terça-feira, 30 de setembro de 2014

Dois momentos da repressão



Os 20 anos de ditadura que prevaleceram após o golpe militar de 1964 não deixaram apenas um rastro de presos políticos,  dos quais pelo menos 1.843  foram torturados durante o período de 1964 a 1985 e mais de 400 mortos, além de  130 milhões de brasileiros insatisfeitos e frustrados. A repressão e a ditadura militar também geraram centenas de livros, discos, filmes, além de jornais censurados ou liberados.
No cinema “Prá Frente Brasil” e “Eles não usam Black Tie” aparecem como duas  sagas da ditadura com leituras diversas e enfrentando problemas com a censura. O primeiro, disseca numa ficção calcada na realidade de Operação Bandeirante, com  a institucionalização da tortura e que teve como um dos símbolos o delegado Fleury e a conquista do tricampeonato mundial no período de Garrastazu Médici .
O segundo filme de Leon Hirsman, adaptado a partir de uma peça de sucesso de Gianfancesco Guarnieri, também com excelente desempenho como ator, fazendo uma radiografia ampla do movimento operário brasileiro durante o regime de exceção. O filme tem fortes conotações políticas e ideológicas, chegando na sua essência a ser panfletário, mas sem perder a sua característica  de uma obra de arte universal ao transcender em termos de valores morais e do drama existencialmente humano dos seus personagens.
Por estas qualidades artísticas ele conquistou prêmios internacionais como o Leão de Ouro, um prêmio especial do júri no Festival de Cannes, em 1981 e o Prêmio Coral, no II Festival do Cinema Latino Americano, em Cuba e no Festival dos Três Continentes, na França. Ainda em 1981, ele recebeu o prêmio Air France de cinema como melhor filme, melhor diretor, melhor atriz e um prêmio especial para Guarnieri.  Dois anos depois, ele ainda voltou a ser premiado no festival de Cartagena, na Colômbia.
Os resultados exitosos do filme podem ser atribuídos a vários fatores a exemplo do texto primoroso adaptado para o cinema, bem como a competente direção de Leon Hirzman, que reuniu um elenco de primeiro time com Carlos lberto Ricelli (Tião), Bete Mendes (Maria), Fernanda Montenegro (Romana),  Gianfracesco Guarnieri (Otávio) e Milton Gonçalves (Bráulio).
Em síntese, o filme conta a história de uma família de operários convivendo com a pobreza, a falta de recursos e seus dramas. O pai, Otavio é um líder operário que havia passado três anos três anos na cadeia e que como torneiro mecânico de uma indústria de grande porte, assume a luta em defesa de melhores salários e por melhores condições de trabalho.
O seu filho Tião, por seu turno, segue um roteiro inverso, preocupado com o casamento imediato com Maria e se prestando a apontar colegas de trabalho, que demitidos  sumariamente facilitavam assim a sua ascensão e escalada na empresa, com promoção para outros cargos. Numa greve, Tião é desmascarado como dedo-duro e identificado como um fura greve. Ele acaba perdendo o apoio do pai e da própria namorada, além do emprego que abandona por falta de ambiente entre os colegas.
O filme termina com uma passeata no enterro do líder operário Bráulio, morto em um piquete diante da fábrica. Sua morte não foi acidental e acabou no filme como uma bandeira de luta para fortalecer o movimento  dos trabalhadores. Os diálogos secos e de poucas palavras deram densidade ao filme, que em seu conjunto nos leva a um questionamento  sobre o destino de um país depois de 15 anos de ditadura – período em que Eles não usam Black Tie foi produzido-, com a formação de uma geração apática e alienada, além de deixar um povo marcado pelo medo e pela insegurança, o que se reflete na violência urbana, uma outra face da mesma moeda.
Eles não usam Black-Tie também mostra com nitidez como funcionava a repressão  policial e uma batida  num bairro operário, na sua abertura e a caça sistemática de policiais fortemente armados com metralhadoras na captura de um marginal pé de chulé, que acaba morto com rajadas de metralhadoras caindo próximo a um grupo de trabalhadores indiferentes e que as vezes também são vitimas dos assaltos, mas também não estavam indenes à ação repressiva e coercitiva dos policiais.
Prá Frente, Brasil (1982) foi historicamente um dos primeiros filmes a tratar da questão da repressão durante e ditadura militar no Brasil, durante o período de  1964 a 1985 e por isso mesmo caiu nas malhas da censura e só foi liberado para exibição  no ano seguinte à sua produção. O filme conta a  história de Jofre (Reginaldo Farias), o homem de classe média sequestrado e torturado por engano sob acusação de subversão, um drama que afeta a ele, seus familiares e as pessoas que o cercam.
O drama tem também  como cenário o ano de  1970, na época dos anos de chumbo e do milagre econômico. Assim, enquanto o país vibra com a conquista do tricampeonato  mundial pela seleção brasileira de futebol, embalado pela música ufanista Prá Frente, Brasil, presos políticos eram torturados por agentes da repressão e até pessoas mesmo inocentes eram vítimas da violência oficial.
Jofre é preso ao dividir um táxi com um militante de esquerda, e acaba preso e submetido a inúmeras sessões de tortura. O seu irmão Miguel (Antônio Fagundes)  e sua mulher Marta (Elizabeth Savalla) tentam encontrá-lo através dos meios legais, mas se deparam com a omissão da polícia em investigar o caso. Miguel fica sabendo da atuação de um grupo de repressão política patrocinado por empresários e tenta inutilmente ajudar ao irmão desaparecido.
Jofre consegue fugir de seu cativeiro, mas é alcançado e morto pelos torturadores ao som dos gols do jogo da final entre Brasil x Itália e da marchinha "Pra frente, Brasil", que dá o nome ao filme. Vale salientar que é justamente  nas sequencias finais do filme, ao partir do suspense para a ação, inclusive com cenas de tortura e de vingança, que estão as melhores cenas de Prá Frente, Brasil, desde o cerco à casa onde estão os familiares de Jofre, com tomadas tradicionais de faroestes, e terminando em uma perseguição de carro numa autoestrada  no estilo dos road-movies. (Kleber Torres)


Ficha Técnica :
Pra frente, Brasil
Direção        : Roberto Farias
Roteiro: Roberto Farias
Elenco          Reginaldo Farias, Natália do Valle. Antônio Fagundes, Elizabeth Savalla, Carlos Zara, Cláudio Marzo, Neuza Amaral, Ivan Cândido, Flávio Migliaccio e Milton Moraes
Ano : 1982

Duração : 105 min 

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