Dois filmes, um brasileiro “A Capital dos
Mortos” (2008) e outro cubano “Juan dos Mortos” (2011), tratam de um tema em
comum, mas universalizado pelo cinema e pela literatura: os zumbis/mortos vivos.
Os dois têm como foco as capitais dos países respectivos invadidas sem
explicação por mortos vivos, com um enfoque de crítica política e social embutida
no seu bojo como uma metáfora, sendo o primeiro como uma tragédia e o segundo
como uma comédia de terror ou talvez como
um filme de humor negro deveras inteligente e irônico.
“A Capital dos Mortos” é um filme brasiliense
totalmente independente, lançado pela produtora Vortex Filmes, e é
historicamente o primeiro longa do cinema nacional a explorar o gênero zumbis.
O projeto dirigido por Tiago Belotti, só
foi possível devido a um esforço coletivo e o apoio do trabalho voluntário de
técnicos e atores durante 28 meses de trabalho, com a superação de dificuldades
as mais diversas, tendo entre os cenários da capital federal a Ponte JK, o Eixo
Monumental e a Esplanada dos Ministérios.
O filme faz uma referência ao padre italiano
Dom Bosco, que em 1883, teve uma visão
profética que a humanidade seria testada e que a cidade de Brasília, entre os
paralelos 15 e 20 seria o palco de uma
grande mudança. O visionário também viu sobre três gerações de sessenta anos e
alertou para a terceira: “aos filhos
dessa terra, pois nesse dia, ela vomitará os seus mortos, que caminharão como
bestas sem almas entre os vivos, e aquele que cair no domínio de um deles, um
deles, se tornará”.
“A Capital dos Mortos Vivos” trata da terceira geração, quando a cidade começa a
ser tomada por zumbis e um grupo de amigos terá que fazer o possível e
impossível para sobreviver quase sem chances, sem perspectivas e sem esperança. Um deles conclui na parte final do filme, que
“a vida é uma merda”, morrendo logo em seguida, ao ouvir a aproximação de um
helicóptero que poderia salvá-lo se chegasse a tempo e depois de um contato com
uma voz anônima pelo rádio.
Entre as curiosidades citadas pela produção
está o fato de que a polícia foi acionada cinco vezes durante as filmagens de A
Capital dos Mortos, sendo a primeira
delas numa cena no corredor de um prédio, onde a atriz gritou tanto, que uma
vizinha achou que de fato alguém estava sendo assassinado. No filme foram
utilizados cerca de 30 litros de sangue cenográfico durante a produção e
os 150 zumbis voluntários se alimentavam de forma intensa
de pernas, braços, tripas, rins e das vísceras das vítimas tendo numa das cenas
como pano de fundo um cartaz do McDonalds.
Já a sequência da Ermida Dom Bosco foi considerada a mais complicada e só foi concluída somente
na quarta tentativa. Na primeira choveu;
na segunda não haviam zumbis suficientes
no elenco; e na terceira as atrizes que protagonizavam a cena não apareceram. O
elenco reuniu Pablo Peixoto, Gustavo Serrate, Laura Moreira, Jean Carlo, Luísa
Viotti, Angélica Ribeiro, Gino Evangelisti, Alice Stamato, Yana Borém, George
Duarte, Diana Carneiro, Juliana Gregoratto, Lucas Pimenta, Irani Martins e Luís
Machado, além de José Mojica Marins, com o refrão de que Brasília é a capital
dos mortos.
Os efeitos especiais são assinados por Félix
Rafael. A trilha sonora ficou a cargo de Renan Fersy e o Device aparece como um dos destaques com as
músicas Soul of Maggots e Kill You e o CDK com The Haunting, entre outros
grupos.
Já Juan dos Mortos é uma coprodução cubano-espanhola
dirigida pelo argentino Alejandro Brugués. O filme conta a história de um
grupo amigos tem que lidar com o fato de
todos a sua volta terem se infectando com um estranho vírus e se tornado
zumbis, embora a mídia controlada pelo governo cubano ainda os tratasse como
dissidentes financiados pelo governo imperialista dos Estados Unidos.
A ideia é excelente e mostra Juan Dias Villegas
como o líder de grupo fora do sistema, que ainda arruma uma forma de ganhar
dinheiro diante da tragédia, anunciando em panfletos escritos a mão e num
telefone público gasto pelo tempo uma empresa especializadas em eliminar zumbis:
"Matamos seus entes queridos". Tudo começa quando Juan e um amigo
estão pescando numa jangada, pensando em remar até Miami e acabam matando ainda
no mar o primeiro zumbi – um prisioneiro de Guantanamo com sua roupa laranja -
com um tiro de arpão na cabeça.
Juan também se define como um
sobrevivente que resistiu em Mariel, em
Angola e ao “período especial”, no caso a ditadura castrista, lembrando que é
só ter uma chance que ele encontra um jeito e uma saída, com um sotaque bem
brasileiro. O filme como todas as
comédias investe no non-sense para produzir críticas não só contra o sistema de
governo do país, mas também contra os Estados Unidos e o cinema hollywoodiano,
símbolos do imperialismo, mostrando como referências a Cuba o elevador que
funciona de forma precária e com defeito por falta de manutenção, ou a vizinha
reclamando do uso de medicamentos vencidos pelo marido que virou zumbi.
O filme valoriza a resistência e resiliência do povo cubano, na superação das dificuldades cotidianas. A comédia faz referências
a Todo Mundo Quase Morto, com os
personagens usando armas estilizadas como remos, tchaco e taco de basebol como
instrumentos para matar os mortos vivos que infestam a cidade e destroem até
mesmo um dos seus símbolos, que é igual ao capitólio de Washington.
Juan dos Mortos evita de forma inteligente o
debate político e dribla a censura oficial, mas faz referências às burocráticas
reuniões dos comitês de bairros, com seu hinário, tendo na agenda o roubo de
toca-fitas nos carros estacionados na área e a ausência do líder da comunidade
acometido de uma gripe e que depois chega matando varias pessoas já
transformado num zumbi. A partir daí ruas de Havana acabam se transformado num
cenário de filme de terror e terra arrasada, com muito sangue e corpos espalhados
pelo chão, em contraste com os painéis e
as propagandas do regime destacando slogans nacionalistas como "pátria ou morte",
"revolução e morte" e "Havana livre".
Na rádio e televisão locais há informes de
problemas de disciplina social em vários pontos da capital, atribuindo a ação a
uma interferência do governo americano. Há ainda uma critica aos carros Ladas,
que funcionam mal e o povio diexando a ilha em barco e balsas improvisadas e um
americano Jones, que tinha um plano B, que não chega a explicar ao grupo de
Juan e que os salva de uma chusma de zumbis.
O elenco tem a participação de Alexis Díaz de
Villegas, Jorge Molina, Andrea Duro, Blanca Rosa Blanco, Antonio Dechent. Luis
Alberto Garcia,Eliecer Ramires e Andros Perugorría e o filme é inteligente, leve,
bem humorado, às vezes machista e mostra que a única saída da ilha é ainda o
mar.
No final, Juan embarca a filha, o namorado,
um amigo e uma criança em direção a Miami num carro transformado num barco, mas
opta por continuar em Cuba resistindo aos zumbis como der e vier, tendo como
pano de fundo uma versão roqueira e meio
punk de "My Way", clássico da música americana e universal imortalizado
por Frank Sinatra, o que o coloca em sintonia com o brasileiro “A Capital dos
Mortos”, que tem como referência o hardcore punk. (Kleber Torres)
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