quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Muito além do universo zumbi






Dois filmes, um brasileiro “A Capital dos Mortos” (2008) e outro cubano “Juan dos Mortos” (2011), tratam de um tema em comum, mas universalizado pelo cinema e pela literatura: os zumbis/mortos vivos. Os dois têm como foco as capitais dos países respectivos invadidas sem explicação por mortos vivos, com um enfoque de crítica política e social embutida no seu bojo como uma metáfora, sendo o primeiro como uma tragédia e o segundo como uma comédia de terror ou talvez como  um filme de humor negro deveras inteligente e irônico.
“A Capital dos Mortos” é um filme brasiliense totalmente independente, lançado pela produtora Vortex Filmes, e é historicamente o primeiro longa do cinema nacional a explorar o gênero zumbis. O projeto dirigido por Tiago Belotti,  só foi possível devido a um esforço coletivo e o apoio do trabalho voluntário de técnicos e atores durante 28 meses de trabalho, com a superação de dificuldades as mais diversas, tendo entre os cenários da capital federal a Ponte JK, o Eixo Monumental e a Esplanada dos Ministérios.
O filme faz uma referência ao padre italiano Dom Bosco, que em 1883,  teve uma visão profética que a humanidade seria testada e que a cidade de Brasília, entre os paralelos 15 e 20  seria o palco de uma grande mudança. O visionário também viu sobre três gerações de sessenta anos e alertou para a terceira:  “aos filhos dessa terra, pois nesse dia, ela vomitará os seus mortos, que caminharão como bestas sem almas entre os vivos, e aquele que cair no domínio de um deles, um deles, se tornará”.
“A Capital dos Mortos Vivos” trata  da terceira geração, quando a cidade começa a ser tomada por zumbis e um grupo de amigos terá que fazer o possível e impossível para sobreviver quase sem chances, sem perspectivas e sem esperança.  Um deles conclui na parte final do filme, que “a vida é uma merda”, morrendo logo em seguida, ao ouvir a aproximação de um helicóptero que poderia salvá-lo se chegasse a tempo e depois de um contato com uma voz anônima pelo rádio.
Entre as curiosidades citadas pela produção está o fato de que a polícia foi acionada cinco vezes durante as filmagens de A Capital dos Mortos, sendo   a primeira delas numa cena no corredor de um prédio, onde a atriz gritou tanto, que uma vizinha achou que de fato alguém estava sendo assassinado. No filme foram utilizados cerca de 30 litros de sangue cenográfico durante a produção e os  150 zumbis  voluntários se alimentavam de forma intensa de pernas, braços, tripas, rins e das vísceras das vítimas tendo numa das cenas como pano de fundo um cartaz do McDonalds.
Já a sequência  da Ermida Dom Bosco foi considerada  a mais complicada e só foi concluída somente na quarta tentativa.  Na primeira choveu; na segunda não haviam zumbis  suficientes no elenco; e na terceira as atrizes que protagonizavam a cena não apareceram. O elenco reuniu Pablo Peixoto, Gustavo Serrate, Laura Moreira, Jean Carlo, Luísa Viotti, Angélica Ribeiro, Gino Evangelisti, Alice Stamato, Yana Borém, George Duarte, Diana Carneiro, Juliana Gregoratto, Lucas Pimenta, Irani Martins e Luís Machado, além de José Mojica Marins, com o refrão de que Brasília é a capital dos mortos.
Os efeitos especiais são assinados por Félix Rafael. A trilha sonora ficou a cargo de Renan Fersy  e o Device aparece como um dos destaques com as músicas Soul of Maggots e Kill You e o CDK com The Haunting, entre outros grupos. 

Já Juan dos Mortos é uma coprodução cubano-espanhola dirigida pelo argentino Alejandro Brugués. O filme conta a história de um grupo  amigos tem que lidar com o fato de todos a sua volta terem se infectando com um estranho vírus e se tornado zumbis, embora a mídia controlada pelo governo cubano ainda os tratasse como dissidentes financiados pelo governo imperialista dos Estados Unidos.

A ideia é excelente e mostra Juan Dias Villegas como o líder de grupo fora do sistema, que ainda arruma uma forma de ganhar dinheiro diante da tragédia, anunciando em panfletos escritos a mão e num telefone público gasto pelo tempo uma empresa especializadas em eliminar zumbis: "Matamos seus entes queridos". Tudo começa quando Juan e um amigo estão pescando numa jangada, pensando em remar até Miami e acabam matando ainda no mar o primeiro zumbi – um prisioneiro de Guantanamo com sua roupa laranja - com um tiro de arpão na cabeça.
Juan também se define como um sobrevivente  que resistiu em Mariel, em Angola e ao “período especial”, no caso a ditadura castrista, lembrando que é só ter uma chance que ele encontra um jeito e uma saída, com um sotaque bem brasileiro.  O filme como todas as comédias investe no non-sense para produzir críticas não só contra o sistema de governo do país, mas também contra os Estados Unidos e o cinema hollywoodiano, símbolos do imperialismo, mostrando como referências a Cuba o elevador que funciona de forma precária e com defeito por falta de manutenção, ou a vizinha reclamando do uso de medicamentos vencidos pelo marido que virou zumbi.
O filme valoriza a resistência e resiliência  do povo cubano, na superação  das  dificuldades cotidianas. A comédia faz referências  a Todo Mundo Quase Morto, com os personagens usando armas estilizadas como remos, tchaco e taco de basebol como instrumentos para matar os mortos vivos que infestam a cidade e destroem até mesmo um dos seus símbolos, que é igual ao capitólio de Washington.
Juan dos Mortos evita de forma inteligente o debate político e dribla a censura oficial, mas faz referências às burocráticas reuniões dos comitês de bairros, com seu hinário, tendo na agenda o roubo de toca-fitas nos carros estacionados na área e a ausência do líder da comunidade acometido de uma gripe e que depois chega matando varias pessoas já transformado num zumbi. A partir daí ruas de Havana acabam se transformado num cenário de filme de terror e terra arrasada, com muito sangue e corpos espalhados pelo chão, em  contraste com os painéis e as propagandas do regime destacando slogans nacionalistas  como "pátria ou morte", "revolução e morte" e "Havana livre".
Na rádio e televisão locais há informes de problemas de disciplina social em vários pontos da capital, atribuindo a ação a uma interferência do governo americano. Há ainda uma critica aos carros Ladas, que funcionam mal e o povio diexando a ilha em barco e balsas improvisadas e um americano Jones, que tinha um plano B, que não chega a explicar ao grupo de Juan e que os salva de uma chusma de zumbis.

O elenco tem a participação de Alexis Díaz de Villegas, Jorge Molina, Andrea Duro, Blanca Rosa Blanco, Antonio Dechent. Luis Alberto Garcia,Eliecer Ramires e Andros Perugorría e o filme é inteligente, leve, bem humorado, às vezes machista e mostra que a única saída da ilha é ainda o mar.

No final, Juan embarca a filha, o namorado, um amigo e uma criança em direção a Miami num carro transformado num barco, mas opta por continuar em Cuba resistindo aos zumbis como der e vier, tendo como pano de fundo  uma versão roqueira e meio punk de "My Way", clássico da música americana e universal imortalizado por Frank Sinatra, o que o coloca em sintonia com o brasileiro “A Capital dos Mortos”, que tem como referência o hardcore punk. (Kleber Torres)

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