domingo, 2 de agosto de 2020

Um lição para compreender os que ouvem a voz da lua

 

 

A insanidade, que ocupou espaço nas letras através do ensaio Elogio à Loucura, de Erasmo de Roterdã; do romance primoroso D. Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes e no teatro shakespeariano, com Hamlet, que fingia-se de alucinado, justificando que “não estou louco de verdade, estou louco por astúcia” para vingar a morte do pai, chegou às telas dos cinemas com o filme A luz da lua (1990), do cineasta Federico Fellini, tendo como base o romance Il poema dei lunatici, de Ermano Cavazzoni. O filme é considerado uma alegoria e  ao mesmo tempo uma parábola sobre as visões  e as vozes da interiores que só os loucos e os vagabundos são capazes de ver, ouvir e  compreender, porque como disse um dos personagens, se a gente fizesse silêncio talvez entendesse algo.

Tudo começa quando Ivo Salvbini (Roberto Benigni), se apaixona depois de sair de um hospital psiquiátrico e tenta conquistar com artifícios a loura  Aldina Ferruzzi  (Nadia Ottaviani), uma musa distante e indiferente, que atrai a atenção e os olhares dos outros homens da cidade onde vive. Ivo recorre a imagens do poeta italiano Giacomo Leopardi, para quem a lua pousa nos telhados e nas hortas e a compara igualmente a sua amada à lua ao questionar “o que faz no seu silêncio a lua. Minha dileta lua”

A Voz da lua é também uma história de amor e que tem como referências  não só a tentativa de Ivo Salvini em conquistar a sua amada, como o coloca emparelhado como outros loucos de plantão, a exemplo de Nestore (Angelo Orlando) que se casa e depois se separa de Marisa (Marisa Tomazi), que o deixa levando todos os móveis, deixando no apartamento vazio uma vassoura e  lavadora de roupas.

Salvini  também encontra na sua busca do amor,  um oboísta aloprado (Sim) que vive no cemitério local, que usa acordes da música erudita gerados a partir do quinto grau da escala maior e um homem cujo passatempo é meditar sobre telhados, além de se relacionar com Gonnella (Paolo Villagi), um ex-prefeito  com um parafuso a menos, com mania de perseguição e que ama  uma misteriosa mulher, com quem só ele conversa, vê e até dança Also sprach Zarathustra, de Robert Strauss, que foi incluída no filme 2001 Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick..

Gonnella torna Salvini seu braço direito na investigação de uma rede de conspirações naturalmente inexistente. Os dois vagueiam pelos campos da loucura e da infância felliniana passando pelo universo do noticiário e dos comerciais de televisão, pelo poder político e pelo fascismo, ou mesmo na realização de concursos de beleza, como a Festa do Gnocchi (a Nhocada), passando por lendas e contos de fadas, com Salvini experimentando o sapato de Aldina, mas que se ajusta ao pé de cada Cinderela que ele aborda.

O filme também trata de questões religiosas como o catolicismo, mostrando poder da Igreja e influência da igreja ou até por um belo ritual pagão com mulheres  africanas cantando ao luar. Numa metáfora à própria história, A voz da lua  passa até mesmo pela conquista da lua recontada por três lunáticos italianos, os irmãos Micheluzzi, usando equipamentos agrícolas de grande porte para chegar ao solo lunar, o que gerou uma série de incidentes e com ampla repercussão na mídia, o que leva Salvini a reflexões como: “porque a nós razoáveis, ninguém entende” e porque haveria? (Kleber Torres)

 

Ficha Técnica

 

Título: La Voce della luna (A voz da lua)

Direção : Federico Fellini

Roteiro : Federico Fellini e Tullio Pinelli, baseado no romance Il poema de lunatici, de Ermano Gavazzoni

Elenco : Roberto Benigni, Paolo Villagio,Nadia Ottaviani, Angelo Orlando,Marisa Tomasi, Sim e Suzi Blady

Música; Nicola Piovani

Cinematografista : Tonino Delli Colli

Itália

1990

120 minutos


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