sábado, 30 de dezembro de 2017

Metróplis: os conflitos e antagonismos no reino de Moloch


“O mediador entre a cabeça e a mão deve ser o coração” esta frase define a essência de Metrópolis, filme de ficção científica considerado um dos marcos do expressionismo alemão, dirigido por Fritz Lang, em 1926, que nos revela um mundo distópico e contraditório. O filme é uma obra-prima e continua atual na sua temática e em função da crescente agudização da relação entre ricos e pobres em decorrência da ampliação da concentração de renda na mão das classes mais abastadas em escala global, o que preocupa aos economistas e lideranças políticas dos nossos dias. O roteiro tem como base um romance de Thea von Harbou, e foi escrito por ela a quatro mãos numa parceria com o próprio Fritz Lang. Tudo começa em 2026, ou seja, 100 anos após a produção do filme, quando industriais e empresários ricos governam a futurística Metrópolis, uma cidade cosmopolita formada por uma série de torres, bibliotecas e outros equipamentos, enquanto os trabalhadores vivem muito abaixo da terra numa cidade subterrânea. Os operários trabalham para Moloch - uma referência metafórica a um demônio - operando as máquinas que asseguram o poder da burguesia sobre as classes inferiores mantendo um ciclo histórico de acumulação de capital em mãos de uma elite econômica, garantindo a concentração de renda para uma minoria e alimentando a contradição entre ricos e pobres. O filme foi produzido dez anos após a revolução russa e talvez por isso reflete de forma ficcional à questão da luta de classes, mostrando que cada homem reflete o ideal da sua classe e que entre eles não haveria diálogo possível. Metrópolis é controlada pelo magnata Joh Fredersen, interpretado por Alfred Abel, cujo filho Freder (Gustav Fröhlich) leva uma vida alienada junto com os outros filhos de papai. A vida de Freder muda com chegada de uma jovem, Maria (Brigitte Helm, que também interpreta uma Andróide / Maschinenmensch) que conduziu um grupo de filhos de trabalhadores para ver o estilo de vida privilegiado dos ricos. Maria é uma contestadora do sistema e ao mesmo tempo uma líder da classe trabalhadora e dos marginalizados. Embora Maria e as crianças fossem afastados do universo dos ricos, Freder se apaixona por ela e submerge até a cidade dos trabalhadores, que marcham sempre de forma alienada e mecânica para o mundo subterrâneo, na tentativa de reencontrá-la. Na casa de máquinas, ele vê quando uma máquina explode, provocando várias lesões e mortes nos operários, depois que um dos seus operadores cai exausto e tem de ser substituído para evitar uma catástrofe. A sequencia dos operários faz referência a duas questões sociológicas apropriadas pelos marxistas: a da anomia, a desorganização do individuo pela falta de objetivos e regras, com a perda de identidade e referenciais, em consequência das intensas transformações ocorrentes no mundo e da alienação, um momento em que os homens perdem-se a si mesmos e a seu trabalho em função da remuneração e da mais valia. Freder conta ao pai o que viu e Fredersen se aborrece. Ele demite seu assistente Josaphat, porque este não o informou sobre o acidente na fábrica . Freder tenta ajudar a Josaphat e se complica ainda mais nas relações conturbadas com o pai autoritário e controlador, que passa a vigiá-lo e vê-lo como um antagonista. A coisa se complica quando Freder volta às casas de máquinas, onde encontra o trabalhador Georgy exausto pelos esforço pelo trabalho repetitivo e mecânico, uma cena similar a de Tempos Modernos, de Charles Chaplin, rodado dez anos depois. Ele acaba tomando o seu lugar quando o operário cai exausto pelo cansaço. Os dois trocam roupas e de funções, e Freder orienta ao operário para ir ao apartamento de Josaphat e esperar por ele, o que não chega a acontecer. No filme também aparece o cientista Rotwang, um inventor havia se apaixonado por Hel, mulher que o avandonou para se casar com Fredersen. Como ela morreu no nascimento do filho Freder, ele procurou recriá-la como um robô (Maschinenmensch) e um holograma, mas perde uma das mãos num acidente, o que aumenta o rancor do cientista que planeja uma vingança – um prato que se come frio - contra o empresário, mecenas e rival no amor, que controla Metrópolis de forma autoritária. Em que pese o cientista atuar no campo da tecnologia e da ciência, que às vezes se confunde com a magia, o filme mostra neste processo alusões á magia negra através de um pentagrama e outros símbolos místicos como o próprio Moloch. O filme também tem várias referências ao ocultismo e sobre ele existem estudos quanto à sua influência na cultura pop e sobre a utilização até de símbolos maçônicos. A trama ganha impulso quando Maria profetiza a chegada de um mediador que pode trazer melhores condições para os trabalhadores. Já uma mulher fala sobre lenda da torre de Babel, que serve de referência simbólica para as torres da metrópole. O jovem Freder acredita que poderia assumir o papel de mediador, dizendo que “você me chamou e eu aqui estou”, para depois da reunião declarar o seu amor por Maria, a quem promete encontrar no dia seguinte. Como vingança contra o filho e agora antagonista, Fredersen ordena Rotwang para dar semelhança de Maria ao robô que desenvolve em seu laboratório visando disseminar a dúvida sobre os acólitos de Freder entre os trabalhadores, mas não sabe do plano secreto do cientista para destruir o único elo que sobrou entre ele e Hel, que era o seu filho e herdeiro natural do seu patrimônio. O filme tem em certos momentos um desenrolar complexo e lento para o espectador menos informado. Ele mostra que Freder não encontra Maria no encontro da catedral, mas ouve um monge pregando sobre a Prostituta da Babilônia e um apocalipse que se aproxima. Maria foi sequestrada e acaba localizada por Freder na casa Rotwang onde estava sendo transformada na imagem holográfica do robô. Assim, a falsa Maria começa a desencadear o caos em Metrópolis, ampliando a dissidência e descrença entre os trabalhadores, exortando os a se levantar e destruir as máquinas. Quando Freder a acusa de não ser a verdadeira Maria, os trabalhadores o reconhecem como filho de Fredersen e tentam agredí-lo, e quando o operário Georgy tenta protegê-lo, acaba esfaqueado e morto. A crise provoca a falência dos sistemas de segurança na cidade dos trabalhadores e inundação do lugar onde estão os seus filhos. A falsa Maria, que é uma máquina, acaba desmascarada e Freder na escadaria da da catedral, assume o seu papel de mediador ligando a cabeça metafórica do pai Fredersen, com as mãos que são os trabalhadores, associando criativamente o capital e o trabalho como fatores de produção, fazendo cumprir o que seria uma relação utópica entre os dois instrumentos que têm sido antagonizada ao longo do tempo como o yin e o yang, o positivo e o negativo, gerando uma eterna contradição agravada nos nossos dias pelo fenômeno da globalização. Será que ela está embutida no filme de Fritz Lang ? É só ver para crer. (Kleber Torres) Ficha Técnica: Título - Metrópolis Direção - Fritz Lang Roteiro - Thea von Harbou Elenco - Alfred Abel, Gustav Fröhlich, Brigitte Helm, Rudolf Klein-Rogge Theodor Loos, Fritz Rasp,) Erwin Biswanger, Heinrich George, Hanns Leo Reich, Heinrich Gotho Gênero - Ficção científica Alemanha 1927 • pb • 148 min

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Johnny ou a inutilidade da guerra e da vida meramente vegetativa


O filme Johnny Got His Gun (Johnny Vai à Guerra) não é apenas um libelo em favor do pacifismo, mas também coloca em debate uma questão controversa, a eutanásia, ao mostrar a inutilidade da vida vegetativa, que prolonga o drama do paciente, o qual sequer tem direito de opinar sobre um bem fundamental: uma vida com qualidade e com os seus prazeres cotidianos. O filme, que inspirou com usas imagens videoclipe “One”, do Mettalica, também analisa com um viés critico a função da ciência e dos avanços tecnológicos, bem como a humanização do atendimento aos pacientes terminais. Escrito e dirigido por Dalton Trumbo e baseado em seu livro homônimo, o roteiro teve ainda a participação do genial Luis Buñuel para nos contar a dramática história do soldado Johnny (Tymothy Bottoms), gravemente ferido na Primeira Guerra Mundial depois da explosão de um morteiro, quando perde os braços, as pernas e a língua, além de sofrer graves ferimentos no rosto que comprometeram a sua visão e audição. Assim, mantido num estado vegetativo e ocupando um leito especial que cobre todo o seu corpo, além de uma proteção na face, Johnny não enxerga, não fala, não ouve e não consegue nem mesmo sentir cheiros ou odores do ambiente que o cerca. Ele apenas evidencia nas suas reflexões sobre o que sente quanto tocam o seu corpo ou quando reflete sobre o seu estado vegetativo. Os médicos que o mantém vivo acreditam que em função das lesões sofridas, a vítima nem mesmo consegue sentir dor, o que o torna uma cobaia ideal para experimentos sobre a resistência humana às consequências adversas da guerra. Em sua essência o filme nos remete à discussão não piegas de temas importantes: como a questão da humanização do atendimento pelos profissionais de saúde aos pacientes, o limite para a realização de pesquisas científicas e as consequências devastadoras da guerra, que tem custos sociais e humanos elevados, mas se revela inútil pelo seu impacto destrutivo dos bens materiais e por semear a morte de forma indistinta para jovens e velhos, além de provocar mutilações irreversiveis. A eutanásia é uma questão à parte porque de nada adianta uma vida vegetativa, além do mais quando o paciente consciente clama pela própria morte e não tem nem familiares e nem amigos. O problema maior é que mesmo sem identificação e sem parentes que o reconheçam,Johnny é mantido vivo apenas para subsidiar estudos sobre a privação dos sentidos e dos movimentos corporais. O fato é que mesmo em condições adversas e sem contatos afetivos com o mundo exterior que lhe é adverso, o soldado vai tomando consciência das suas perdas dia a dia, seja quando fazem a retirada dos pontos dos membros amputados ou quando percebe que não tem movimentos corporais e sente um medo profundo quando nota a presença de uma ratazana caminhando na sua cama e ameaçando o seu corpo inerte. Neste ínterim e em meio ao sofrimento e à angustia, ele lembra da namorada Kareem (Diane Varsi), da despedida romântica facilitada pelo sogro que lhe proporcionou uma noite de amor ou do jogo de cartas com outros soldados antes dos combates. Misturando sonhos com lembranças confusas do passado, Johnny se conscientiza de que não apenas ele, mas todos os seres vivos estão condenados a uma morte inexorável. O problema é que ele não sabe nem mesmo se está acordado ou dormindo envolvido num clima de torpor. O personagem também questiona qual o médico o deixaria naquele estado e ainda vivo, mas os pesquisadores que o mantém em vida vegetativa falam com euforia dos avanços da ciência e da possibilidade de reenvio para as frente de combate dos soldados feridos e até amputados num prazo de três semanas, ou seja, apenas após o prazo de cicatrização dos ferimentos. O soldado inerte relembra também da infância, das pescarias e do pai, a quem pede ajuda inutilmente nos seus pensamentos e que por estar morto, já não o escuta e nem atende. Lembra ainda das conversas com o pai sobre a democracia como qualquer tipo de governo em que os jovens se matam nas frentes de combate. O pai também lhe ensina de forma nietzscheana, que todo homem deve enfrentar a morte sozinho. Em que pese a assepsia do hospital e os cuidados que recebe, inclusive de uma jovem enfermeira que acaricia às vezes o seu peito, as coisas parecem mudar no filme quando uma nova enfermeira chefe inicia um atendimento mais humanizado a Johnny, pois o mesmo havia sido escondido em um quarto isolado, distante das pessoas e dos olhares piedosos. Assim enfermagem passa a oferecer um pouco de dignidade ao paciente, dando maior atenção a ele, tentando tirar Johnny do completo isolamento e o jovem de 20 anos sente a mudança e se anima no dia em que abrem a janela do quarto onde recebe com prazer do calor da luz do sol aquecendo sua cama, mas um dos médicos recomenda que fechem as cortinas para que ninguém o veja. Ele compara a sua situação como um circo dos horrores e pensa até na sua família o utilizando como uma aberração circense. Relembra da namorada Kareen e de uma relação com uma prostituta distante no tempo e no espaço. Também lembra do pai que o aconselha a usar a cabeça e ao verificar que possui os movimentos da cabeça ativos, ele tentar se comunicar com as pessoas através de Código Morse pedindo socorro ao transmitir um SOS. De início, sua tentativa é confundida pelos médicos como simples espasmos musculares ou uma convulsão, quando lhe aplicam pesados tranquilizantes. Só depois de algum tempo um soldado que estava no hospital e que integrou uma junta médica interpretou a mensagem telegráfica e entrou em contato com o paciente batendo telegraficamente na sua testa, descobrindo que o soldado mutilado está consciente e ainda pode se comunicar com a cabeça. Johnny pede que o exibam para as pessoas e para o mundo "numa gaiola de vidro e mostrem ao mundo o horror da guerra, ou matem-me". O pedido de morte se repete sempre quando percebe que tem visitas. Uma enfermeira caridosa e penalizada pede perdão a Deus e tenta matá-lo por sufocamento, mas acaba impedida por um médico militar. O filme termina com o personagem mantido na sua cama, lembrando que nas guerras mundiais morreram 80 milhões de pessoas e outros 150 milhões acabaram feridas, números que revelam a prevalência de uma epidemia de violência e de insanidade. (KLeber Torres) FIcha técnica Titulo: Johnny Got His Gun (Johnny vai à Guerra) Direção: Dalton Trumbo Roteiro: Dalton Trumbo e Luis Buñuel Elenco: Tymothy Bottoms, Jason Robbards, Donald Sutherland, Diane Varsi, Kathy Fields Gênero : Drama e Guerra Indicações: Prêmio Globo de Ouro: Melhor Ator Revelação do Ano Estados Unidos 1971 Preto e Branco 111 minutos

sábado, 25 de novembro de 2017

O desafio da viagem no tempo e a ficção científica


O History Channel exibiu recentemente o documentário “A Verdadeira História da Ficção Cientifica”, que em realidade é a história da imaginação, até porque uma das ideias mais instigantes é a da viagem no tempo, um processo em que as pessoas transitam do presente para o futuro ou para o passado remoto, um tema que atrai grandes escritores e cineastas famosos, encantando leitores e telespectadores. A questão não é nova e em 1895, H.G.Wells publicou o antológico “Máquina do Tempo” (The Time Machine) em que um inventor criativo constrói um equipamento capaz de transportá-lo no tempo levando-o em direção ao futuro. Vale lembrar que este livro foi escrito na época vitoriana, um período de mudanças marcado por um grande desenvolvimento econômico e industrial da Inglaterra, além das conquistas coloniais de novas terras e novos horizontes. Na Era Vitoriana, a Inglaterra tornou-se o país mais rico e poderoso do mundo. Além do mais, Wells explorou de forma criativa uma série de temas que foram mais tarde aprofundados por outros escritores de ficção científica, e que ganharam repercussão junto à critica e ao público em livros como A Máquina do Tempo, O Homem Invisível e A Guerra dos Mundos, que ganharam adaptações cinematográficas. Outra obra importante e que chegou as telas quase um século depois foi o filme de “Volta ao Futuro”, dirigido por Robert Zemeckis, escrito por ele em quatro mãos com Bob Gale e estrelado por Michael J. Fox, Christopher Lloyd, Lea Thompson, Crispin Glover e Thomas F. Wilson. O filme conta a história de Marty McFly (Michael J. Fox), um adolescente que volta no tempo até 1955 com a ajuda de um cientista Dr. Emmett Brown (Christopher Lloyd), com uma excelente interpretação. Nesta viagem no tempo em um veículo adaptado e movido pela energia de um raio, ele conhece seus futuros pais no colégio e acidentalmente faz sua futura mãe ficar interessada sentimentalmente por ele. Para evitar o que seria um paradoxo e um desastre, Marty deve consertar o que seria um erro na história fazendo com que seus pais se apaixonem e, para isso contaria com a ajuda do amigo cientista para encontrar um modo de voltar para 1985. Em sua essência, a ficção científica reflete um universo de criatividade de escritores e roteiristas, que se inspiram pensando coisas novas e buscando novas ideias, o que deu uma nova dimensão à questão da viagem no tempo. A questão também envolve paradoxos como o de uma pessoa alterando o passado, o que implicaria em mudanças no futuro – um exemplo seria você encontrar os seus avós no passado e os matando, mesmo circunstancialmente, inviabilizaria o seu nascimento no futuro. A história da ficção cientifica também tem como referência um clássico do cinema Metropolis, de 1927, um longa metragem dirigido por Fritz Lang, que nos mostra uma sociedade distópica, bem como a contradição entre ricos e os pobres, numa referencia à luta de classes, os quais vivem à margem num mundo subterrâneo, que seria uma metáfora das grandes distorções entre os que têm dinheiro e os desvalidos. O roteiro foi baseado em romance de Thea von Harbou e escrito por ela, em parceria com Lang, que dirigiu o filme mais caro e considerado um marco do expressionismo, sendo uma referência para o nosso tempo. Outro destaque no documentário sobre ficção cientifica é o conto “Um Som de Trovão” (A Sound of Thunder), de Ray Bradbury, publicado originalmente na revista Collier's em 1952 e que permanece em primeiro lugar entre as dez histórias de FC mais reimpressas em todos os tempos, contando a história de uma viagem no tempo para caçar dinossauros. Assim, para evitar aquilo que seria um paradoxo temporal, os personagens agem com cuidado para deixar o curso dos acontecimentos intacto, visto que mesmo uma alteração mínima poderia gerar mudanças no futuro. Desta forma os viajantes só poderiam abater animais que iriam morrer em breve, que estavam em fase de extinção, e não poderiam sair de uma trilha demarcada previamente, que flutua acima do solo. O problema é que numa destas incursões, um dos caçadores pisa casualmente em uma borboleta, e, ao voltar ao futuro, redescobre o mundo completamente mudado, imerso no mais absoluto caos. A questão tem como parâmetro a da teoria do caos, em que uma borboleta bate asas na China e pode gerar uma tempestade em outro continente. O documentartio incursiona ainda em “Uma aventura fantástica” de Bill e Ted, uma comédia americana com Keanu Reeves e Alex Winter, em 1989 e Doctor Who, uma série de ficção científica britânica, produzida pela BBC desde 1963, mostrando as aventuras do Doutor, que viaja no tempo para salvar as civilizações, ajudar as pessoas comuns e corrigir erros. As referências incluem ainda TX 1118, dirigido por George Lucas, que leva numa viagem ao futuro, a um mundo distópico em que as pessoas vivem em grandes cidades subterrâneas e onde as emoções são controladas por meio de medicação obrigatória. Também são referencias históricas do rico universo de ficção cientifica o Logans Run (Fuga do Século XXIII), um filme americano de ficção e que deu origem a uma série de televisão em 1977. Mas, o grande marco da Ficção Cientifica é, sem dúvida, o Blade Runner, de Ridley Scott, com Rutger Hauer e Harrosin Ford, que tem como cenário uma decadente e futurista Los Angeles em novembro de 2019, afetada pela poluição, pelo consumismo exacerbado e a consequente busca de novas formas de colonização, um processo para o qual as pessoas são convidadas a se aventurarem, em viagens interplanetárias, em face do colapso da civilização, numa falência em termos materiais e morais. O diretor Ridley Scott foi visionário na medida em que a globalização tão amplamente acentuada nas últimas décadas, encontra no filme, um final catastrófico, melancólico e deprimente, com animais extintos clonados e replicados a exemplo dos replicantes humanos, como sói acontecer com uma profusão de culturas, etnias, credos e costumes.Tudo ocorre tal qual podemos vislumbrar o preâmbulo nas sociedades hodiernas, onde metade das coisas que fazemos não funcionam, não fazem sentido e geram uma crise existencial mostrando que a vida é confusão e o caos inexorável.. Blade Runner nos revala um padrão de visão do futuro em termos de linguagem, e o próprio Harrison Ford ficou inteiramente confuso com as frase e xingamentos de um androide, numa mistura de línguas ocidentais e orientais, que se fundem e se completam, como ocorre hoje num mundo cada vez mais globalizado. BR explora a própria crise da América, com uma sociedade cada vez mais urbana e desintegrada. O filme ocorre no momento em que o sonho americano começava a desmoronar. Mas os filmes de ficção científica saem dos limites estritos daiagem no tempo e da caça de andróides, para emergir na invasão da privacidade, com telefones e câmeras monitorando a vida da pessoas, ações que também são acompanhadas por drones, neste caso uma referência é 1984, de George Orwell. No filme “12 Macacos” a humanidade é ameaçada por um vírus letal e cabe a Bruce Wills evitar a catástrofe final. A ficção cientifica também nos remete a uma situação esdrúxula, ou seja, ao homem assistir a sua própria morte. Também nos deixa cara a cara com “Looper” (Assassinos do Futuro), de 2012), que nos fala do salto quântico na viagem no tempo. Assim, cabe questionar como este tipo de viagem em outra dimensão afeta as pessoas. O problema é saber qual a história que queremos, os valores e afinal num universo real ou de ficção, sabermos o que realmente somos ou para onde vamos. (Kleber Torres)

terça-feira, 7 de novembro de 2017

A simplicidade e repetição no humor chapliniano


A Revista de Chaplin (The Chaplin Revue) reúne três histórias diferentes dos anos 20, período do cinema mudo, que nos revelam a essência da comédia e das histórias nem sempre roteirizadas de Charles Chaplin, que antecedeu Glauber Rocha no sentido de utilizar uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. O humor chapliniano tem como base poucos personagens, simplicidade na ação e a repetição dos “gags”, ou seja, efeitos cômicos que, numa representação, resultam do que o ator faz ou diz, jogando com o elemento surpresa ou o fato insólito, que vai além das expectativas da razão e atinge muitas vezes os limites do surreal. Na primeira história, Vida de Cachorro (A Dog’s Life) um vagabundo (Charles Chaplin), que não tem nem sequer onde dormir e vive vagando sem emprego pelas ruas sem conseguir nada, sobrevive de pequenos furtos de alimentos e frequentando ambientes nem sempre recomendáveis como o Lanterna Verde, um ambiente cheio de malandros e golpistas, acompanhados de garotas de programa. Certo dia, vendo uma briga de cachorros na rua disputando alimentos, ele acaba adotando um vira-lata a quem dá o nome de Scraps. Neste ínterim, o cachorro de Chaplin acha um dinheiro roubado por ladrões e ele se envolve numa disputa da qual sai vitorioso. Depois, se estabelece no campo, com a mulher e o cachorro, aliás uma cadela com as suas crias. No segundo filme, o vagabundo (Charles Chaplin) é um soldado desajeitado, que faz tudo ao contrário, em treinamento para guerra. O filme utiliza imagens reais das trincheiras ma Primeira Guerra Mundial com seus horrores de mortes sem sentido, disputas áreas limitadas de terra minada e uso de gases químicos, altamente tóxicos mas de efeitos letais para milhares de vitimas. O fato é que Chaplin apesar de ser um patinho feio num exército de pessoas normais, acaba virando herói, rendendo primeiro um pelotão de alemães; depois eliminando inimigos disfarçado de árvore e por fim, prende o Kaiser, numa ação também fora de qualquer lógica e sentido. O problema é que tudo não passa de um sonho e ele acorda no acampamento em que está sendo treinado para a guerra, ou seja, a luta da vida contra a morte, que sempre acaba vencendo no fim. No terceiro filme, um foragido (Charles Chaplin) se disfarça de padre para fugir do presídio, mas acaba sendo confundido com um pastor que ia fazer uma pregação pequena cidade de Devil's Gulch. Depois de se meter em trapalhadas durante a pregação, fazendo uma paródia sobre David e Golias que agrada a um moleque do público e lhe rende aplausos, ele depois tem como rival um ex-colega de cela, um ladrão incorrigível que tentava roubar os seus acólitos. Chaplin também enfrenta um menino mal educado, que não respeita os pais e nem a ele, e, além de chutar o menino por duas vezes – o que nos dias de hoje seria politicamente incorreto para os puristas -, também se envolve na confecção de um bolo, colocando glacê sobre o chapéu do pai do menino sapeca, mostrando que o riso escapa das fórmulas prontas e acabadas , evidenciando os caminhos para compreensão de Chaplin, que encarou os problemas do início do século: o avanço da exploração do petróleo, do cinema e da aviação, três fenômenos globalizados e que tiveram impacto na vida de todos nós, mas também contribuíram para achados cômicos e inteligentes, porque o humor é um indicador de inteligência e de visão critica da realidade. (KLeber Torres) Ficha Técnica: Título original: A Revista do Chaplin (:The Chaplin Revue) Data de lançamento 1959 Direção: Charles Chaplin Elenco: Charles Chaplin, Henry Bergman, Edna Purviance Gênero: Comédia Nacionalidade Reino Unido/ EUA Cor Preto & Branco 128 minutos

sábado, 4 de novembro de 2017

Resiliência e amor na conturbada trajetória do James Dean do jazz


A conturbada história do James Dean do jazz e do príncipe do “cool” é retratada no filme Chat Baker – A Lenda do Jazz (Born To Be Blue), que teve a sua carreira e vida pessoal atropelada pelo uso e abuso de heroína. Estrelado por Ethan Hawke, com uma interpretação primorosa, o drama acompanha a trajetória e resiliência do cantor e trompetista a partir da etapa mais conturbada de sua carreira, nos anos 60. O filme começa em Lucca, Itália, 1966 para onde ele se transferiu em definitivo para a Europa onde viveu até a sua morte em Amsterdã, em 1988. A cena começa com um trompete dourado no chão de onde sai uma aranha gigantesca e Chat Baker drogado, dorme no piso de uma prisão, onde é acordado por um guarda anunciando a chegada de um cineasta hollywoodiano interessado em filmar sobre a sua vida. A sequência colorida sofre um corte e aparece uma outra de 1954, na Birdland, em New York City, onde Baker já era considerado um dos melhores tropetistas e vocais, aparecendo como um ícone da escola de jazz da Costa Oeste, sendo festejado e aplaudido por fãs ao se apresentar ao lado de celebridades como Miles Daves e Dizzy Gillespie. No ápice de sua carreira, Chat Baker, que era branco e por isso um estranho no ninho jazzístico, chegou a ter o seu próprio quarteto e era cobiçado pela indústria fonográfica e cinematográfica por outros dois importantes atributos: sua juventude e beleza. Tudo muda quando Chet Baker mergulhou no mundo das drogas ao se viciar em heroína. No filme, uma sequência interessante envolve sexo e heroína, tendo como o jazz com fundo musical. Numa cena, Baker diz ironicamente que odeia agulhas e pede a amante Jane (Carmen Ejogo) que aplique a droga, numa sequência que se repete em cores durante a filmagem em Los Angeles, nos idos de 1966, de uma película sobre o músico que interpreta a si mesmo e sem ser ator, também fez incursões no universo do cinema. O fato é que em função do abuso de drogas e bebida, as suas turnês musicais diminuíram e se tornaram esparsas, na medida em que ele entrava e saía da prisão após ser condenado por envolvimento em drogas. Numa cena subsequente, um amigo lembra ao músico sobre a sua vida louca e desregrada, destacando que não abandonou a mulher e o filho para se tornar no maior viciado do mundo. Numa outra sequência Baker faz referência às suas proezas sexuais mesmo chapado e admite que tem os seus vícios, o que a mulher Carmen Ejogo interpretando primeiro a amante Jane e depois, a companheira do músico nos momentos de dificuldades, Elaine. Ela concorreu com isso ao prêmio de melhor atriz no prêmio do cinema canadense, e lembrou ao músico: “sei que você é um problema”. As coisas se agravam ainda mais, quando após show na cidade em 1968, Chat Baker foi barbaramente espancado por traficantes em função de dividas ganhando lesões graves do pescoço, fraturas na face e perdendo os dentes da frente, o que comprometeu a sua embocadura selando o que seria a sua morte para o jazz. Nesta fase os produtores, amigos e músicos se afastam do músico que recomeça tudo a partir do zero. Em que pese os problemas, o músico tem consciência de que era um dos maiores trompetistas da sua geração e mais que isso, sabia da sua capacidade de improvisação, a mais importante carcterística de um artista no mundo do jazz. Ele lembra do seu encontro com Charlie Parker, o Bird, que fez uma seleção de músicos para acompanhá-lo numa banda e fechou o teste quando encontrou Baker. Na sua recuperação, o trompetista fez uso de metadona, um narcótico do grupo dos opióides utilizado principalmente no tratamento dos toxicodependentes de heroína e outros opiáceos, mas que também tinha sérios efeitos colaterais. Neste interin ele volta para a zona rural onde vivem os seus pais, tocando em bares sem expressão no interior do país e voltando a trabalhar num posto de gasolina, emprego necessário para o cumprimento das exigências da prisão condicional. Aos policiais que monitoram sua reabilitação, ele os acusa de terem sido responsáveis pela morte de Billie Holliday, uma musa do jazz, que morreu também envolvida em drogas numa trajetória descendente que a levou ao ocaso. Born to Be Blue nos revela duas facetas importantes para recuperação do musico: a sua resiliência, ou seja, uma capacidade para superar as perdas e danos da vida, além do amor manifesto de Elaine, com quem divide uma Kombi, que serve de moradia e veículo de transporte. A partir daí, começa uma nova fase para a reinvenção da sua carreira, com Chet Baker se adaptando a uma nova embocadura, superando as dores e tentando se reerguer no mundo da música até voltar ao Birdworld, onde volta a conquistar aplausos do público, da crítica e dos seus pares. Baker voltou ao Birdworld e à heroína, perdendo em definitivo a companhia de Elaine, que tenta uma carreira solo no cinema. Ele confessa que conseguia entrar em cada nota e mandou um recado para Miles Dives, um dos seus antagonistas: “tem um jazista branco da Costa Oeste que vai comer vocês vivos,” mas a tragédia humana e pessoal do artista só terminou em 1988, com a sua morte, mas com sua voz e trompete imortalizados em bolachões, CDs e imagens do cinema, mas que nos chegam também através do YouTube. O filme resgata alguns clássicos de Chat Baker como My Funny Valentine, mas faltou Take Five, de Paul Desmond, o que fecharia tudo com chave de ouro e nos remeteria ainda mais à competência de uma voz inconfundível e de um trompete que hoje anima junto com trombetas a banda dos céus. (Kleber Torres) Ficha Técnica Título: Chat Baker – A Lenda do Jazz (Born To Be Blue) Direção e roteiro: Robert Budreau Elenco : Ethan Hawke, Carmen Ejogo, Callum Kaith, Stephen McHatie, Kevin Hanchard Música composta por: David Braid, Todor Kobakov, Steve London 2015 (EUA)

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

O que há por trás da Igreja Oculta


O History Channel voltou a exibir novamente este ano a série A Igreja Oculta, com oito episódios, que têm como foco uma revisão sobre a história da Igreja Apostólica Romana, evidenciando de forma critica, que muitas das mensagens de Jesus têm sido mal interpretadas ao longo dos séculos. A série também investiga os interesses ocultos de grupos por trás dessas mudanças que têm implicações políticas, sociais e econômicas. A série, que foi montada como um documentário, com entrevistas e depoimentos, também analisa o papel de Jesus, Maria, dos apóstolos e dos vários papas ao longo de uma história de dois milênios, assim como os mais recentes escândalos como a eclosão de casos de pedofilia que geraram indenizações milionárias, além dos abusos como os da inquisição, incluindo renúncias de papas e publicações de documentos secretos do Vaticano, entre outros fatores. A série também revela as mentiras, engodos evidentes, regras e proibições utilizadas para criar e manter o poder do comando do clero e a manipulação dos recursos do banco do Vaticano, além dos interesses de grupos econômicos até a eleição do Papa Francisco, que se propõe a mudar as regras do jogo com uma igreja voltada para os mais pobres e carentes. Um dos capítulos da série mostra que Jesus criou uma Igreja voltada para os desvalidos, unindo homens e mulheres de fé. Fala ainda do processo da escolha dos apóstolos entre pescadores e homens com suas dúvidas e fraquezas humanas, que aceitaram divulgar e pregar as palavras de Jesus. Também mostra que ao longo do tempo a Igreja perdeu fieis no mundo e na America Latina em particular. No Brasil nos anos 80 do século passado 90% da população era católica e que hoje este total foi reduzido para 53%, com um avanço dos grupos evangélicos e de outras religiões. O episódio fala ainda da concentração das riquezas, da polarização dos recursos em mãos de 1% da população e das contradições do mundo globalizado, o que se contrapõe agora com a proposta de ajuda aos pobres, marginalizados, crianças, mulheres e idosos, que estão à margem do processo econômico. Historicamente, a série revela ainda, que muitos apóstolos e fieis foram mortos e crucificados pelos romanos, lembrando que dos 120 seguidores inicialmente arregimentados por Jesus, 72 se tornam discípulos, entre os quais 12 deles foram capacitados para o trabalho apostólico. A série questiona até que ponto a Igreja pregou o amor ao próximo e a solidariedade, bem como o quanto ela se afastou deste objetivo primordial de Jesus. Nos fala ainda da escolha de Jorge Mario Bergolio, como um Papa Francisco que defende uma igreja pobre para os pobres, resgatando assim aquela que seria a proposta inicial de Jesus pois, “não quero príncipes para a Igreja”, defendendo uma igreja inclusiva, afastada da riqueza e do poder. A Igreja Oculta nos leva a refletir sobre uma instituição que vive uma grande mudança se afastando da perspectiva anticomunista e de convivência com os poderosos de plantão para uma espécie de marxismo adequado às circunstâncias latinomericanas. A série cita como exemplos o trabalho de bispos como Samuel Ruiz , no México e o padre Camilo Torres, que preconizava a mudança através de ação e se ligou á guerrilha, incorporando a violência como um complemento da ação social. A Teologia da Libertação teve ainda a participação de Carlos Mojica, um padre que acabou assassinado e Leonardo Boff. O fato é que tudo isso nos leva a uma reflexão profunda sobre as diferentes messagens de Cristo e também dos documentos apócrifos da própria Biblia, os evangelhos proibidos, que foi revista e reeditada. O problema é até que ponto o Papa Francisco se insere neste cenário global e o que muda depois dele, em função do jogo de poderes antagônicos na própria Igreja e que se revelam ao longo do tempo através de avanços e retrocessos políticos e sociais para que a história não se repita como farsa ou tragédia.(Kleber Torres)

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Os vestígios alienados da solidão e do desamor


O filme “Vestígios do Dia” (The Remains of the Day) foi produzido a partir de um romance do escritor nipo-britânico Kazuo Ishiguro, que acaba de conquistar o Nobel de Literatura. Ele aparece como uma oportunidade de introdução para quem quer conhecer os trabalhos do também autor de “When we were orphans”, “The Unconsoled” e “The Artist of The Floating World” e “A Pale View of Hills), hoje mundialmente conhecido e respeitado graças a um prêmio de dimensão global e que lhe rendeu US$ 1,1 milhão. Como livro, “Vestígios do Dia” foi premiado com o Man Booker Prize for Fiction em 1989 e como filme, tem a seu crédito o desempenho antológico do mordomo James Stevens (Anthony Hopkins), um homem solitário, que se aliena através da dedicação ao trabalho, o que o distancia até mesmo do pai no momento da sua morte e que joga na lata do lixo os sentimentos como o afeto, o amor, o companheirismo e a solidariedade. Este conjunto de fatores também o torna indiferente e omisso em relação às simpatias do seu primeiro patrão pelo nazismo. Tudo começa com um homem idoso, o próprio Stevens, que inicia uma viagem pela Inglaterra em direção ao litoral num veículo luxuoso. Ele foi por décadas o mordomo-chefe de Darlington Hall, uma casa de campo famosa, onde se reuniam figuras expressivas da vida política e econômica da Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha. Agora, com esta viagem, o mordomo tentava resgatar os elos de afeto perdidos em função do trabalho que o absorvia em tempo integral. O fato é que Stevens sacrificou sua vida pessoal por vários anos na busca do reconhecimento da sua competência como um profissional discreto, que evitava emitir opiniões sobre política ou decisões governamentais, mesmo reprimindo os seus sentimentos pessoais que lhe dariam uma dimensão humana, transmitindo ao uma frieza e um distanciamento que na verdade não faziam parte da sua personalidade. Em sua viagem, Stevens pretende reencontrar Sally Kenton (Emma Thompson), que ele não vê há muito tempo e tinha sido governanta em Darlington, por quem nutria mesmo sem demonstrar uma certa afetividade. Ele pensa que talvez ela possa ser persuadida a retomar a sua antiga posição, trabalhando para o novo proprietário de Darlington, um congressista americano aposentado John Farraday, mas no fundo ele também sonhava em encontrar uma companheira para o final da sua vida. Sally, fora apaixonada por ele e acabou se afastando depois de esbarrar ma sua frieza impenetrável e de ser pedida em casamento por um colega de trabalho Benn, a quem aprendeu a amar depois, na velhice, com uma filha criada e que agora esperava o primeiro filho. Certa vez, quando ainda trabalhava em Darlington e mostrar interesse por um livro que Stevens tinha nas mãos, ele simplesmente explicou que era para melhorar o seu conhecimento e pediu asperamente “não interrompa os poucos momentos que tenho para eu”. O filme esbarra na lentidão, que é compensado pelo desempenho de Hopkins e Thompson, com seus dramas humanos e pessoais de quem serve a um sistema impessoal e anódino que a tudo absorve e devora. (KLeber Torres) Ficha técnica: Titulo : Vestígios do Dia (The Remains of the Day) Direção: James Ivory Elenco: Anthony Hopkins (James Stevens), Emma Thompson(Miss kenton), James Fox e Christopher Reeve Gêneros Drama, Romance Nacionalidades EUA, Reino Unido 1993

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Quando o ser ou não ser passa a ser uma questão de humor

A comédia “Sou ou Não Sou”, dirigida por Alan Johnson, em 1983, tem como referência o Ser ou Não Ser, a primeira cena do terceiro ato do Hamlet, uma obra prima de William Shakespeare e que neste caso foi adaptada para uma comédia de humor negro. O filme tem como pano de fundo a invasão da Polônia pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial e a caça implacável da Gestapo aos lideres da resistência. No filme, o ator Frederick Bronski (Mel Brooks) apresenta Pérolas de Hamlet no teatro de Varsóvia, enquanto sua sedutora esposa e companheira de palco, a bela Anna (Anne Bancroft), recebe nos camarins um jovem piloto (Tim Matheson). Mas tudo quando a Trupe Teatral de Bronski é movilizada para enganar os invasores nazistas e assim salvar os integrantes da resistência das garras da Gestapo juntamente com o piloto que voltou do exílio para lutar em seu país, impedido a ação de um espião nazista que fugira da Inglaterra. A consequência da invasão alemã se reflete na vida da população polonesa e de Bronski, considerado o maior interprete de Shakespeare na Polônia, que por falta de gasolina tem de usar o seu luxuoso Rolls-Royce puxado por um cavalo, enquanto sua casa foi utilizada como alojamento para o comandante nazista, que o obriga a se transferir com a mulher para a espelunca de um ator da sua troupe. O seu hospedeiro passou a usar um triângulo no peito, sinal que distinguia os homossexuais e dizia com ironia que estava na moda, como também os judeus usarem estrelas amarelas coladas no peito, o que os distinguia do resto da população da Polônia ocupada. No teatro, havia também um cartaz dizendo que apesar das aparências, ainda estava funcionando e onde Bronski continuava apresentando o seu solilóquio shakespeareano. A trama envolve também um espião nazista, o professor Siletsky, que tem a lista com os nomes dos militantes da resistência para repassar ao serviço secreto alemão, mas acaba morrendo depois de sequestrado pela troupe de Bronski, que o substitui colaborador do exército alemão, o qual privava da amizade de Hitler, fazendo a sua maior performance mas que ninguém assistiu, mesmo quando confrontado com o morto. (Kleber Torres) Ficha técnica: Título: Sou ou Não Sou (To Be or Not to Be) Direção: Alan Johnson Elenco: Mal Brooks, Anne Bancroft, Tim Matheson, Jose Ferrer, Charles Durning e Christopher Lloyd Música: John Morris Ano : 1983

Aliados tem o mesmo cenário mas não repete o sucesso de Casablanca




Tendo como cenário Casablanca, que dá o titulo de um filme antológico com o mesmo nome dirigido por Michael Curtiz, em 1942, que envolve um drama romântico e de espionagem durante a Segunda Guerra, envolvendo nazistas contra franceses e ingleses,  Aliados (Allied), de 2017, surgiu como uma proposta ambiciosa e referências históricas ao seu antecessor, contando com a direção de Robert Zemeckis e reunindo um elenco de primeira linha com Brad Pitt, Marion Cotillard e Jared Harris. O filme não surpreende ao espectador e se perde na lentidão narrativa caindo no vazio.
Zemick, que tem a seu crédito filmes de sucesso como Forrest Gump, De Volta pro Futuro e O Náufrago, selecionou um elenco de atores  de peso para  um filme romântico e de ação,  que tem como pano de fundo o desenrolar da Segunda Guerra, com o envolvimento de ações militares e de espionagem. Tudo começa quando o piloto e espião canadense Max Vatan (Brad Pitt) desce de paraquedas no deserto e vai para Casablanca, no Marrocos, com o objetivo assassinar o embaixador nazista.
Nesta empreitada, ele tem como parceira a bela e irrequieta guerrilheira francesa Marienne Beausejour (Marion Cotillard)  a quem não conhecia e por quem acaba se apaixonando,  casando e tendo uma filha.  Os dois realizam o atentado numa festa na embaixada alemã e ao que se depreende no desenrolar do filme, é que a execução agradaria ao próprio Hitler, que nos bastidores pretendia se livrar do embaixador germânico e assim teria facilitado a ação dos agentes aliados, com uma infiltrada na ação.
Em realidade, Beausejour é uma espiã nazista e que foi colocada em lugar de uma guerrilheira da resistência francesa executada pela Gestapo. Extrovertida, muito bonita e sensual Marianne tem trânsito livre na  sociedade de Casablanca, que também era um centro de espionagem onde agiam espiões aliados e nazistas.
Assim, depois do atentado bem sucedido, o casal vai para a Inglaterra, onde Vatan continua atuando no serviço de informações da RAF, enquanto a mulher se dedica a cuidar da  casa e da filha, uma postura conflitante com a da guerrilheira francesa que tocava piano e cantou a Marselhesa desafiando oficiais nazistas.
Em função do vazamento de informações militares confidenciais, Vatan começa a ser investigado pelo serviço secreto sob pena de ser executado, juntamente com sua mulher, por espionagem, uma vez que sinais de rádio eram emitidos do bairro onde o casal morava e o referencial da emissão seria uma mulher, a qual seria uma suposta agente alemã.
A partir daí o piloto começa a investigar a companheira colocando em risco a sua carreira, num filme em que os ambientes e cenários fazem referências claras a Casablanca, mas se perde no vazio pela previsibilidade e por não conseguir prender o espectador, inclusive com poucas ações bélicas, uma delas com um bombardeiro alemão caindo nos fundos da casa do casal, que recebia amigos para uma festa. O filme termina com a morte da espiã que faz a opção pelo suicídio num aeroporto, que também é o cenário do final de Casablanca, que ao contrário do seu sucessor, ficou em definitivo na história do cinema.(Kleber Torres)

Ficha técnica

Título: Aliados (Allied)
Dreção: Robert Zemeckis
Roteiro : Steven Knight
Elenco :  Brad Pitt, Marion Cotillard, Jared Harris, Matthew Goode, Lizzi Caplab, Anton Lesser e  Camille Cottin
EUA

2017

domingo, 15 de outubro de 2017

As confissões de quem luta contra a solidão, o fracasso e o tempo



 As Confissões de Schmidt mostram a história de um homem, Warren Schmidt (Jack Nicholson)  que se aposenta depois dos 60 anos, no meio de homenagens que não significam nada na sua essência para ele, uma vez que  serviu ao sistema – uma empresa de seguros – e não leva nenhuma recordação do trabalho. Ele demonstra esta insatisfação ao deixar na festa a própria mulher que o acompanhava e os amigos, alguns deles inconvenientes, para tomar vodca sozinho no bar.
Além de ter de  lidar com a aposentadoria, uma coisa para a qual muitas pessoas não estão preparadas, uma vez que mudam as suas referências cotidianas e de amizades, ele também se defronta com a morte repentina da mulher com quem conviveu por mais de 40 anos. Assim, Schmidt começa a refletir sobre o seu passado e um futuro cheio de incertezas, que se ampliam com a terceira idade e seus problemas inexoráveis.
Neste ínterim, ele segue rumo ao Nebraska onde pretende  ajudar no casamento de sua filha Jeannie (Hope Davis), que não foi à festa de sua aposentadoria, com Randall (Dermot Mulroney), um vendedor de camas d'água. O problema para o recém aposentado e viúvo é que os novos passos parecem incertos e sujeitos a erros,  fazendo com que ele acredite que o fim de sua vida será igual ao seu passado, que vê como um grande fiasco no trabalho e no casamento.
Tudo muda quando Schmidt decide se corresponder com um jovem garoto da Tanzânia, Ndujo, a quem passa a patrocinar os estudos pagando cerca de R$ 2 por dia, o equivalente a 73 centavos de dólar. Em suas longas cartas ao garoto Warren fala da sua experiência de vida e da expectativa com a chegada da velhice, “porque quando me olho no espelho vejo rugas nos meus olhos, pelos caindo no pescoço e nos ouvidos”.
O aposentado também analisa criticamente a sua relação com a mulher falecida e os custos do sepultamento, lembrando que a filha ficou noiva de um babaca. A preocupação do velho Schmidt  é com quem vai cuidar dele, que tem um relacionamento difícil com a filha e de quem ficou ainda mais distante. Ele fala das possibilidades da morte e das 73% de chances de morrer em cinco anos, daí a necessidade de estabelecer e pelo menos manter uma rotina existencial.
Mas o filme não é pessimista. Schmidt  defende com otimismo, que o jovem valorize a vida enquanto vida ainda a tem e  como parte da sua reinvenção pessoal, ele  parte para viagens à casa onde nasceu, cujo terreno virou parte de um shopping center. Também esteve na Universidade do Kansas onde estudou e de onde não tem mais referencias, complementado com uma espécie de tour turístico em um camping, onde a mulher de um vizinho o considera um homem triste e raivoso. Como resposta ele a beija na boca e sai do trailer do casal, enquanto o marido fora comprar mais cerveja os deixando a sós.
O Warren Scmidt nos leva a refletir sobre três coisas: que diferença há em mudar de vida para alguém? O que melhorou no mundo por minha causa? E por fim, ele admite o fracasso como marido, trabalhador e mesmo como pai, quando vê que a filha está se casando com um pateta.
O filme conquistou dois Glos de Ouro e foi indicado para dois Oscars graças ao desempenho de Jack Nicholson e de Kathy Bates, além da competente direção de Alexander Payne, que nos conduz por um caminho áspero a uma trajetória existencial, mostrando que apesar dos dramas humanos, nem tudo está perdido, nem mesmo a visão social como o apoio e a amizade do idoso pelo jovem Ndugu, uma esperança no amanhã, pois, afinal, nem tudo está perdido.(Kleber Torres)



Ficha técnica
As Confissões de Schmidt (About Schmidt)
Direção: Alexander Payne
Roteiro: Louis Begley
Elenco: Jack Nicholson , Kathy Bates , Hope Davis , Dermot Mulroney , June Squibb , Howard Hesseman , Connie Ray
País: EUA
Gênero : Drama
Duração: 125 min.

2002

sábado, 14 de outubro de 2017

O poder absoluto que corrompe além de todos os limites




A história de todas as ditaduras é sempre a mesma, com a construção de um regime totalitário, que tem como base o autoritarismo, o medo, a opressão da população indefesa e o culto à personalidade do tirano, o que se reflete em estátuas, cartazes e retratos distribuídos em profusão por todos os rincões de um país, integrando o cenário das casas, lojas, barbearias e mesmo dos bordeis. Estes também são os ingredientes do filme O Presidente, uma coprodução franco-britânica-georgiana, dirigido pelo cineasta iraniano  Mohsen Makhmalbaf, que também assina "Gabbeh" e "Kandahar".
Tudo começa quando após um golpe de Estado, o Presidente interpretado por Mikheil Gomiashvili, foge com o seu neto de cinco anos  (Dachi Orvelashvili), com quem vivia juntamente com familiares em um imponente palácio, passando a andar pelo país que governou disfarçado de músico de rua, uma oportunidade para  conhecer de perto a situação do povo que governou por tantos anos com mão de ferro, gerando um clima de pobreza e insatisfação generalizada.
O governante foi deposto por um golpe de estado patrocinado por políticos e militares que conviviam no seu entorno, transformando-se de aliados em seus adversários mortais que iniciam uma caçada sem quartel, e tudo ocorre no justo momento em que ele dá uma aula de autoritarismo ao neto, quando determina que todas as luzes da cidade, menos as do palácio onde vivem se apaguem.
Em seguida, ele determina ao operador que obedeça as ordens do neto, que brinca o jogo do poder mandando as luzes se apagarem e depois acenderem, mas sem retorno, quando após instantes, o silêncio e a escuridão da noite foram quebrados por tiros e explosões de bombas em toda a cidade.
Diante da queda iminente, o ditador cuida de embarcar  todos os membros da família que fogem de avião para  outro país, optando por ficar juntamente com o neto, uma companhia inseparável e que veste uma farda igual à sua, para comandar a reação do seu exército já dividido, quando acaba perdendo o seu segurança pessoal baleado numa troca de tiros com rebeldes, ficando o corpo na sua limousine blindada, que logo depois é abandonada.
Diante de uma nação inteira revoltada     e mobilizada pela sua captura, os dois iniciam uma  fuga roubando uma moto e depois sob anonimato, tentam cruzar o  país para chegar ao litoral onde possivelmente embarcariam para o exílio em um porto seguro, passando por uma série de circunstancias adversas.
Esta louca escapada tem como contrapartida o noticiário do rádio, que fala das buscas empreendidas por soldados em veículos de combate, trens e helicópteros, bem como do aumento do prêmio pela cabeça do ditador, que no filme é tratado como presidente e que chega a ser cotada em US$ 1 milhão.
O fato é que sem dinheiro em mãos e sem amigos a quem recorrer, os dois passam  a viver de esmolas e de favores,  misturando-se com gente que toda a vida oprimiu durante o período da ditadura. Nesta viagem os dois passam no salão de um barbeiro onde o velho corta o cabelo e os dois mudam de roupa, depois incursionam por uma pedreira onde meninos e mulheres são a mão de obra barata e explorada, depois passam por um lupanar onde a única prostituta foi seguidamente estuprada pelos soldados que aderiram a revolução, mostrando que a mudança do regime não implica na mudança da violência da opressão ganhando uma outra forma e medida. Na casa o retrato do ditador na parede é alvejado por um soldado revolucionário.
Os dois fugitivos também se misturam a pastores, simulam ser espantalhos vestindo as suas roupas e depois se misturam a um grupo de ex-presos políticos estropiados pela tortura nos cárceres do governo do ex-presidente, a quem um dos companheiros de viagem que levava nas costas confessa ter matado o seu filho e sua mulher.
O filme revela ainda que a repressão destrói vidas e esperanças, como a do ex-preso político que volta para a mulher amada depois de cinco anos nos cárceres da ditadura e a encontra casada e com filhos, optando então pelo suicídio sugerido em imagens com o uso de um forcado curvo.
O Presidente nos revela por trás dos dramas humanos dos personagens, uma história trágica sobre a violência, o abuso do poder, a corrupção e a vingança das vitimas anônimas, como a noiva estuprada pelos soldados no dia do casamento quando viajava em companhia do marido e que acaba executada pelos seus algozes.
O roteiro também deixa evidente uma contradição, pois, os mesmos soldados que querem matar o presidente e o neto são os mesmos que o serviam no poder e abre espaço para o debate da questão sobre valores e direitos humanos, até porque se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente transformando até o que seria talvez uma comédia de humor negro numa tragédia.(Kleber Torres)

Ficha técnica:

Título: O Presidente
Direção : Mohsen Makhmalbaf
Roteiro: Mohsen Makhmalbaf e Marzieh Mashkini
Elenco : Mikheil Gomiashvili, Dachi Orvelashvili, Tomike Bziava
Produção : Vova Kacharava, Sam Taylor, Mike Downet
Idioma : Georgiano

Ano: 2015

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Uma reflexão sobre a vida e questões muito além da solidão e do tédio



A questão da velhice, da solidão, da falta de amor, o tédio cotidiano e a pobreza formam  o tema central do filme Manglehorn, que conta a história de Angelo Mangelhorn (Al Pacino), um chaveiro recluso e solitário que vive no  Texas, onde passa o tempo escrevendo cartas de amor para a sua ex-mulher e  distante  do seu filho Jacob, um empresário bem sucedido e que atua no mercado financeiro.
A rotina de Menglehorn é previsível, ele dissipa  os seus dias monotonamente  na loja e oficina ou atendendo clientes, cuidando do seu gato ou  escrevendo cartas de amor sem receber respostas na caixa do correio, que  pelo desuso e abandono acaba abrigando uma colmeia em formação de abelhas.
A sua rotina previsível e cansativa é rompida sempre às sextas feiras, quando vai ao banco, onde é atendido pela caixa Dawn (Holly Hunter), uma mulher muito mais jovem que ele e também uma pessoa solitária em busca de amor e carinho.
Os dois acabam se encontrando em jantares e visitas, mas tudo cai por terra  quando em um jantar do casal ele tece loas a sua ex-mulher, por quem manifesta um grande encantamento, perdendo assim a chance de transformar o encontro com Dawn num namoro e assim, construir uma futura paixão, assim, ele volta ao seu universo limitado pela solidão, descrença e falta de perspectivas, coisas de quem perde a dimensão do tempo e não acredita no amanhã como explica o personagem num dos monólogos muitos ao longo do filme.
O diretor Gordon Green faz a opção correta  no personagem interpretado Pacino, um ator experiente e que mostra a construção gradativa do homem  socialmente desinteressado e agressivo Angelo Manglehorn, como um ex-treinador de uma equipe escolar de futebol americano. Do relacionamento com ex-alunos e com um filho ficam pistas sobre o crescente isolamento do personagem, de quem as pessoas também se afastaram quando entrou em decadência. 
Em termos didáticos, o diretor usa de forma ampla  fusões de imagens e sequências que revelam as reflexões do personagem sobre a vida e a solidão, mostrando ao mesmo tempo o outro lado da moeda, ou seja, um personagem romântico que sonha na reconquista do amor perdido, que se dissipou no tempo, vivendo em companhia de um gato em quem investe suas poupanças numa cirurgia complicada.
O filme é construído em partes distintas e que se somam: de um lado, o monólogo interior de Pacino que tenta avaliar a dimensão e extensão do seu isolamento ou questionar sobre a sua vida. Há ainda uma cantoria de um cliente e uma funcionária do banco onde Down trabalha e que fala de questões como o amor na sua essência e na fé, isso sem falar nas intervenções de um mímico que surge alegoricamente em várias ocasiões inclusive no final.
Cabem  ainda no filme os diálogos de Menglehorn com o filho a quem chama de tubarão e que o procura quando investigado por supostos crimes no mercado financeiro, a quem pode oferecer apenas o sofá cama na sala modesta e suja da casa onde vive.
O filho, que teve os bens bloqueados, queria palavras de apoio e lembra que não tem com quem falar ou pedir conselhos. Para Menglehorn quando escolhemos esta vida não temos ninguém, pois no mundo é cada um por si. Ele lembra por experiência própria  que nos momentos de crise e de dificuldades   ou na decadência ninguém nem mesmo atende ao telefone e o que é mais grave, “você acaba invisível, nós somos invisíveis”. 
Mas Angelo Manglehorn também tem seus momentos de resiliência e isso é lembrado pelo filho, pois quando irritado, o personagem central quebrou tudo em casa e sem agredi-lo. Cita ainda que ao voltar da escola a casa estava em ordem, a televisão quebrada substituída e o pai apenas comentou que teve uma manhã difícil, mas sem lamentações. Essa capacidade de reconstrução, o Menglehorn tenta numa reaproximação com Down, afinal sempre há espaço e condições para recomeçarmos e até terminarmos alguma coisa antes da morte que é inevitável. (Kleber Torres)

Ficha técnica

Título : Manglehorn
Direção: David Gordon Green
Roteiro: Paul Logan
Elenco: Al Pacino , Holly Hunter , Chris Messina , Harmony Korine
Música : David Wingo
Duração: 97 min
País

2014

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Entre a poesia e o sexo no drama das mil e uma noites



As Mil e uma Noites (Mille e uma Notte) de Pier Paolo Pasolini é um filme onírico que envolve drama, erotismo, pornografia e até comédia, tendo como base uma frase do próprio cineasta ao considerar que a verdade não está num sonho, mas em muitos sonhos superpostos. Tudo começa quando um homem inicia uma estranha viagem à procura de sua amante, uma bela escrava chamada Zumurrud, que foi raptada por um ser de olhos azuis.
Na sua longa e aventureira busca, ele vai cruzar com uma série de outros personagens com seus dramas humanos envolvidos em traições, cobiças e desejos eróticos. O filme mostra o leilão de uma escrava que se recusa a ser vendida  e pode ser encarado como uma grande alegoria formada por pequenas histórias que se somam tendo como pano de fundo relações hetero e homossexuais em abundância.
Um dos personagens diz que o que Deus quer acontece e o que não quer não acontece e o filme faz parte de Trilogia da Vida  produzida no período de 1971 a 1974, inciada por Decameron,  seguido de Os Contos de Canterbury e de As 1001 Noites,  obras polêmicas e que dividiram a opinião do público e da própria  crítica. Ela foi encerrada com o assassinato Pasolini em circunstâncias consideradas misteriosas, em novembro de 1975.
No filme As Mil e uma Noites tudo é metafórico, chocante  e superdimensionado, misturando poesia belas com imagens como a de uma espécie de Eros,  que usa um arco e flecha com um pênis na ponta como se fosse um vibrador. Há também a relação dúbia  entre  Aziz (Ninetto Davoli)/Aziza e ainda o caso da Rainha Dunya, que odeia homens e tem um jardim particular, num contexto que envolve sexo, prazer, sadomasoquismo e a morte inexorável.
Um personagem faz referência à importância da ciência, arte e literatura, lembrando que sem conhecimento não há nada, numa sociedade que valoriza apenas o dinheiro. Já um sapato deixado numa tumba nos remete à história da Gata Borralheira  e depois há uma  referência a conhecer o mundo numa viagem pelo mar.
Numa outra sequência, Franco Citti, com cabelos vermelhos, interpreta um demônio que mantém como prisioneira uma jovem branca, uma cor que contrasta com  a dos demais personagens do filme, inclusive da bela nativa africana com seus olhos claros. Assim, quando um jovem entra  por acidente no local, não consegue resistir à  beleza da moça, que também se apaixona por ele. Quando o demônio retorna ao local, descobre que não há nada mais que ele possa fazer, então  corta-lhe os braços, depois  as pernas, mas a vítima em sua resistência ainda é capaz de fazer amor com os olhos.
O filme também é premonitório quando mostra um jovem assassinado, o que aconteceu na vida real um ano depois com o próprio cineasta. Como comunista e homossexual, Pasolini revela em seus filmes uma critica à política e ao sexo mostrando personagens às vezes de carne e osso, que respiram, amam, comem, bebem, trepam e dormem para depois sonhar. O problema é sabermos  onde está o limite do sonho ou da realidade num mundo conturbado e às vezes cruel, onde nem sempre a razão ou até mesmo o prevalecem.(Kleber Torres)
Ficha técnica
 Direção e roteiro: Pier Paolo Pasolini
Elenco : Ninetto Davoli, Franco Merli e Inês Pelegrini
Gênero Drama, comédia e erotismo   
Ano : 1974
Duração: 3h10min

Uma produção Franco/Italiana 

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

A heterodoxa educação siberiana para o crime




Um menino siberiano é criado pelo avô, o Vovô Kuzya (John Malkovich), um líder em uma comunidade de criminosos de uma pequena comunidade, aprendendo a lidar com a violência desde pequeno para que quando crescer juntamente com os amigos se integrem à máfia russa. O filme narra a história de dois jovens amigos de infância Kolima e Gagarin, que tomaram rumos diferentes e  depois de crescidos se tornam inimigos mortais, o que resulta  numa grande e implacável caçada humana.
No filme, o velho Kuzya aconselha ao neto para que ame e respeite todos os seres vivos, com exceção dos policiais, dos banqueiros e dos empresários “que roubam e exploram a nossa gente, mas de quem roubar não seria um crime.” Ele ensina ainda que o lar de todo o ser vivo é o céu e orienta ao neto e aos seus amigos pelo desprezo ao dinheiro e a acumulação de bens materiais.
Na educação do neto ele ensina ainda que não é permitido drogas na comunidade e mata um traficante obrigando-o a comer heroína. Já Gagarin é preso aos sete anos, depois de roubar um comboio que elevava suprimentos do exército e volta à comunidade integrado na máfia russa e com uma visão niilista do mundo e da vida.
Na aldeia, os adultos e jovens criminosos praticam toda a sorte de crimes e usam artifícios engenhosos para driblar a policia, colocando um carro da mesma cor numa rua enquanto escondem um veículo roubado. O avô ensina ao meio de peripécias dos jovens que “a fome vai, a fome vêm, mas a dignidade uma vez perdida não volta nunca mais”, ressaltando a importância de um código de honra para os criminosos, o que seria aparentemente uma contradição.
Nos seus ensinamentos, o velho Kuzya ensina que quando um criminoso morre, o seu canivete, uma arma de defesa e ataque, deve ser quebrado. Assim, uma parte fica com o falecido e a outra com a pessoa a quem mais amou, para que o morto possa reencontrar a paz e a tranquilidade.
Já o Gagarin ao voltar da prisão em outra região da Russia  considera que esse negócio de justiça não existe. Ele também se autodefine um lobo solitário, que sempre esteve sozinho, que não pertence a ninguém e não tem pertencimento sobre nada. Em seguida ele e Kolima vão para uma capital do território, onde Gagarin se encontra com um grupo de Black Seeds, mafiosos, com quem se confraterniza e cheira cocaína, irritando o amigo.
Kolima conhece Xênia uma jovem especial por quem se apaixona e que dizia que não era normal. Ela  na sua ingenuidade tinha um comportamento infantil, chegou a tocar um piano que estava sendo levado por uma enchente do rio que cruzava o vilarejo. Isso no mesmo momento em que outro integrante do grupo de amigos da juventude, o Vitalic, morre afogado levado pela correnteza
O que divide definitivamente a amizade entre os dois é quando Gagarin, um niilista que não acredita nas regras e em nada, por isso poderia fazer nietzschianamente o que quisesse, estupra  Xênia, a namorada do amigo, que era deficiente mental e ela acaba ficando catatônica. O avô orienta então que pela lei, o neto deve achar quem cometeu o crime e solta todas as pombas que criava num aviário.
Gagarin foge e passa a atuar na máfia dos Black Seeds, enquanto Kolima ingressa numa tropa especial do exército. Quando os dois se enfrentam algum tempo depois de uma longa caçada,  Gagarin tenta se explicar dizendo que não há desculpa e nem razão para o que fez e que ele é uma espécie de rei de Midas – aquele que transformava em ouro todo que tocava – reverso, destruindo tudo o que tocava. Ele avisa ao ex-amigo que  vai se matar e pede um tempo de dois minutos, porque acreditava que a vida não valia a pena e nunguém nunca olhou para ele. (Kleber Torres)
 


Fucha Técnica:

Título : Educação Siberiana (Siberian Education)
Direção: Gabriele Salvatores
Elenco: Arnas Fedaravicius, Vilius Tumalavicius, John Malkovich
Música : Mauro Pagani
Roteiro: Gabriele Salvatores, Stefano Rulli, Sandro Petraglia

Lançamento : 28 de fevereiro de 2013

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Filme revela depoimentos sobre a tragédia de quatro cidades fantasmas





O documentário Cidades Fantasmas conta a dramática história de quatro cidades que antes foram dinâmicas, com vida própria e que abrigaram populações com diversas atividades econômicas, mas hoje estão abandonadas e devoradas pelo tempo. As causas são variadas e incluem desde catástrofes naturais, como no caso do vulcão que arrasou  Armero, na Colômbia; motivações econômicas, como em Fordlândia, no Brasil e  Humberstone, no Chile vítima do esgotamento da exploração de salitre ou ainda erros ambientais como Epecuén, na Argentina, que acabou inundada com a canalização de um lago.
Dirigido pelo cineasta Tyrrel Spencer e com roteiro assinado por Carolina Silvestrin, Guilherme Soares Zavella e André Luiz Garcia, o documentário começa com a câmera passeando por um cemitério e depois por ruas de casas abandonadas seguido da  narrativa de um homem que volta à terra onde estão enterrados seus mortos e suas lembranças.
A cidade é Humbertone, no Chile, um outrora dinâmico centro de produção de sal e que foi economicamente inviabilizada com a paralisação da extração mineral, revelando que todo o princípio tem um fim e a impossibilidade de se sobreviver numa área desértica, numa terra tão seca e vazia. Os entrevistados falam do aspecto econômico e também dos acidentes graves com a ocorrência de explosões retardadas. Mostra ainda a desocupação em massa da população e a migração dos desempregados para outros centros urbanos.
O segundo caso é o da Fordlândia, um mega projeto da Ford, para exploração de seringais visando a produção de borracha na Amazônia e que resultou num monumental insucesso em função de pragas e doenças que dizimaram as plantações. Com o abandono do empreendimento pelos americanos, a área foi transformada num centro de criação de gado de raça e num centro programas de melhoramento genético dos bovinos.
Brasileiros que trabalharam ou que hoje vivem na área narram a saga  dos empregados nativos que ocupavam cargos subalternos, uma vez que todo o comando operacional de americanos que moravam em separado numa vila, onde havia uma casa reservada para a família Ford.
Também estão incluídos depoimentos dramáticos dos sobreviventes de Armero, na Colômbia, depois de uma erupção do Nevada Ruiz que matou há mais de três décadas 20 mil pessoas, uma tragédia  que poderia ser evitada se o governo retirasse a tempo as milhares de vítimas que acabaram sucumbindo num rio larva vulcânica. Como se não bastasse a tragédia, as casas que não foram devastadas acabaram roubadas e vandalizadas.

Por fim os erros técnicos em Ypecuén são criticados por pessoas que perderam suas casas em função de uma obra de canalização de um lago, depois de uma estiagem prolongada. A cidade era um promissor centro de turismo e estava num estágio de desenvolvimento acelerado, mas acabou submersa.(Kleber Torres)

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Sexo x Loucura sem drogas e sem rock’n roll








Considerado uma obra prima de Roman Polansky, o filme Repulsa ao Sexo (1965), conta a história de uma bela mulher, Carol Ledoux (Catherine Deneuve), que vive um profundo conflito psicológico por ser muito reprimida sexualmente, o que a coloca no tênue limite entre a sanidade e a loucura. Os problemas se agravam quando ela fica sozinha em seu apartamento e entra em uma profunda depressão, passando a ter  alucinações com estupros recorrentes, cenas de sadismo e de assassinatos.
Carol mostra uma estranha repugnância ao sexo e  aos homens, o que se manifesta nos pensamentos enquanto trabalha num salão de beleza de luxo ou mesmo em sua casa, com relação até mesmo ao antagonismo à escova de dentes do cunhado ou ficando visivelmente nervosa ao ouvir os gemidos da irmã e do seu parceiro em um quarto contiguo ao seu. Ao perceber as reações da jovem o namorado da irmã a considera estranha, inclusive quando ela pergunta à própria irmã se ele iria dormir no apartamento das duas todas as noites.
Em essência Carol considerava  o apartamento  um refúgio pessoal, mesmo sabendo que cada um tem de cuidar da sua vida.  Os seus medos afloram com a cobrança do aluguel pelo senhorio ou  nas relações dúbias com um jovem com quem marcou um encontro e não foi. O seu mundo esquizofrênico aflora quando a irmã viaja com o namorado e a deixa sozinha tomando conta da casa.
No trabalho, ela tem manifestações de ausências e acaba sendo mandada para descansar em casa,  onde ouve passos e ruídos estranhos, mas acaba dormindo, acordando em seguida para tomar um banho. Ela também seria vitima de um presumível  estupro em casa e acaba acordando no meio da sala, quando o telefone toca.
De volta ao  emprego, a dona do salão de beleza faz questão de frisar que “isso é um negócio e você não pode simplesmente sumir por três dias“. Numa cena seguinte, ela corta o dedo de uma cliente com um alicate de unha provocando um forte sangramento.
O filme em preto e branco, com uma excelente fotografia, mantém no seu desenrolar um clima permanente de suspense e de  tensão, culminando com cenas de sangue e assassinatos. Na trama o namorado dela se encontra com amigos no bar, enquanto a jovem vê filmes pela televisão em casa.
Carol também o mata quando ele invade a sua casa, cujas portas fecha com pedaços de madeira e pregos para evitar a entrada de estranhos. Mesmo assim, depois ela se vê estuprada por desconhecido e como cena recorrente, volta a despertar quando o telefone toca no meio da sala.
A bela mulher também mata o senhorio que veio cobrar o aluguel e reclama ao perceber que o apartamento parece um chiqueiro. O homem  se propõe a dispensar o aluguel em troca de favores sexuais, mas acaba morto a navalhadas.
Os crimes são descobertos quando a irmã volta de viagem com o namorado e acha a casa revirada e com um forte odor de corpos em decomposição. A casa também é invadida por vizinhos e curiosos, que veem juntamente com a irmã uma Carol catatônica, imóvel e completamente estática diante da foto da família deixando transparecer apenas um olhar vazio em direção ao nada absoluto.(Kleber Torres)


Ficha técnica:
Título: Repulsion (Repulsa ao Sexo)
Direção: Roman Polanski
Roteiro: Roman Polanski, Gérard Brach, David Stone
Elenco :Catherine Deneuve (Carole), Ian Hendry (Michael) e  Yvone Furneaux (Helen); John Fraser (Colin); Patrick Wymark (Landlord)
Música : Chico Hamilton
Cinematografia: Gilbert Taylor

 1965 Drama/Thriller 1h 46m