quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Uma coleção visível da crise do cacau e seus desdobramentos






O impacto da vassoura de bruxa, praga que dizimou as plantações de cacau do sul da Bahia e desestruturou a cadeia produtiva é o pano de fundo do filme A Coleção Invisível (2012), conquistando vários prêmios no Brasil e no exterior.  A crise afetou 250 mil trabalhadores rurais que ficaram desempregados e se deslocaram para a periferia das cidades,  gerando problemas de desestruturação familiar, prostituição e aumento da violência urbana.
A doença – que segundo alguns teria sido introduzida criminosamente na região, o que não é evidenciado no filme - , também empobreceu 30 mil produtores, como Samir Luedy, interpretado por Walmor Chagas, que tem uma excelente  interpretação no seu último filme, sob a direção do cineasta franco-baiano Bernad Atal, antes de uma morte abrupta e brutal.
Tudo começa quando Beto (Vladmir Brichta), um jovem atravessa uma crise pessoal e financeira familiar que o leva a viajar pela região cacaueira, mais precisamente em Itajuípe, em busca de colecionadores de obras de arte para ampliar o faturamento da loja de antiguidades da família. A sua vida muda partir do encontro com um velho colecionador de arte, Samir Luedy, que vivia recluso na velha e decadente fazenda Mundo Novo, a qual vai se transformando num monte de ruínas,  mudando a sua visão da realidade.
Apesar das barreiras para chegar ao fazendeiro, criadas pela mulher e pela filha do colecionador Ludmila Rosa (Saada) acaba se desenvolvendo uma relação de amizade entre Beto e Samir, que vivem um intervalo de tempo entre duas gerações que se interpõem e se completam. Beto irá descobrir um segredo guardado no tempo e Samir, um cacauicultor empobrecido e que mantém uma fortuna preciosa de desenhos de grandes artistas, a exemplo de raridades de Cicero Dias, o que fará reencontrar-se com sua própria história familiar como vendedor de obras de arte e com o amor.
A crise do cacau é retratada numa fala de Saada ao lembrar que em função da praga tudo começou a desaparecer da fazenda, que foi ficando vazia, perdendo os lustres, as coisas da casa, bem como cristais e porcelanas, por certo vendidos para garantir o sustento da família e o pagamento dos trabalhadores que restaram. Já Samir, na sua decadência descobriu o óbvio: nunca fora um agricultor, mas um colecionador de gravuras e constata que o colecionador ainda é pior que os artistas, porque nunca estão satisfeitos e nem realizados.
O filme também trata do impacto ambiental mostrando o perígo do desmatamento na Mata Atlântica em conseqüência do avanço da praga e aponta a saída para a produção de cacau orgânico. O  roteiro da Coleção Invisível, é assinado Sergio Machado, Iriane Mascarenhas e pelo diretor Bernard Atal,  é inspirado no conto homônimo do Stefan Zweig, escritor que se refugiou no Brasil no final dos anos trinta, após o avanço do nazismo  e é autor de “Brasil, país do futuro”.
As sequências de  Coleção Invisível foram filmadas em Salvador, Itajuípe e em fazendas na região do cacau, que chegou a produzir 400 mil toneladas de cacau e a exportar nos anos 80 do século passado mais de US$ 1 bilhão. A decadência começa após a eclosão da vassoura de bruxa, uma praga devastadora que arruinou as  plantações e criou situações dramáticas na vida dos habitantes da região, gerando mortes, suicídios, perdas de fazendas para bancos e aumentando as invsões de terras, agravando os conflitos fundiários. (KLeber Torres)

Ficha técnica:
Titulo : A Coleção Invisível
Direção : Bernard Atal
Roteiro : Sergio Machado, Iriane Mascarenhas e Bernard Atal a partir de um conto de Stefan Zweig
Elenco : Vladmir Brichta (Beto),Walmor Chagas (Samir), Ludmila Rosa (Saada), Conceição Sena (Dona Iolanda), Clarissa Abujamra (Dona Clara), Paulo César Pereio (locutor de rádio)

Ano : 2011

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Os vários ângulos de um retrato de Susan Sontag




          Dez anos após a sua morte, Susan Sontag teve a sua vida revisitada no filme “Regarding Susan Sontag”,   dirigido por Nancy Kates, em 2014, que reconstituiu a trajetória da  um dos maiores símbolos da literatura, do feminismo, do movimento GLBTS  e da política, que assumiu posições com relação à guerra do Vietnã e a dos seis dias no Oriente Médio. O documentário reúne imagens e arquivos pessoais da escritora, que também foi ensaísta e incursionou no universo do cinema e da fotografia, além de incluir depoimentos de familiares, amigos e ex-amores de ambos os sexos uma das mulheres mais fascinantes e inteligentes que o mundo já viu.
          O filme revela que muito além da figura icônica, ela aparece como mulher apaixonante e apaixonada, e que enfrentado três cânceres – um no seio aos 40 anos, um sarcoma uterino aos 60 e um câncer no sangue que lhe custou a vida após um transplante mal sucedido –, ainda considerava que “os 70 anos me parecem uma coisa bem legal” e ainda tinha projetos para o futuro. A morte, decididamente, parecia fora dos seus planos.
          Para Susan Sontag todos os escritores interessantes e de todos os tempos foram críticos da sociedade em que viveram e adversários do sistema, ao qual manifestavam sempre uma opinião discordante. No atentado de 2001, que resultou na queda das Torres Gêmeas, por exemplo, ela considerou a ação dos terroristas como um ataque que pôs em cheque a hegemonia de uma potência mundial.
          Ela também considerava que a batalha pela paz “jamais será vencida se chamamos a quem não gostamos de comunista” e defendia de unhas e dentes o direito democrático de cada um expressar livremente as suas opiniões e idéias. Sontag definia o escritor como alguém interessado em arte, política e na psicologia das pessoas, complementando depois: ”toda obra literária é política e todas as ações são políticas.”
          Neste conjunto entre ficção  e literatura, a escritora acreditava que a narrativa é o que permanece no final das contas e salienta que na literatura a verdade é algo oposto ao que é apresentado, mas também é a própria essência da verdade.
           “Regarding Susan Sontag” incursiona na infância da autora, no casamento aos 17 anos,  nascimento do seu filho David aos 19 e da sua separação do marido aos 24, quando elaborou uma lista de obrigações como a de ensinar o filho a ler e de escrever no mínimo duas horas por dia. O filme  abordou ainda a movimentada vida amorosa e sexual de Susan, que nunca ocultou a sua bissexualidade, um assunto que sempre tratou como uma questão pessoal. As suas relações com homens e mulheres constavam apenas das anotações em seus diários publicados postumamente e referenciados no filme.
          O documentário inclui depoimentos de alguns de seus amantes dos dois sexos, que relembram sua busca por amor em diversos momentos da vida. Ela admite em  suas anotações pessoais que sofreu no casamento com a perda da sua personalidade e depois de entrar em Oxford para estudar filosofia, embarcou para Paris, onde conheceu Harriet, a quem fez uma apaixonada declaração de amor e incursionou no cinema  participando dos filmes da Nouvelle Vague.
          Depois do divórcio ela começa a publicar romances, novelas e ensaios. O seu primeiro livro foi O Benfeitor, traduzido em 18 idiomas, a quem considerava um romance filosófico, lembrando que “ninguém mais escreve de forma linear”, mas que não foi bem recebido pela critica que considerava a sua prosa como abstrata, comprando-o com um romance ruim e que teve uma tradução barata de outra língua. Também participou de uma série de happenings e ao longo do tempo recebeu vários prêmios como reconhecimento pelo seu trabalho.
          Como ficcionista, crítica literária e autora de ensaios influentes em campos diversos, ela escreveu ainda o polêmico “Notas on Camp”, em que enfocava a questão da estética gay e a erotização da arte, depois publica “I, etcetera”, que reunia oito contos, além do célebre ensaio “Sobre a fotografia” e da “A doença como metáfora”).  Bonita, fotogênica e de fluência verbal, ela soube trabalhar a própria imagem como poucos artistas contemporâneos e foi uma das mulheres mais fotografadas de todos os tempos, tendo posado inclusive para Andy Wharol e como figurante em filmes da Nouvelle Vague, isso sem falar nas frequentes aparições na televisão e até protagonizando participações em peças publicitárias.
          Este desempenho multimidiático a transformou numa celebridade global, com  status de ícone pop, o que ajudou a criar um estereótipo de intelectual militante e participativo do século XX, o que ela justificava explicando em suas freqüentes entrevistas em rádios, jornais e televisões: “sou uma militante feminista, mas não uma feminista militante,” complementando: “ser mulher é ser uma atriz, vivendo numa espécie de teatro, com cenários, luzes e gestos estilizados”.
          Numa outra fase, ela incursiona na análise dos filmes de terror e o mundo trash, partindo para dirigir filmes, ficando nos bastidores atrás das câmeras, com sua magia> para ela nossa visão do mundo é guiada por imagens fotográficas, mas em contrapartida, as imagens muitas vezes distanciam o observador do tema que retratam.
          Como ativista contra a guerra do Vietnã ela acabou convidada pelo governo comunista do Vietnã do Norte para visitar aquele país em confronto contra os Estados Unidos. Ela também declarou que a guerra é tão terrível, que nenhuma fotografia por mais chocante que seja será capaz de descrever a dimensão da tragédia e também se manifestou politicamente contra a cultura da guerra e a industria bélica.
          Para Susan Sontag, também a alta cultura está ameaçada e tem a mesma qualidade das espécies ameaçadas de extinção. O documentário revela ainda que a imagem criada por ela  na sociedade nem sempre encaixa  com a de sua vida privada, que é muito mais complexa e contraditória, pois a escritora como uma pessoa aparecia como generosa e charmosa, mas ao mesmo tempo era  cruel e arrogante, com uma pessoa todos os defeitos dos seres humanos e transitórios.
           “Regardin susan Sontag” acaba nos revelando duas facetas da escritora: primeiro, que ela não era feliz e sentia que não fora boa o bastante, mas também mostra o seu temor da morte e da extinção inevitáveis, o que considerava como o oposto de qualquer coisa lembrando: “ se você tem curiosidade por tudo, se interessa por tudo, aí é difícil morrer.” (Kleber Torres)

Ficha técnica:

Título : Regarnding Suzan Sonrtaf
Produção e direção: Nancy kates
Roteiro: John Hoptas / Nancy Kates

Música : Laura Kapmann e Nora Ktoll-Rosenbaum

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Zelig e a eterna busca do sentido da vida





          Considerado um filme essencialmente nietzscheano e uma reflexão sobre a condição humana, Zelig (1983), cujo nome em ídiche significa abençoado ou protegido, é um falso documentário dirigido e escrito por Woody Allen, tendo como  cenário as décadas de 1920 e 30, para mostrar a vida Leonard Zelig, um homem desinteressante, mas que tem a capacidade de transformar sua aparência na das pessoas que o cercam ajustando-se ao ambiente e às circunstâncias do seu entorno. O documentário é registrado em preto e branco, enquanto os depoimentos recentes são coloridos e fazem um contraponto com a história ficcional do personagem.
          Em termos metafóricos, Zelig é uma espécie de camaleão humano criado por Woody Allen  para contar a parábola de homem que é a soma de todos, mas ao mesmo tempo nenhum, sofrendo os mesmos dissabores dos atores sociais que viveram em todos os tempos e lugares. O filme assume uma faceta hiperealista  ao usar cenas de documentários a ponto de fazer com que o espectador acredite que o personagem efetivamente existiu, sendo retratado na forma de uma comédia e de brincadeiras criativas, num documentário similar à proposta de O Assaltante Bem Trapalhão (Take the Money and Run), de 1969, do mesmo cineasta.
          O multifacetado Zelig interpretado pelo próprio Woody Allen é visto  inicialmente numa festa, pelo escritor F. Scott Fitzgerald –um personagem real que viveu intensamente entre os anos 20 e 40-, o qual percebe que, ao mesmo tempo em que ele circula entre os convidados  como Leon Zelmann, louvando as elites num sotaque refinado e esnobe. Em seguida, ele se mistura aos criados na cozinha, onde aparece vociferando enfurecidamente contra os "gatos gordos" num forte sotaque proletário e com uma entonação marxista e anárquica.
          Por suas características, ele rapidamente ganha fama em todo o mundo como um camaleão humano, sendo tratado como uma  celebridade pelos jornais e ganhando destaque no noticiário das rádios, bem como aparecendo no mundo da música e do cinema, influenciando a moda e o lançamento de produtos como bonecos e outros objetos de consumo.
          No filme são registrados depoimentos de pessoas de carne o osso como a escritora e critica de arte americana Susan Sontag, que o considera Zelig como um fenômeno do século 20 e o compara como celebridade a Charles Lindbergh, um pioneiro da aviação estadunidense e ficou famoso por ter feito o primeiro voo solitário transatlântico sem escalas em avião, em 1927. Já o critico literário e social Irving Howe, de origem judaica,  falou da estranheza do personagem e o escritor Saul Bellow declarou que Zelig era divertido e mexeu com as pessoas do seu tempo. 
          A produção envolveu um criterioso trabalho de montagem e trucagem que consumiu três anos de trabalho, servindo para reescrever momentos da história entre os anos 20 e a eclosão do nazismo na década de 30 do século passado, mostrando as vezes Zelig como uma figura tímida  e outras como um personagem histriônico e um mero bobo da corte, que também aparece como uma figura circunspecta a depender do momento e da cena. A história é subvertida pelo humor, como alternativa diante de uma realidade por vezes absurda.
          Allen utilizou-se de imagens reais de cinejornais de época, e inseriu a si mesmo e outros atores com o auxílio da técnica do chroma key. Para dar uma aparência autêntica às suas cenas, ele e o diretor de fotografia Gordon Willis utilizaram diversas técnicas, como localizar algumas das câmeras e lentes utilizadas originalmente durante os períodos mostrados no filme, e até mesmo simulando danos aos negativos, como arranhões e rugas, para fazer com que o produto final parecesse realmente antigo. O personagem aparece depois na Florida.
          É nesse contexto que entra em cena a  médica Eudora Fletcher (Mia Farrow), uma psicanalista que quer ajudar Zelig como vítima de um estranho distúrbio não diagnosticado ao ser internado em seu hospital. Através do uso da hipnose, ela  descobre que Zelig não tem problemas fisiológicos, mas sim psicológicos, pois anseia tão fortemente por aprovação das pessoas que se altera fisicamente, na esperança de se adequar e atender assim às expectativas dos  que o cercam melhorando o seu relacionamento em relação a um mundo adverso, hostil e nem sempre racional.
          Usando uma série de técnicas psicanalíticas e drogas experimentais, bem como recorrendo aos recursos da anamnese  e até  a gravação em filme das sessões de terapia, ela consegue de certa forma uma reversão dos sintomas, não sem gerar  algumas complicações colaterais para o paciente. Mesmo assim, colhe bons resultados e ela eleva a auto-estima de Zelig, cujo pai ao morrer ensinou a vida é um pesadelo de sofrimento sem sentido, mas não soluciona o seu drama pessoal.
          O filme embute uma sátira aos diagnósticos  dos analistas  como estratégia para se autoafirmarem com o seu jargão perante os pacientes e ao público leigo, mas revela ao mesmo tempo os problemas da falta de compreensão e de amor, bem como a necessidade de aceitação das pessoas para o convívio social, o que ocorre na família, no trabalho, na escola, o que nos remete e Friedrich Nietzsche  para quem nós nos sentimos bem em meio à natureza porque ela não nos julga.
          Nesse ínterim, sua Irmã o tira do hospital e o leva para casa, o que culmina numa tragédia familiar quando ela se envolve com um toureiro e acaba assassinada num complicado triangulo amoroso, enquanto a médica insiste e recorre até à justiça para tentar continuar o tratamento interrompido do paciente. Zelig, cujo segredo do sucesso é a não existência e vive como uma não pessoa,  continua sua escalada no hall da fama e é apontado como um fenômeno do século XX, mudando sempre de aparência, sendo tema de um filme sobre a sua vida, rendendo dividendos ao consumo com a comercialização de bonecos, canetas, games, músicas e até com a propagação da dança do camaleão uma variante do charleston.
          Depois da morte da irmã, Zelig, que fora esquecido pela mídia saturada de distração, reaparece num incidente no Vaticano e retoma o tratamento, para identificar se ele é psicótico ou neurótico. Ao assumir o papel de médico na retomada do tratamento, ele fala de paranóia delirante e Eudora Fletcher desenvolve uma estratégia com uma espécie de choque de realidade, quando ele acaba admitindo o obvio: “não sou ninguém, não sou nada”.
          Zelig fala do seu drama existencial e lembra de ter ido na juventude  a uma sinagoga para saber do rabino o sentido da vida, quando é informado em hebraico língua que não compreendia. O rabino se propõe assim a ensinar a língua dos seus antepassados mediante uma módica contribuição de 600 dólares. Na estratégia de resgatar a personalidade perdida do paciente, ela consegue que ele comece a falar verdades que nem pensaria,  dizendo, por exemplo, que odeia a vida no campo, que a médica é uma péssima cozinheira, se define como democrata e acaba sendo avaliado por uma junta médica que atesta a sua cura depois de um debate sobre as condições do tempo.
          Com a repercussão do caso Eudora, que se apaixona por Zelig, ganha fama e se torna também objeto de homenagens de cientistas, sendo recebida na mansão William Randolph Hearst, frequentada por artistas de cinema, músicos e cantores. Devido à cobertura feita pela mídia sobre o caso, tanto o paciente quanto a doutora tornam-se parte da cultura popular de seu tempo e ele admite que era um camaleão e não mais o é.
          A fama, contudo, só trouxe problemas ao casal e  a mesma sociedade que fez de Zelig um herói, acaba por destruí-lo, quando ele admite que mudou. Ele é acusado de bigamia por uma mulher e identificado como o pai de gêmeos abandonados por uma outra,  também é responsabilizado erros médicos quando se passava por um profissional de saúde e por imperícia até como pintor de parede, até a historia da sua vida que havia vendido para um estúdio cinematográfico acaba jogada na lata do lixo e a empresa cobra o seu dinheiro de volta.
          Mesmo assumindo os erros e pedindo desculpas,  Zelig é chamado de criminoso e é  considerado uma má influência moral, mas continua recebendo o apoio da mulher e médica. Como conseqüência dos problemas enfrentados, ele tem uma recaída e se transforma em grego num restaurante de comidas típicas da Grécia, e depois desaparece evanescendo nas brumas do tempo.
          Eudora Fletcher inicia então uma busca incansável por ele e pede ajuda até da polícia na tentativa de achar Zelig. Ele foi visto como mariachi, no México, o que não foi confirmado e acaba sendo identificado num jornal cinematográfico onde é visto ao lado de Hitler e simpatizantes nazistas na Alemanha. A médica viaja para a Europa e o encontra num grande comício, onde Zelig ao vê-la atrapalha um discurso do líder máximo do nazismo e acaba perseguido pela SS, na fuga ele rouba um avião e bate o recorde na travessia do Atlântico, voando de cabeça para baixo e voltando ao noticiário.
          Zelig é recebido com festa nos Estados Unidos e a fuga audaciosa lhe rende aplausos e elogios do governo americano. O fato interessante é que sua adaptabilidade  às coisas, a sua doença, acabou sendo a sua salvação e como tudo tem um final feliz, ele e a médica se casam, vivendo felizes para sempre. Zelig lamenta no final da vida, que o único mal de morrer é que não havia terminado de ler Moby Dick, de Herman Melville  (Kleber Torres)

Ficha técnica
Direção - Woody Allen     
Roteiro - Woody Allen      
Elenco -  Woody Allen, Mia Farrow, Patrick Horgan (narrator), Susan Sontag, Saul Bellow e Irving Wowe
Música  - Dick Hyman      
Fotografia - Gordon Willis
Estados Unidos

1983

domingo, 8 de novembro de 2015

A Torre Quebrada de James Franco



A Torre Quebrada de James Franco, que também interpreta o personagem principal, é um filme biográfico sobre Hart Crane, um poeta americano do início do século XX, que abriu seu coração à poesia e ao amor homossexual, mas não resistiu às pressões sociais e à instabilidade de suas emoções que o conduziram ao suicídio, jogando-se no mar quando voltava do México, onde viveu algum tempo, para os Estados Unidos.
          Influenciado por Walt Whitman, Pound e Eliot, ele publicou em 1926 sua primeira coleção de poemas simbolistas. Após a edição de Bridge (Ponte), em 1930, um livro cheio de otimismo em relação aos EUA, que atravessa uma séria crise econômica, Hart Crane entrou numa profunda depressão, embora continuasse a produzir em quantidade.Esta fase da vida do autor é reproduzida no filme, que funde a obra e a biografia do poeta.
          Crane se consagrou como um dos poetas mais influentes da sua geração, sendo citado, muito posteriormente, em Howl (Uivo) e outros poemas  de Allen Ginsberg, como um dos autores que mais influenciaram a geração beat e por tabela à contracultura.
Ficha técnica :

Título: A Torre Quebrada /  The Broken Tower
Direção:  James Franco
Elenco:  Betsy Franco, Richard Abate, Michael Shannon, James Franco, Paul Mariani, Shandor Garrison
País:  EUA
Ano: 2011
Duração:  104 min

Cor:  Colorido

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Os múltiplos roteiros e caminhos da envelhescência





          O longa metragem Envelhescência relata, em 84 minutos, a história de seis pessoas idosas que vivem a vida de maneira plena e nos mostram, através de suas próprias experiências pessoais, que os hábitos e a rotina após os 60 anos podem ser repletos de atividades e bom humor para quem tem uma proposta e um projeto de vida. Dirigido por Gabriel Martinez e com argumento de Ruggero Fiandanese, o filme também nos revela que o desafio da velhice pode ser enfrentado por quem prática atividades diversas fazendo as coisas que gosta, com apoio da família e dos amigos, afinal ninguém deve envelhecer sozinho.
          Intercalado com comentários e observações do médico Alexandre Kalache; da antropóloga Mirian Goldenberg e do filósofo Mário Sergio Cortella, o filme oferece uma nova perspectiva sobre o significado do envelhecimento na vida de pessoas comuns, não só através dos depoimentos dos personagens, como também de seus familiares e amigos como co-participantes do processo.
          Para o médico Alexandre Kalache, o primeiro presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil, o mundo vive uma revolução provocada pelo aumento da longevidade, o que considera a grande transformação do século XXI. Ele cita que a sua geração – nasceu em 1947 -, ganhou 32 anos a mais de vida em função de uma série de fatores – alimentação balanceada, acesso a medicamentos e mais recursos de saúde, melhor qualidade de vida -  tanto que  hoje, as pessoas não mais projetam viver 65 anos, mas 90 anos ou mais.
          Ele observa ainda, que a velhice representa o somatório das experiências pessoais de cada um e o mais importante é preservar a autoestima e ter um projeto de vida, uma vez que não existem regras definidas e estabelecidas para romper os tabus da velhice.
          omo antropóloga Miriam Goldenberg, fala do conceito de ageless, para pessoas que estão revolucionando a forma de envelhecer cantando, dançando, amando e inventando novas formas de se relacionar com as pessoas e com o mundo. Ela vê o tempo como um ativo, um capital de valor inestimável, que não pode ser desperdiçado e acredita na possibilidade de se ter uma bela velhice, apesar da crueldade do processo do envelhecimento, bastando que se tenha um projeto de vida em sintonia com a realidade.
          O filme tem como referência Osvaldo Silveira, 84 anos, um maitre que divide o seu tempo entre o trabalho e o esporte, acordando religiosamente às três horas da madrugada e com uma rigorosa preparação para maratonas.Ele também é um colecionador de títulos.
          Outro caso interessante é o Edmea Correa, 67 anos, que pratica surf  juntamente com o marido de 70 anos. Ela conta que o seu amor pelo surf começou depois da primeira onda, e se arrepende de não ter começado antes, o que mudou a sua vida para melhor.
          Há ainda o otimismo de Luís Schimer, 76,  que continua praticando paraquedismo há 60 anos e não pretende parar nunca ou o mestre de aikidô, Kenji Ono, ou Keizen Ono Sensei (nome que lhe foi dado por seu Mestre Reishin Kawai, o introdutor do Aikido no Brasil), o qual continua em atividade aos 89 anos, depois de ter sido submetido a uma cirurgia ortopédica em função de uma artrose, sem comprometer o seu desempenho e nem a capacidade física.
          Outro caso citado no documentário que também está sendo exibido nos Estados Unidos, é o de Edson Gambiaggi, 87 anos, que se formou em medicina depois de se aposentar, um homem obstinado e que granjeou o respeito dos familiares e dos colegas de curso. Outro depoimento é o de Judith Caggiano, 83 anos, que reinventou sua vida quando ficou viúva após 51 anos de casada, cuidando da casa e dos filhos: ela fez tatuagens em todo o corpo, colocou piercings, anda do moto, vai a bares e fala gíria.
          Ao observar que tudo isso é resultado do avanço na idade média da população e na individualidade das pessoas, o filósofo  Mário Sergio Cortella, diz que depois de velho, que é uma fase da vida, está a morte, a velha senhora que no final das contas acaba visitando a cada um de nós. Em tempo o filme tem como referência musical Envelhecer, de Arnaldo Antunes, para quem “ a coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer/ a barba vai descendo e os cabelos vão caindo pra cabeça aparecer/ os filhos vão crescendo e o tempo vai dizendo que agora é pra valer/ os outros vão morrendo e a gente aprendendo a esquecer/ não quero morrer pois quero ver como será que deve ser envelhecer/ eu quero é viver pra ver qual é e dizer venha pra o que vai acontecer. (Kleber Torres)


FICHA TÉCNICA
Direção: Gabriel Martinez
Argumento: Ruggero Fiandanese
Edição: Caio Rodriguez
Fotografia: Daniel Dias
Operador de câmera: Raphael Mariano
Música: Marcelo Fruet
Sound design e mixagem: Ricardo Camera
Produção: Samarah Kojima
Elenco: Edson Gambuggi, Judith Caggiano, Luiz Schirmer, Ono Sensei, Oswaldo Silveira, Edméia Corrêa, Alexandre Kalache, Mirian Goldenberg, Mário Sergio Cortella
Tempo de duração: 84 minutos
Ano de Lançamento (Brasil): 2015































sexta-feira, 16 de outubro de 2015

TVE – Educativa da Bahia e TV Brasil exibem três filmes de Glauber Rocha esta semana





            A  TVE – Educativa da Bahia e TV Brasil exibem no período de 19 a 22 de outubro três filmes de Glauber Rocha: Deus e o Diabo na Terra do Sol, na segunda-feira 19, a partir das 23h30; A Idade da Terra, na quarta-feira (21) a partir das 23 horas e por fim “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, na quinta-feira (22), às 23h30.
Em  “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, Glauber Rocha, mostra o drama de um homem  revoltado contra a exploração de que é vítima por parte do coronel Morais, quando o vaqueiro Manuel o mata durante uma briga. Começa então a fuga de Manuel e de sua mulher Rosa, que são perseguidos por jagunços até se integrarem aos seguidores do beato Sebastião, no lugar sagrado de Monte Santo.
Ao mesmo tempo, o matador de aluguel Antônio das Mortes, a serviço dos latifundiários e da Igreja Católica, extermina os seguidores do beato, o que faz com que o casal tenha de continuar fugindo e se encontre com Corisco, cangaceiro remanescente do bando de Lampião. Considerado um marco no Cinema Novo, o filme conquistou reconhecimento em diversos festivais mundo a fora, entre eles, ganhou o Prêmio da Crítica Mexicana no Festival de Acapulco.
 “A Idade da Terra” é um drama  ambientado no Rio de Janeiro em fins dos anos 1970, retratando quatro protagonistas que representam uma figura messiânica: um “Cristo Negro”, interpretado por Antonio Pitanga; um “Cristo Pecador”, papel de Jece Valadão; Dom Sebastião – um messias no semblante de conquistador português –, interpretado por Tarcísio Meira e o ator Geraldo Del Rey na pele do “Cristo Guerreiro” Lampião.
Último longa dirigido pelo cineasta, a produção reconta, com ares proféticos, o mito cristão por meio de símbolos e costumes da cultura brasileira. O filme recebeu Menção Honrosa (para a atriz Norma Bengell) na XXXVII Mostra Internacional de Cinema (Veneza, 1980), e o Prêmio do Museu de Arte Moderna de Cartagena (XXII Festival de Cinema de Cartagena).
Por fim,  “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, filmado em Milagres, narra  a história do pistoleiro Antônio das Mortes, que é contratado para matar o novo líder do cangaço no sertão nordestino. Contudo – durante e após sua missão – Antônio passa a rever suas atitudes e, movido por remorso, entra em conflito com um “coronel” que domina a região e os jagunços que o servem.

A trama que tem como pano de fundo a chegada de Lampião no Inferno, uma história de cordel, é considerada um clássico do Cinema Novo que retrata a inversão de papéis sociais. Realizado em plena ditadura militar recebeu o Prêmio Luis Buñuel e o Prêmio da Confederação Internacional de Cinema de Arte e Ensaio - XXI Festival de Cannes (1969). (Kleber Torres)

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

A vida trágica de Florbela Espanca









“Eu sou a que no mundo anda perdida/eu sou a que na vida não tem norte” estes dois versos da poetisa e jornalista Florbela Espanca, uma das referencias da poesia portuguesa no século XX, abrem o filme Florbela, lançado em 2012 e ganhador de diversos prêmios internacionais. O filme narra os  seus últimos anos da artista marcados por três casamentos fracassados, dois abortos, uma ligação incestuosa com um irmão, o qual morre tragicamente num acidente aéreo, bem como por uma depressão profunda, seguida de tentativas de suicídio e uma morte adredemente anunciada.
O filme faz uma rica reconstituição da segunda metade dos anos 20 e é entrecortado por flashes de fenômenos oníricos ou não mas ao mesmo tempo  poéticos, mas não escapa ao sabor melodramático de uma época conturbada e que tem como pano de fundo a opressiva ditadura salazarista. Um dos personagens diz a Florberla, interpretada por Dalila Carmo: “este não é um país para você. É um país sem futuro”, o que leva a poetisa a admitir que a poesia só lhe trouxe problemas.
Florberla  também conta com diálogos bem construídos e que revelam um mundo em mudança após o fim da primeira guerra mundial e às vésperas do crash da bolsa de Nova York, com as pessoas sem perspectivas. Um tempo em que  há dias que não se repetem e erros que não se perdoam, como explica outro personagem.
Mas a inquieta  Florbela, depois de se casar pela terceira vez com o médico Mário Lago (Albano Jerónimo), não consegue conciliar a vida de dona de casa e esposa na monotonia  da província, onde não  consegue escrever e bem se conforma com a rotina de uma vida domestica confortável, mas limitada.
Assim, ela larga tudo apos receber uma carta do seu irmão Apeles (Ivo Canelas), piloto de um hidroavião da Aviação Naval, partindo para  Lisboa uma cidade que considera mãe para quem está longe e madrasta para quem fica, em busca de inspiração. Ali, ela volta a conviver com a vida boemia, com festas animadas pelo ragtime, estilo de música sincopada, em voga no início do século XX, originário do folclore negro-americano e de música de dança dos brancos, sendo importante elemento formador do jazz, sempre cercada por amigos, amantes que surgem da noite, festas e revoltas populares contra um regime autoritário.
O marido tente resgatá-la  e levá-la para Matosinhos, mas tudo se complica com a morte do seu  irmão num acidente aéreo, e cujo corpo jamais foi encontrado. A partir daí ela escreveu o conjunto de contos em As Máscaras do Destino, publicado postumamente em 1931, mas a sua saúde mental doença se complica. Ela chegou a ser internada em função de uma depressão e de um edema pulmonar, a partir daí  teria tentado o suicídio por duas vezes no final de 1930, morrendo aos 36 anos e tem suas obras póstumas publicadas em dezembro do mesmo ano, quando foi lançada aquela que é considera sua obra-prima, Charneca em Flor. (Kleber Torres)

Ficha técnica
Direção:       Vicente Alves do Ó
Elenco:         Dalila Carmo, Albano Jerónimo, Ivo Canelas, José Neves, Antonio Fonseca, Carmen Santos
Fotografia: Luís Branquinho
Gênero         Drama / Biografia
Nacionalidade         Portugal
2012

1 hora e 55 minutos

domingo, 16 de agosto de 2015

A fuga de um médico nazista para a América do Sul







Selecionado para representar a Argentina na disputa do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2014, o filme Wakolda / O Médico Alemão resgata a questão da influência do nazismo na América do Sul, um tema já enfocado em filmes como Aleluia Gretchen(1976), de Sylvio Back e Os Meninos do Brasil (1978), de  Franklin J. Schaffner, a partir de um romance de Ira Levin, que foi um best-seller.
O filme tem como cenário a remota Patagônia, e conta a história de uma família que está voltando a Bariloche para assumir uma hospedaria recebida de herança e acaba conhecendo o médico alemão Helmut Gregor, interpretado por Alex Brandemühl, codinome usado por Josef Mengele, que era conhecido nos campos de concentração nazista como o Anjo da Morte e acaba se tornando o primeiro hóspede da pousada familiar.
O filme mostra o fugitivo nazista protegido por uma poderosa rede de colaboradores com base na Argentina –onde monta um laboratório médico e dá continuidade a suas pesquisas genéticas  com seres humanos e animais,- Paraguai e Brasil. Na pousada, ele mostra um interesse muito particular pela jovem Lilith (Florencia Bado), que tem um problema de nanismo e é discriminada pelos colegas na escola onde estudava como anã, a quem trata com hormônios para crescimento.
O tratamento tem o apoio da mãe da garota, que está grávida e estudou numa escola nazista na Argentina, a quem Gregor também começa a acompanhar numa  gestação de gêmeos, sua especialidade. O filme mostra a influencia do nazismo nas escolas argentinas que ensinavam alemão durante o período que antecede a segunda guerra e a sua continuidade mesmo no período do pós-guerra.
Narra ainda a ação do Mossad, serviço secreto israelense, que sequestra Adolfo Eichmann, outro carrasco nazista que também consegue abrigo em território argentino e o condena a morte em Israel num julgamento acompanhado por Hanna Artendt, que desenvolve o conceito da banalização do mal.
Mengele escapa ao cerco dos agentes israelenses mesmo monitorado por uma agente Nora(Elena Roger), que faz um documentário fotográfico sobre a sua presença na América do Sul e acaba tendo uma morte misteriosa na Europa, a qual é citada de passagem no final do filme.   O médico alemão tem um interesse todo especial pelos animais e seres humanos como cobaias de experimentos e anotações meticulosas, inclusive sobre a família que o hospeda em território argentino.
O grande mérito do filme está na trama  investigativa e mostra que a Cruz Vermelha e a própria Igreja Católica foram usados para encobrir os rastros dos nazistas na sua fuga da Europa até o continente sul-americano. O filme também mostra uma relação que chega aos limites da pedofilia   entre o médico e Lilith, bem como a capacidade do primeiro de se impor e ser seguido por ela, que é a narradora final de uma história que fica para sempre na sua memória.
Em Wakolda, o médico alemão diz que a genética é uma ciência complexa com explicações simples e plausíveis para os seus resultados e que o importante é procurar o efeito fundamental, ou seja, encontrar o padrão definitivo para a melhoria da raça e a eugenia, na construção do superhomem nazista, o que fazia medindo e pesando a tudo que o interessava, afinal “gosto do que é bonito”. Mengele morreu anônimo em Bertioga, no Brasil, onde faleceu em 7 de fevereiro de 1979, bafejado pelos ventos tropicais da impunidade. No seu caso, pelo menos e de certa forma, o crime contra a humanidade compensou.  (Kleber Torres)

Ficha Técnica
Wakolda / O médico Alemão
Direção: Lucia Puenzo
Elenco: Alex Brendemühl, Natalia Oreiro, Diego Peretti, Elena Roger, Guillermo Pfuening, Florencia Bado
Fotografia: Nicolas Puenzo
Música: Andrés Goldstein e Daniel Tarrab  
Gênero         Drama , Suspense , Histórico
Nacionalidade         França , Argentina , Espanha , Noruega
Lançamento: 12 de junho de 2014
Duração: 1h33min


quinta-feira, 23 de julho de 2015

O retrato que faltava da insanidade







L'image manquante, The missing picture ou a imagem que falta na versão brasileira é um filme que narra em 92 minutos as atrocidades do governo do Khmer Vermelho, um regime que  deixou poucos registros de sua matança e escravidão generalizada do Camboja, dizimando 25% da população do país no período de cerca de cinco intermináveis anos ou seja entre 1975 e 1979, numa experiência totalitária sem precedentes.  A estimativa é de que tenham sido mortas por execução ou de fome entre 750 mil a três milhões de vítimas, embora o Projeto Genocídio Cambojano, financiado pelo Departamento de Estado dos EUA calcule o total de mortes entre 1,2 milhões e 1,7 milhões e  a Anistia Internacional estabelecesse um número intermediário de 1,4 milhões.
O filme não tem personagens vivos e é apresentado de forma documental  através de bonecos de madeira, que recontam a história de um povo que saiu de um estágio de desenvolvimento, com uma rede de universidades, hospitais e escolas estruturadas, para uma sociedade primitiva em nome de um desastroso projeto revolucionário e coletivista, que levou ao caos e à morte. A estimativa é de que metade das vitimas tenham sido executadas pelo Khmer Vermelho, através da Angkar, organização que controlava o sistema político idealizado por Pol Pot, um líder que se intitulava o Irmão número Um e tinha doutorado na França.
O diretor Rithy Panh, o único da sua família que escapou à sanha mortal dos revolucionários, monta o seu documentário através do resgate da história da sua família que se desfez durante a tempestade totalitária da Angkar e resgata algumas cenas de arquivo, uma vez que o cinema era uma das armas de propaganda de um regime autoritário e personalista, que idolatrava os seus lideres como entidades messiânicas.
Pahn também usa um recurso criativo para preencher esse vazio usando pequenos bonecos artesanais esculpidos em madeira, que resgatam as suas recordações, de quando ele e sua família foram forçadas a migrar de Phnom Penh para trabalhar, como todo o restante da população nas lavouras de arroz e em na construção de represas em áreas sem água suficiente. Primeiro morre o seu pai, que  se recusou a comer uma alimentação que seria inadequada até para animais, depois sua irmã vítima de inanição e por fim a sua mãe também acabou morrendo num catre de um hospital improvisado sem remédios e com alimentação racionada.   
Num regime totalitário que tinha como base o medo e a lavagem cerebral era normal o filho denunciar aos pais, que acabavam sumariamente executados, sem julgamento ou contemplação. Além do regime de trabalho forçado, a alimentação era racionada com uma cota de 250 gramas de arroz para 10 pessoas, o que era diminuído ainda mais nos períodos de estiagem. Ao mesmo tempo os filmes do regime mostravam superprodução de arroz, um produto escasso nas vilas e vilarejos controlados a ferro e fogo pelo Khmer Vermelho.
Cabe observar que ao tomarem Phnom Penh, os guerrilheiros encontram uma população indiferente e esperançosa. Uma das suas primeiras ações foi implodir o prédio do banco central, com todo o dinheiro que havia eliminando a base monetária do país e acabando com a circulação da moeda. Outra medida foi esvaziar uma cidade de dois milhões de habitantes, onde ficou apenas a sede do comitê central e hospitais, museus, bibliotecas e escolas foram fechadas. Uma universidade se transformou num centro de torturas e execuções.
A população da capital foi evacuada em trens, carroças e a pé. Os carros, um símbolo da decadência ocidental foram suprimidos. Para reeducar a população burguesa, os revolucionários eliminaram as famílias e estabeleceram núcleos de crianças, mulheres e homens, que formavam grupos de trabalho, Seus nomes foram substituídos por número e as roupas uniformizadas e pintadas de preto, uma cor condizente com a do regime dominante e que se apresentava como uma grande revolução.
O filme mostra ainda que instalado no poder, o Khmer Vermelho realizou um radical programa que visava transformar os cambojanos em um “Novo Povo” através do trabalho em comunas agrícolas primitivas transformadas em campos de trabalho forçado. O resultado foi o retrocesso de um país, que até hoje ainda não se recuperou e resultou na desumanização das pessoas. o que ocorria através da fome, da doença e da perda da sua capacidade física. Mas fica a imagem fotográfica de uma das vitimas de tudo isso, que num tempo de medo e intimidação olhou de frente e de forma fixa para as câmeras, o que os seus algozes nunca tiveram coragem de fazer na Kampuchea Democrática, de triste mas não de saudosa memória. (Kleber Torres - do livro O Princípio das Ideias)

Ficha técnica:

Título: L'image manquante / The missig picture / A imagem que falta
Ano produção        2013
Dirigido por  Rithy Panh
Elenco: Randal Douc
Duração      92 minutos
Gênero        Documentário/Drama/Tragédia

Países de Origem  Cambodja e França

sábado, 6 de junho de 2015

Será que estão todos bem?



          A questão da velhice, da solidão, dos desencontros, da morte que está presente em tudo e dos laços familiares que unem pais e filhos num mundo complexo e globalizado estão em Everybody's Fine (Estão Todos Bem), um filme americano/italiano de 2009 dirigido, por Kirk Jones e estrelado por Robert De Niro (Frank Goode). A obra é uma refilmagem do filme italiano Stanno tutti bene (Estamos Todos Bem), de Giuseppe Tornatore, com Marcello Mastroianni.
          A história é simples e tem como pano de fundo a vida de Frank Goode, um aposentado que trabalhou durante anos em uma fábrica de cabos telefônicos de PVC, dedicando-se a um único projeto sustentar a família e formar os filhos. Viúvo e solitário, ele se cansa de  aguardar a visita dos quatro filhos - David , Robert, Rosie e Amy -, dispersos em várias cidades dos Estados Unidos –NovaYork, Chicago, Denver e Las Vegas-, para um churrasco em família, que sempre acaba  desmarcado de ultima hora e adiado indefinidamente.
          Tudo começa com Frank Goode, solitário em sua casa  cuidando dos  afazeres domésticos rotineiros e indo a médico em função de uma doença degenerativa que acomete a idosos. Ele também alimenta  a intenção de reunir os filhos na mesma mesa, comprando  bons vinhos e até investindo numa churrasqueira nova, mas no fim todos acabam cancelando o encontro por motivos diferentes e em função das seus respectivos compromissos familiares e profissionais.
          O aposentado decide então visitá-los e inicia uma longa maratona para reencontrar os filhos, mas não recomendada por seu médico, preocupado com o seu estado de saúde e com o desgaste de uma longa viagem em ônibus e trens com baldeações, riscos e tudo mais.
          Em Nova York, ele dá de cara com o apartamento fechado de David, que é artista plástico e se encontra com um idoso num restaurante  pai de três filhos e seis netos, também todos ocupados e que não têm tempo para ele, porque afinal as pessoas mudam. Daí ele parte para Chicago, onde vive sua filha Rosie (Drew Barrymore), uma publicitária bem sucedida. Ela mora em uma mansão, com o marido e o filho, mas o pai percebe problemas no relacionamento da família e anuncia no dia seguinte o seu embarque para Denver, onde pretende encontrar Robert (Sam Rockwell).
          O filme tem como contraponto das suas viagens e deslocamentos, os filhos conversando ao telefone e falando sobre a prisão de Robert, no México e depois da  sua morte em circunstancias misteriosas. Também mostra que ao conversar com os filhos, Frank ainda os vê como as crianças e percebe que o núcleo da família se articulava em torno da mulher falecida, que resolvia os problemas familiares e servia de anteparo para ele das possíveis decepções e dificuldades.
          Em Denver, ele encontra Robert trabalhando, não como o  regente da orquestra sinfônica, mas como um percussionista, porque ninguém o contratava como maestro num mercado restrito e que alega uma viagem ao exterior para não recebê-lo em sua casa. Ele explica ao pai que está fazendo o melhor para a sua vida e Frank questiona se ele é feliz e realizado como pessoa.
          Depois de uma série de contratempos provocados por atrasos e problemas com o fuso horário, o que resultou na perda de um embarque num ônibus, ele acaba chegando a Las Vegas, onde vive a filha Amy (Kate Beckinsale), que o recebe com tapete vermelho num luxuoso limusine e o abriga num apartamento cinco estrelas – cedido por empréstimo por um amigo. Nem ela é a dançarina de sucesso que ele idealiza, como vive em companhia de outra mulher e ainda tem um filho de meses a quem finge cuidar como um favor a uma amiga.
          No encontro com Amy, Frank questiona porque os filhos contavam tudo a sua mãe e ela explica: “com mamãe a gente podia conversar, porque ela era uma boa ouvinte e você era apenas um grande falador, que exigia muito da gente”. Ele responde que o que pretendia apenas era ser um  bom pai e decide voltar para casa num avião.
          Acometido por um enfarto durante o voo de volta à sua casa, ele acaba num hospital onde reencontra os três filhos sobreviventes e então sabe da morte de David. Os três planejam um reencontro da família no Natal, afinal com os acertos e desacertos da vida a expectativa é de que estejam todos bem, em que pese os dilemas e decepções do cotidiano, com os ganhos e perdas que se somam ao longo do tempo. (Kleber Torres)


Ficha técnica:
Everybody's Fine (Estão Todos Bem)
Direção: Kirk Jones
Duração: 1h 40m
Música: Dario Marianelli
Elenco: Robert De Niro, Drew Barrymore, Kate Beckinsale, Sam Rockwell … Robert, Lucian Maisel e Katherine Moennig


segunda-feira, 25 de maio de 2015

Portal do Irdeb transmite ao vivo o Festival Cinefuturo



O Portal do Irdeb, a partir das 10h de hoje (26), transmite ao vivo o festival CineFuturo – IX Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual, um dos mais importantes do país. O evento  acontece entre os dias 26 e 31 de maio em Salvador, no Teatro Castro Alves e na Sala Walter da Silveira e homenageia o cineasta italiano Federico Fellini. Uma grande retrospectiva de seus filmes e a mesa de discussão intitulada ‘Delírio Fellini’ marcam a homenagem. Participam da mesa o diretor polonês Lech Majewski, a professora Mariarosaria Fabris (USP) e o especialista italiano Giacomo Manzoli.
Mantendo a sua marca de não apenas exibir filmes em competitiva, mas também discutir a atividade cinematográfica em um verdadeiro seminário, o CineFuturo 2015 tem uma vasta programação em rede que inclui Mesas, Mostras e Diálogos. Há também um capítulo especial dedicado a William Shakespeare, que é tema de cinco atividades, entre elas a Mostra Shakespeare e uma oficina especial para atores baseada no The Sonnet Project – ação realizada pelo New York Shakespeare Exchange, que reúne nomes importantes dos cenários nacional e internacional.
Dentre os diversos temas que serão discutidos estão a relação do cinema com a pintura, a abrangência do cinema como ferramenta de ativismo político, o cinema em William Shakespeare e o cinema argentino contemporâneo.
Além de uma Competitiva de Curtas selecionados pelo crítico Daniel Queiroz e a mostra de Curtas Premiados EFA (European Film Awards), atividades que promovem um verdadeiro aquecimento nos panoramas local e internacional.
Outro capítulo especial desta nona edição são as performances dos poetas Jorge Salomão e Fernando Noy. Salomão apresenta Eu Não Sou Um Poeta, Sou Um Malabarista!, no dia 26 (terça), por ocasião da abertura do festival, no foyer do Teatro Castro Alves. E o argentino Fernando Noy, no dia seguinte e no mesmo local, mas às 19 horas, mostra seu espetáculo BAHANOY... de todos vocês..., que conta com vídeo-instalação de Gaston Ezcurra.
Coordenado pelo cineasta Walter Lima, autor de obras importantes como Antonio Conselheiro – O Taumaturgo dos Sertões, o CineFuturo acontece desde 2005 e por ele já passaram nomes como Fernando Trueba, Helena Ignez, Miguel Littin, Gustavo Dahl, Jards Macalé, João Moreira Sales, entre outros que puderam viver a atmosfera inconfundível deste festival comprometido com o futuro do cinema. E com o cinema do futuro.

As inscrições para esta edição do festival já estão abertas e podem ser feitas através do sitewww.cinefuturo.com.br. Lembrando que você poderá acompanhar ao vivo através do Portal do IRDEB www.irdeb.ba.gov.br.