“Quem
controla o passado controla o futuro. Quem
controla o presente controla o passado”, esta frase que abre o filme 1984,
baseado na obra homônima de George
Orwell, escrita em 1948 e publicada no ano seguinte, define a essência do
autoritarismo e do exercício do poder absoluto pelos regimes autocráticos.
O filme
também representa um libelo e um alerta contra o uso da tecnologia cada vez
mais avançada a serviço dos regimes autoritários, revelando dois problemas dos
nossos dias: a perda da privacidade das pessoas e a despersonalização do
individuo transformado em um número estatístico ou numa não pessoa, apesar das
fotos sorridentes no facebook e da proliferação de selfies.
1984
mostra a vida de Winston Smith (John Hurt) um funcionário burocrático que trabalha
numa repartição de controle social. Ele atua reescrevendo a história,
suprimindo ou trocando fotos e biografias ou mesmo falsificando as
estatísticas, que mostram os avanços nem sempre reais de um sistema que
sobrevive a partir de duas bases de sustentação: o poder da coerção exercido através
do Grande Irmão, um computador que tudo sabe e tudo vê instalado nas casas,
empresas e órgãos públicos, além do apoio da ação operacional da onisciente Polícia
do Pensamento.
O erro
de Winston foi reagir às manipulações de dados e informações por um regime autoritário e belicoso, que se
impõe pelo medo e através de uma linguagem dúbia: a Novilíngua e o duplipensar,
que funcionam como fatores de coesão social interna contra um inimigo impessoal
e invisível, que pode ser Oceania, Lestásia, Eurásia, ou outro país qualquer a
depender da ocasião ou das circunstâncias. Outro inimigo anônimo e que está em
todos os lugares é personificado por um personagem inexistente como Goldstein,
uma peça de ficção do sistema para justificar a repressão aos seus opositores.
Winston
também desafia o sistema comprando bagulhos em mãos de um antiquário, que vende
de tudo, como uma centenária bola de vidro e até giletes velhas ou aluga por quatro dólares um quarto fora da
rede de um sistema impessoal, como também se apaixonando por uma mulher Julia (Suzanna
Hamilton), numa sociedade que impõe a castidade e o medo institucional através
da mera denúncia e da intimidação. A repressão sexual também é um instrumento
de poder do Big Brother e os dois acabam flagrados pelo Grande Irmão no quarto
onde realizavam encontros esporádicos.
O
elenco reúne ainda Richard Burton, que morre no mesmo ano do filme, em 1984,
aos 60 anos, no papel de O’brien, que
comanda a Policia do Pensamento e opera a tortura de Winston, a quem transforma
numa impessoa, ou seja, pessoa não existente e outsider de um sistema em que o
crime ideológico, o crime idéia é morte. Para ele, o poder é simplesmente a
capacidade de infligir a dor e de humilhar, para impor a lealdade ao partido.
Um
dos recursos de dominação do sistema comandado pelo Grande Irmão (Big Brother)
é a própria língua usada de forma simplificada e redutível a palavras
subvertidas, fundidas ou invertidas, num processo de institucionalização da
mentira e da fraude. O sistema se impõe através da manipulação permanente de
vocábulos, conceitos e informações, com a destruição diária de centenas de
palavras, fotos e imagens, reduzindo a língua à sua expressão mais simples,
rasteira e banal.
Quando
Winston é detido encontra na prisão um amigo também preso depois de denunciado
por um dos filhos, que faz a sua autocrítica e admite a sua culpa por crimes
conta o governo, que prega a guerra e a paz, a liberdade e a escravidão, numa
dialética louca, incompleta e logicamente incompreensível porque contraditória
e esquizofrênica. O regime se sustenta também através da corrupção, com o
acesso dos poderosos ao café a ao açúcar verdadeiro, coisas acima da imaginação
dos proletários, num sistema em que a mentira se torna verdade e depois a
verdade acaba virando uma mentira.
Num
sistema em que a questão não é mais a de se manter vivo, mas a de permanecer
humano na sua essência, o filme 1984 leva o espectador a uma série de reflexões
e análises sobre os dias hodiernos e a pós modernidade, que se impõe com uma
avalanche de equipamentos sofisticados (gadgets) e o desenvolvimento tecnologia
avançada, que põe em risco a privacidade do indivíduo. Alerta ainda para a
questão da tecnologia com o fortalecimento de sistemas autoritários, que usam
de forma crescente o controle da informação e a manipulação do fluxo de dados, como
instrumento de manutenção do poder para
um partido único e centralizador.
Assim,
uma das sequências mais dramáticas é da tortura de Winston, comandada por O’Brien, que usa a dor como
artifício e instrumento para a despersonalização do interrogado, que passa a
duvidar até se dois mais dois são quatro ou os cinco dedos da mão do
interrogador, ao impor que só a mente disciplinada pode ver e perceber a
realidade subjacente. A tortura também coloca em cheque todos os seus valores e
o seu universo que se dilui de forma gradativa, o que ocorre em paralelo à sua
visível degradação física, moral e psicológica, fazendo Winston questionar:
“como posso evitar o que meus olhos veem?” Talvez uma duvida supracartesiana.
A obra de Orwell é uma metáfora
mostrando o que pode representar o
controle da informação a serviço do aparelho do estado ou de grupos, que podem monitorar
a vida e a realidade das pessoas, que são maleáveis e sensíveis. O’Brien diz à
sua vitima ao levá-lo para a sala 101, onde está a pior coisa do mundo, ou
seja, aquilo que ele sabe a vitima ter mais medo: “se você é um homem, será o
último da sua espécie que foi extinta”. Será?
(Kleber Torres)
Ficha
técnica:
Titulo
:1984
Direção:
Michael Radford
Elenco:
John Hurt; Richard Burton, Suzanna Hamilton, Cyril Cusack, Gregor Fisher
Roteiro:
Jonathan Gems, baseado na obra de George Orwell
Música:
Eurithmics e Dominic Muldowney
Duração:
113 minutos
Lançamento:
(EUA) 1984
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