenha como cenário época da Guerra Fria e do rock, retrata a história de Elisa Esposito (Sally Hawkins), que também trabalha em um laboratório de pesquisa e acaba se envolvendo com uma estranha criatura mantida em cativeiro e mal tratada pelos cientistas americanos, que disputam a sua posse com um grupo de espiões russos os quais planejavam o seu sequestro ou a sua eliminação. Já Elisa, cria um elo afetivo com a criatura e decide resgatá-la do laboratório, levando-a para o seu apartamento, dando vazão a um inimaginável caso de amor entre um ser humano e uma criatura monstruosa misto de homem e anfíbio.
A grande similaridade porém de A Forma da Água, que conquistou quatro Oscars em 2018 – de melhor filme, melhor diretor, trilha sonora original e melhor direção de arte, além de abocanhar o Leão de Ouro, do Festival de Veneza de 2017 e de outros 11 prêmios em diversos festivais -, é segundo Guillermo Del Toro a sua inspiração  no cult movie  da UniversalO Monstro da Lagoa Negra (Creature of the Black Lagoon), de 1954, dirigido por Jack Arnold e que tem como base uma história em  que o pesquisador Carl Maia fotografa o que parece ser a nadadeira de um anfíbio presumivelmente extinto.
O cientista volta aos Estados Unidos para revelar  sua descoberta e obter apoio financeiro para o projeto de pesquisa visando a sua captura, mas ao retornar à Amazônia, o grupo ruma para a Lagoa Negra, onde encontra uma misteriosa criatura anfíbia interpretada por Bem Chapmann (nas cenas em terra) e Ricon Browning (na água), que pode ser o elo perdido entre duas espécies - uma aquática e outra terrestre.
Como uma espécie de continuação não oficial de O Monstro da Lagoa Negra, o filme A Forma da Água é ambientada também na  década de 60, mas reconstituída com requinte nas cores, nos cenários cuidados, nos veículos e até mesmo no fundo musical das cenas, revelando ao mesmo tempo os cenários  dos  conflitos políticos e transformações sociais e culturais dos Estados Unidos durante a Guerra Fria.
Neste cenário,  a muda Elisa Esposito, trabalha como faxineira em um laboratório experimental e secreto do governo americano, para onde é transportada uma estranha criatura anfíbia – que se parece na forma com o Monstro da Lagoa Negra - , mantida presa e torturada por  um sádico agente do serviço secreto Richard Strickland (Michael Shannon), que é por outro lado um dedicado pai de família e cuidadoso proprietário de um vistoso cadillac verde, o que o torna um personagem típico da banalidade do mal, como aquele homem que apenas realiza o seu trabalho acima das considerações éticas, morais e humanitárias.
Penalizada com o tratamento dado à criatura, que seria testada na corrida espacial com os russos – que sabem da sua existência e infiltram um agente para acompanhá-lo e ate matá-lo se preciso para que não fosse usado na corrida militarista de poder -,  por quem desenvolve um elo sentimental e de comunicação não verbal, Elisa recorre ao melhor amigo e vizinho  Giles (Richard Jenkins) e à colega Zelda (Octavia Spencer),  para sequestra-lo do centro de pesquisa, em uma aventura de alto risco e que pode custar o seu emprego e quem sabe até a sua própria vida, depois de uma perseguição implacável.
Hoje, num período em que o politicamente correto parece guiar as decisões no campo ético e moral, alguns críticos consideram que o filme é uma ode aos desajustados, aos incompreendidos, aos marginais, e em síntese aos párias que estão à margem de tudo. Em compensação, o cineasta Guillermo del Toro consegue, com A Forma de Água, um título poético e metafórico, construir um filme de grande  beleza plástica e marcado por um universo mágico,  com  elenco destacado por excelentes interpretações e  um final surpreendente, o que o torna um drama essencialmente romântico e que ao mesmo escapa à pieguice e à mesmice.

Ficha técnica

Título : The shape of water (A forma da água)
Direção: Guillermo del Toro
Roteiro: Guillermo del Toro e Vanessa Taylor
Elenco:  Sally Hawkins (Elisa Esposito), Michael Shannon (Richard Strickland), Richard Jenkins (Giles), Octavia Spencer (Zelda), Michael Stuhlbarg, (Dr. Robert Hoffstetler), Doug Jones (Homem anfíbio), David Hewlett (Fleming), Nick Searcy (General Hoyt)
Trilha sonora: Alexandre Desplat
Diretor de fotografia:  Dan Laustsen
Cenografia: Paul D. Austerberry



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