segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O que é felicidade ?







Felicidade é, de Andrew Shapter, é um documentário em forma de road-trip uma modalidade de filme muito comum nos Estados Unidos, que mostra uma viagem pelo país visando discutir  e fazer uma reflexão sobre os mitos e as verdades sobre a busca da felicidade (happiness pursuit), o que pressupõe o direito à vida, à liberdade e à segurança em termos de saúde, bem estar social e acesso aos bens e serviços. Tudo isso se soma à realização pessoal do indivíduo e sua inclusão na sociedade onde vive e atua.
O documentário realizado em 2008, foi exibido esta semana no Sundance Channel, reunindo uma série de entrevistas e depoimentos  enfocando aspectos da sociedade de consumo, da própria comparação entre as pessoas e as mudanças sociais na sociedade americana, onde as pessoas se mudam com freqüência e perdem suas raízes ou laços. Hoje, o americano médio tem apenas cerca de 1,2 amigos e revelam a fragilidade de uma sociedade pós-moderna e da modernidade líquida, com suas relações virtuais e impessoais.
O filme também nos leva  uma reflexão de que ser feliz não significa apenas acumular bens e  riquezas materiais, mas ter uma vida cultural e espiritual rica, uma vez que as adversidades também nos levam ao crescimento pessoal e à compreensão da complexidade e da finitude da vida. Também faz referências à importância da resiliência capacidade de se reconstruir para superar dificuldades e problemas.
Ele nos revela a necessidade de termos um objetivo na vida e que num país pobre, ter o direito a um prato de comida por dia já é um motivo de felicidade. Hoje, nos Estados Unidos 21% do jovens vivem em situação de pobreza, 1,2 milhão de crianças estão nas ruas e 40% dos homens moradores de rua são ex-veteranos de guerra e drogados. O filme também mostra a ação de entidades assistenciais, uma delas com 13 veículos operando em grandes cidades distribuindo mais de um milhão de lanches e refeições para pessoas carentes, em sua maioria homens.  

Andre Shapter dirigiu em 2006 o documentário  Before the Music Dies, produzido e escrito com Joel Rasmussen, que reuniu no elenco Erykah Badu, Dave Matthews, Eric Clapton, Branford Marsalis and Questlove. Depois ele dirigiu Happiness Is, produzido 2009, e que se propõe a discutir em termos psicológicos, sociais e econômicos a busca da felicidade, um sonho que persegue a todos nos que somos humanos e finitos. 

sábado, 27 de dezembro de 2014

Eu e Orson Welles


O roteiro é simples e conta a história de Richard Samuelson (Zac Efron), um adolescente de  17 anos, ainda está cursando o segundo grau, que faz a sua descoberta para a vida e busca uma vocação. Ao passar casualmente diante do Teatro Mercury, em Nova York, ele teve a oportunidade de participar de um teste para se integrar uma nova montagem de "Júlio César", um clássico de William Shakespeare, tendo Orson Welles (Christian McKay), com 22 anos, já uma celebridade consagrada no rádio e no teatro, como diretor e astro principal.
Richard terá apenas uma pequena participação na peça, graças à sua habilidade ao tocar ukelele, um instrumento de cordas e que lhe permite  contracenar com Welles. Nos bastidores da montagem, ele conhece Sonja Jones (Claire Danes), secretária do espetáculo, que tem ambições maiores para a carreira e por quem numa se apaixona.
Aos poucos ele se interessa por ela, mas ao mesmo tempo que precisa lidar com a personalidade egocêntrica, manipuladora e autoritária de Welles, que mesmo casado com uma mulher grávida é um conquistador incorrigível, sem admitir nenhum tipo de concorrência e nem de contestação. Como ator ele tem apenas uma participação no espetáculo de estréia e é despedido sumariamente pelo diretor ao encontrar o personagem substituto.
Welles também mostra no filme a sua genialidade ao improvisar nas novelas  de rádio em que participava e ao montar a peça de Shakespeare fora do cenário romano, tendo como personagens mafiosos e nazistas vestidos de preto, numa releitura contemporânea daquela tragédia para o seu tempo e para os anos 40.
O filme, que retrata uma semana da vida do famoso cineasta, circulou com sucesso através dos circuitos independentes e teve a direção competente de Richard Linklater, que sempre foi um grande fã de Orson Welles e assistiu todos os seus filmes. Ele também considerou um desafio a transposição do personagem controvertido e ao mesmo tão criativo e explosivo para o cinema.
O fato é que a maioria das pessoas conhece Orson Welles, que se tornou uma celebridade em 1938  com o programa de rádio "Guerra dos Mundos", onde deixou os Estados Unidos em pânico ao colocar através das ondas artesianas uma invasão de seres de outros planetas de H.G.Welles. Esta peformance lhe valeu o convite para o cinema onde se impôs pela linguagem inovadora ao dirigir o imortal Cidadão Kane e outros filmes. Welles também esteve no Brasil e foi retratado num filme nacional “Nem tudo é verdade”, de Rogério Sganzerla, que lhe presta uma homenagem póstuma, tendo como narrador Grande Otelo. (Kleber Torres) 


Ficha técnica
Título: Eu e Orson Welles
Direção: Richard Linklater
Elenco: Zac Efron, Claire Danes e Christian McKay
Gênero: Drama
Nacionalidade: EUA  e Reino Unido
Lançamento: 2009

Duração: 1h47min

Águia na Cabeça



Os bastidores políticos, econômicos, culturais e sociais do jogo do bicho, ainda uma das poucas instituições sérias deste país, ao lado do Carnaval e do futebol, são mostrados com nitidez e todos os seus contrastem em A Águia na Cabeça.  O filme de Paulo Thiago explora com  objetividade uma temática popular e conhecida por todos os brasileiros, revelando o poder dos banqueiros do bicho – que hoje perdem espaço para os traficantes e o crime organizado - , com sua influência na vida política, econômica e social.
Paulo Thiago usa a linguagem dos filmes de ação e de aventura, misturado naturalmente com um melodrama sentimental e de fundo místico  para mexer com os sentimentos, a emoção e o interesse do público. Estes ingredientes  fazem com que o filme seja aberto a diversas leituras e releituras, inclusive como metáfora da própria realidade brasileira, um país em que as pessoas se assumem autoridade através do jeitinho, do suborno ou mesmo  da carteirada com a tradicional pergunta sobre você sabe com quem está falando?
Tudo começa quando um senador que tem contato com o jogo e a contravenção é assassinado pelo seu braço-direito, Cesar (Nuno Leal Maia), tenta  de todos os modos ocupar, inclusive através do casamento com a sua filha, o seu posição através de uma rede de intrigas e mortes. Ele entra em confronto com o Turco interpretado por Hugo Carvana, que é dirigiente de uma escola de samba e que tem como símbolo a águia, que no mundo real é uma referência ao símbolo do império Serrano.
O filme também explora não apenas a questão do poder e do domínio dos bicheiros nas comunidades onde atuam, bem como a sua associação com políticos, jornalistas e banqueiros, formando um circulo vicioso e que tem a sua própria dialética .
Águia na Cabeça também tenta em termos de ficção e aventura, uma incursão na linha dos filmes policiais, mas o seu principal foco está na disputa pelo poder político e econômico, numa sociedade onde o dinheiro dos bicheiros acaba lavado e esquentado através de operações  bancárias de forma periférica e marginal.  O dinheiro também custeava as escolas de samba.
O elenco reúne nomes expressivos como os Nuno Leal Maia, Christiane Torloni, Zezé Mota, Jece Valadão, Tereza Rachel e Hugo Carvana, além do irrepreensível Wilson Grey, que tema  seu crédito a participação em mais de 200 filmes nacionais  e cuja imagem está indissoluvelmente associada à do cinema brasileiro desde as chanchadas da Atlântida. Jofre Soares e Nildo Parente completam o elenco também com excelente desempenho. Em tempo: o filme também mostra que o crime compensa. (Kleber Torres em Princípio das Ideias)



Ficha Técnica:
Direção : Paulo Thiago
Roteiro: Aguinaldo Silva e Doc Comparato
Elenco :Nuno Leal Maia, Christiane Torloni, Zezé Motta, Jece Valadão, Jofre Soares, Xuxa Lopes, Tereza Raquel, Chico Díaz, Wilson Grey, Nildo Parente e Hugo Carvana
Ano : 1984

Duração: 108 minutos 

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Hanna K



Em Hanna K o diretor Costa Gravas não atinge a densidade dramática que é uma marca registrada do seu trabalho, mas reconstrói uma história humana de uma advogada judia de origem polonesa e nascida nos Estados Unidos, que depois de separada do marido,opta por viver em Israel na busca de resgatar as suas origens.
Como advogada ela assume a defedesa de Selim Bakri, interpretado por Mohamed Bakri um jovem palestino suspeito de terrorismo. Nesse contexto se situa também o duelo permanente entre israeleneses e palestinos que lutam de todas as formas, inclusive com o uso do terrorismo para reconquistar a sua terra, dividida com os judeus após a segunda Guerra Mundial.
È neste quadro que surge  Selim,  um palestino que cruzou ilegalmente as fronteiras de Israel para retornar à sua terra natal, um pequeno povoado, mas acaba rotineiramente nas barras dos tribunais a cada tentativa de volta ao antigo lar.
Hanna H, interpretada por Jill Claybourgh,  assume a defesa do palestino, contrariando até mesmo a indiferença do seu ex-marido e do próprio amante, um promotor ultranacionalista, que tenta a todo custo separá-la do palestino, inclusive com o apoio da repressão policial.
O filme é polêmico e divide opiniões, embora não aborde politicamente a questão do sionismo e mesmo do anti-semitismo dos palestinos em relação aos judeus, mas tem o foco na defesa do direito a uma pátria para o povo palestino. O tema é ainda atual nos dias de hoje, em função do permanente confronto entre israeleneses e palestinos tendo como pano de fundo a Faixa de Gaza e as terras que circundam o fortificado território israelense protegido por um verdadeiro escudo anti-mísseis.
Costa Gravas é um diretor que sempre enfocou questões  humanas e políticas através da retomada de temas reais, tocando em feridas que muitas pessoas gostariam de ver esquecidas. Em Z, ele retrata a luta pela democracia; em Estado de Sítio, o seqüestro do embaixador americano Dan Mitrione e a guerra dos tupamaros com as forças militares do Uruguai, num regime militar opressor e em Missing, o desaparecimento de um estudante americano na sanguinolenta ditadura chilena.
Como diretor ele iniciou sua carreira em 1964, com o filme policial Compartiment tueurs (Crime do Carro Dormitório), mas só a partir do terceiro filme, Z, é que ele incorpora os  recursos dos filmes do gênero policial e de suspense  dentro de uma temática mais ampla com abrangência política e social, tendo sempre o real como pano de fundo de uma história que nem sempre é de ficção. (Kleber Torres)

Ficha técnica:
Título  Hanna K. (Original)
Dirigido por   Costa-Gavras
Elenco : Gabriel Byrne Jean Yanne,  Jill Clayburgh, Mohammed Bakri
Estreia: 1983 ( Brasil )
Duração: 111 minutos
Gênero: Drama

Países de Origem: Israel

Uma história verdadeira

Uma história verdadeira

          Marie,  a true history (Maria, uma historia verdadeira) é um filme de um gênero muito comum nos Estados Unidos: a reportagem retomada de modo ficcional. Ele reconstrói a história real de uma mulher divorciada, Marie Ragghianti (Sissy Spaceck), e que depois de cursar a faculdade, acaba conseguindo um emprego público numa instituição prisional do Tenesse, e  conquista graças ao esforço pessoal  um  importante  cargo na máquina do judiciário do estado.
Baseado em romance de Peter Maas, Roger Donaldson mostra que ao descobrir que há corrupção na instituição, Marie não se intimida e luta contra uma máfia verdadeira  instalada  no governo, colocando a sua vida em perigo. Mas a contradição entre estar em um importante cargo público e  o exercício efetivo da Justiça emerge, quando Marie, descobre que por trás do governador e de sua assessoria, bem como do próprio judiciário, funciona toda uma máquina corrupta e viciada.
Assim, depois de descobrir uma estreita relação entre criminosos, que compram a sua liberdade condicional através do suborno de autoridades, e o envolvimento  do próprio governador nesta prática, ela  procura o FBI a quem encaminha uma série de denúncias.
Pressionada, ela acaba perdendo o emprego,  mas isso gera um sério conflito judicial, que acaba na morte misteriosa da principal testemunha de defesa de Marie, que passa da condição de acusadora à ré, numa inversão de valores e fatos.
Produzido por Dino de Leurentis, o filme reúne no elenco Jeff Daniels, Sissy Spacek, Keith Szarabalka e Morgan Freeman, e mostra que a mutreta, a corrupção e o jeitinho não são, infelizmente,  apenas brasileiros.(Kleber Torres)

Ficha técnica
Direção: Roger Donaldson
Roteiro: John Briley
Elenco: Fred Dalton Thompson, Jeff Daniels, Keith Szarabajka, Morgan Freeman, Sissy Spacek
Produção: Elliot Schick, Frank Capra Jr
Fotografia: Chris Menges
Trilha Sonora: Francis Lai

Duração: 112 min.

domingo, 21 de dezembro de 2014

Sol da Meia Noite



Sol da Meia Noite (White Nights) , que reúne o bailarino Mikhail  Baryshnikov, Geraldine Page e Gregory Hines, num filme de pouco balé e muito suspense, que nos revela as nuances do tenso mundo da guerra fria. O drama  se acentua quando um avião americano tem de fazer um pouso de emergência numa base soviética.
Tudo começa quando o bailarino Nikolai Rodchenko (Mikhail Baryshnikov) um russo exilado nos Estados Unido é aprisionado pela KGB quando seu avião sofre uma pane e realiza um pouso forçado em território soviético.
Lá tem contato com um bailarino americano Hines, que desertou do exército na época da Guerra do Vietnã, foi morar em Moscou e está casado com uma russa.
Dirigido por Taylor Hackford, o filme mistura balé com sapateado, e histórias típicas de capa e espada envolvendo a CIA, a KGB e tudo o que comporta o gênero e tem direito o rico mundo da espionagem.Revela também os bastidores de uma guerra latente e não declarada entre duas potencias e dois blocos econômicos e militares.
Mas o final é sempre feliz. Entre mortos e feridos escapam todos, inclusive o suposto espião que nada tinha com a história.

Ficha Técnica:
Título: Sol da Meia Noite / White Nights
Dirigido por   Taylor Hackford
Elenco : Mikhail Baryshnikov,  Galina Pomerantzeva,  Geraldine Page, Gregory Hines, Helen Mirre
Ano: 1985  
Duração: 136 minutos

Países de Origem: Estados Unidos da América

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Guerra das Crianças




Kodomo no Koro Senso Ga Atta não é como parece ser um palavrão, mas o titulo em japonês do filme Guerra das Crianças, considerado um libelo em favor da paz dirigido com competência por Sadao Saito, enfocando o drama de duas crianças ingênuas da família Nomoto. O filme mostra a segunda guerra sob a ótica dos japoneses.
O filme é baseado na historia real de Emi, uma bonita ,menina mestiça, filha de um americano com uma japonesa, e que vive no Japão durante a segunda guerra mundial e que  nutria um ódio mortal a tudo o que lembrasse ou se relacionasse com os Estados Unidos. Fala também da convivência de Emi, com o primo Taro e os problemas vividos por uma família afetada pelas conseqüências de uma guerra irracional e que pode até mesmo dividir uma família.
Como o pai de Emi lutava pela Força Aerea Americana e os demais membros da família integravam a marinha japonesa durante a guerra, havia uma tensão e conflito permanente no âmbito da clã. A família era comandada pela avó, que decidia autocraticamente nos momentos de crise e de dificuldades, mas, magoada, chorando sempre sozinha no seu quarto pela morte dos filhos e os dramas da família, como a acusação de vizinhos de que sua filha por se relacionar com um americano seria uma espiã.   
Guerra das Crianças nos mostra que num mundo em conflito global todos – crianças, mulheres, homens e idosos  são afetados indistintamente pela guerra , mesmo aquelas pessoas incapazes de ir para a frente de batalha, mas que podem morrer em bombardeios ou mesmo em atentados isolados. O drama revela também vida com todas as suas contradições e conflitos. (Kleber Torres)

Título no Brasil: Kodomo no koro senso ga atta
Direção: Sadao Saito
Elenco : Catharia, Meiko Kaji,Fumie Kashiyama,Hiromi Kurita, Aiko Mimasu e Yuichi Saito
Lançamento: 1986
Gênero: Drama / Guerra
País de Origem: Japão

Duração: 101 minutos

sábado, 15 de novembro de 2014

O eterno e imortal Sidney Lumet




Considerado  um dos mais prolíficos e expressivos cineastas, onde aparece ao lado de nomes como o Hitchcock e Kubrick,  Sidney Lumet nos legou uma obra de mais de 50 filmes, além sucessos consagrados pela critica e reconhecidos pelo público como 12 Homens e uma Sentença (12 Angry Men, 1957), Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon, 1975), o antológico Rede de Intrigas (Network, 1976) e O Veredito (The Verdict, 1982), todos com indicações ao Oscar de melhor direção.
Um tema recorrente da sua obra de cunho neorrealista está na crítica ao poder e à corrupção na mídia e na polícia, bem como à burocrática lentidão da justiça.  Sua narrativa visual objetiva e vigorosa, a atenção no trabalho com os atores e a utilização da câmera como uma ferramenta de uma linguagem direta e objetiva, tornaram Sidney Lumet e sua obra, simplesmente extraordinários,  com adaptações de peças e romances em produções grandiosas e comédias de humor-negro no mais fino estilo novaiorquino, revelando conflitos psicológicos e dramas universais.
Em1959, ele dirigiu Marlon Brando e Joanne Woodward em Vidas em Fuga (The Fugitive Kind), baseado na peça de Tennessee Williams, A Descida de Orfeu (Orpheus Descending). Também dirigiu com competência Panorama Visto da Ponte (A View From the Bridge, 1961), de  Arthur Miller e Longa Jornada Noite Adentro (Long Day's Journey Into Night, 1962), de Eugene O’Neill, adaptação expressiva de mais um clássico do teatro para o cinema.
Também leva a sua assinatura o antológico O Homem do Prego, selecionado pela Biblioteca do Congresso para preservação no United States National Film Registry, por sua significância cultural e histórica, contando o drama de um judeu que viveu o terror dos campos de concentração. Foi o primeiro filme a mostrar o Holocausto a partir da visão de um sobrevivente. Já Limite de Segurança aparece como um libelo contra as armas nucleares e alerta para o risco nunca descartável de uma guerra atômica.
Lumet também assina filmes como O Grupo (2009), Chamada Para um Morto (The Deadly Affair, 1967), baseado em Call For The Dead (1961), primeiro livro do britânico John Le Carré, com seu personagem George Smiley, renomeado no fime como Charles Dobbs e interpretado por James Mason, num elenco cinco estrelas que reuniu Simone Signoret e Maximilian Schell.
Ele também produziu um documentário antológico sobre Martin Luther King e que teve a renda foi doada ao Fundo Especial Martin Luther King Jr. Já O Golpe de John Anderson (The Anderson Tapes, 1971) foi pioneiro no enfoque de uma questão prevalecente nos dias hodiernos: a invasão de privacidade por agências governamentais através da tecnologia de vigilância eletrônica cada vez mais sofisticada e aprimorada.
A perda de privacidade foi ampliada em função do uso dos novos recursos tecnológicos como o smartphone e a internet, que permitem aos serviços de segurança dos dias de hoje nos localizar em tempo real e em qualquer circunstancia de tempo, instalando um clima de paranóia e de desconfiança na relação entre o cidadão e o estado, que funciona como uma espécie de Leviatã.
Em Serpico (1973), ele nos conta uma história sobre poder e corrupção no Departamento de Polícia de Nova York, a marcou uma série de  quatro filmes do cineasta sobre estes dois temas. O filme narra a história verídica do policial honesto Frank Serpico, interpretado por Al Pacino que atuava no Departamento de Policia de Nova York na década de 70 e que acaba engolido por sistema corrupto e sanguinário, que não admite contestação.
A sequência teve desdobramento com Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon, 1975) inspirado num fato ocorrido em  de agosto de 1972, quando John "Sonny" Wojtowicz (Al Pacino) e Salvatore Naturile (John Cazale) invadiram um banco, fazendo reféns e  provocando um grande tumulto no centro de Nova York. No meio das negociações, Sonny revela à polícia que o objetivo do assalto era conseguir dinheiro para uma cirurgia de mudança de sexo de sua mulher, Leon Schermer (Chris Sarandon).
Com um autor polivalente, Lumet também dirigiu Assassinato no Expresso do Oriente (Murder on the Orient Express, 1974), um mistério de Agatha Christie, resolvido pelo notório detetive belga, Hercule Poirot interpretado por Albert Finney. Ele atinge o ápice em Em Rede de Intrigas onde impõe um ritmo similar ao linguagem telejornalística para denunciar o sensacionalismo e a manipulação da informação num filme com a participação de William Holden, Robert Duvall, Peter Finch, Faye Dunaway, Ned Beatty e Beatrice Straight.
O filme foi aclamado pela crítica e foi premiado com nada menos que quatro Oscars: o de  melhor ator para Peter Finch, de melhor atriz para Faye Dunaway, para a atriz co-adjuvante Beatrice Straight) e para roteiro original assinado por Paddy Chayefsky  e abocanhou de quebra mais quatro Globos de Ouro como melhor filme, melhor ator dramático para Peter Finch, para melhor atriz Faye Dunaway, melhor diretor para o próprio Sindey Lumet e roteiro para Paddy Chayefsky.
Com Equus, um complexo drama psicológico, Lumet  conseguiu conquistar mais três indicações ao Oscar: o de melhor ator para Richard Burton, de ator co-adjuvante para Peter Firth e de roteiro adaptado. Em 1978, Lumet fez a adaptação de um musical da Broadway: O Mágico Inesquecível (The Wiz) uma revisitação à fábula do Mágico de Oz, com Diana Ross, Michael Jackson, Lena Horne e Richard Pryor, além da adaptação musical foi supervisionada por Quincy Jones, um parceiro musical de vários filmes do autor.
Depois, em O Príncipe da Cidade, que  recebeu indicações ao Oscar de melhor roteiro adaptado, e por sua autenticidade, ele realizou outros filmes inclusive Os Donos do Poder (Power, 1986), que enfoca as consequências da corrupção política em toda a sua extensão, seguido de O Peso de um Passado (Running on Empty, 1988), uma história real inspirada nos  líderes do grupo radical Weather Underground, o mesmo que sabotou uma instalação militar que produzia de napalm durante a Guerra do Vietnã. Lumet afirmava que   "não é o objetivo da busca que me intriga, e sim, a condição obssessiva."
Em Sombras da Lei (Night Falls on Manhattan, 1997) e depois em Sob Suspeita, ele  conta a história real do mafioso Di Norscio, que fez a sua própria defesa num processo demorado e complicado sobre a Máfia, num filme em que a maior parte dos testemunhos foram transcritos diretamente dos registros oficiais do julgamento. Neste filme, Lumet retoma a temática de corrupção, intrigas, traições e a preservação da integridade moral.

Ele assina ainda Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto (Before the Devil Knows You're Dead, 2007), selando assim a sua participação definitiva na história do cinema mostrando, não apenas versatilidade ao experimentar diferentes técnicas e estilos, como também conquistando grandes prêmios e o reconhecimento da critica especializada e do público.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A greve e suas múltiplas metáforas





Muito se tem discutido de certa forma exaustivamente uma questão polêmica, ou seja, até que ponto a arte se manifesta através do  engajamento político ou não. Este limite não é definido e nem perceptível de forma precisa, mas o cineasta Sergei Eisenstein coloca mais lenha na fogueira  no debate sobre o assunto,  com a trilogia iniciada em  A Greve, de 1924, que se desdobrou em O Encouraçado Potemkin, de 1925 e Outubro, de 1927,os quais se complementam para documentar e divulgar  as causas da revolução comunista de 1917. Os filmes foram produzidos com o objetivo precípuo de fazer propaganda política do novo regime que se sobrepôs ao czarismo, mas têm como pano de fundo o drama humano e os problemas sociais.
A Greve começa com uma citação de Lenin destacando que "a força da classe trabalhadora é a organização. Sem a organização das massas, o proletariado não é nada. Organizado, é tudo. Estando organizado significa que está unido para a ação, unido para a atividade prática". A partir daí Eisenstein se propõe a expor a deflagração de um processo  revolucionário, tendo como pano de fundo uma greve numa fábrica russa desencadeada pelo suicídio de um operário Yacov Stronger –coincidentemente strong em inglês significa  forte, poderoso e robusto-, acusado injustamente do roubo de um micrometro de 25 rublos, e que custava o equivalente a três semanas de trabalho.
O filme, que é mudo, foi didaticamente dividido em capítulos para explicar os desdobramentos do processo revolucionário, mas exaltando ao mesmo tempo a articulação, a organização e a união para a luta dos trabalhadores, contrapondo de forma dialética trabalhadores e patrões, com  advertências sobre a repressão e às dificuldades impostas na negociação de uma agenda mínima de reivindicações, as quais nos dias de  hoje seriam ingênuas e quase sem sentido.
A greve tem como base diversas paralisações de 1912, que precederam à revolução russa e mostra a repressão policial ao movimento dos trabalhadores, que reivindicavam jornada de oito horas para adultos e de seis para crianças –hoje o trabalho infantil é considerado crime e um abuso-, bem como respeito e valorização da mão de obra, uma pauta quase sem sentido nos dias hodiernos, em que a reivindicação se concentra em torno de jornadas de 40 horas de trabalho, lazer e outras conquistas sociais, como vale refeição, transporte e auxilio creche para seus filhos.
Vale salientar que no filme em determinado momento um trabalhador diz: “nós temos e somos o poder”, enquanto os acionistas representados por homens gordos e bebedores bonachões avaliam as reivindicações, considerando que levaram a política para dentro da fábrica. Os empresários e capitalistas discutem as ações repressivas contando com o apoio do aparato policial e de espiões, por considerarem a paralisação ilegal e sem sentido.
Sem salários durante o movimento paredista, os trabalhadores recebem pressões da família para que acabem com paralisação e começam a sentir o drama a falta de dinheiro para a compra de comida e de bebida. Alguns optam pela venda objetos pessoais e de pouco ou nenhum valor venal. O filme também faz alusão aos sindicalistas de resultados, mostrando metaforicamente que o macaco atua no atacado e a coruja no varejo.
Em  Greve que Eisenstein desenvolve uma técnica a teoria da tipagem, que consistia na escolha de atores com rostos e tipos físicos que fossem representativos do povo, que carregassem a fisionomia e a expressão do trabalhador comum, sobrepondo-os a imagens de macacos, cães, raposas e corujas, uma outra figura de linguagem. O mesmo vale para o seu contraponto burguês, homens gordos, de terno e gravata, fumando charutos e bebendo uisque , mas sempre em ambos os casos rejeitando a utilização de atores caracterizados,  fazendo com que o público se sentisse mais próximo e identificado com os protagonistas do filme e da própria história.
Considerado pelo jornal oficial do governo russo o Pravda, como a primeira criação revolucionária do cinema, o filme também foi inovador nas técnicas de  cortes, fusões, closes abundantes, fades e na velocidade das cenas quase como uma espécie de  videoclip e usando uma tecnologia largamente utilizada nos filmes de ação do século XXI. Inova também na linguagem, ao comparar metaforicamente a morte de um boi diante das câmeras,  com  a morte de trabalhadores durante a ação repressiva da polícia.
Ninguém discute que o filme teve o cunho de propaganda política, mas ninguém discorda quanto à sua função estética e nem com relação à própria dimensão problematizadora da arte, que pode também servir  de pano de fundo para uma abordagem ideológica. O grande problema é que a grande obra de arte ou em progresso, queiram ou não, tem sempre um cunho e um inegável caráter revolucionário, se sobrepondo aos meros limites do limitado universo ideológico.  (Kleber Torres)

Ficha técnica:
Título: A Greve /Stachka
Direção:              Sergei  Eisenstein
Roteiro: Grigori Aleksandrov, Ilya Kravchunovsky, Sergei  Eisenstein e Valeryan Pletnyov
Elenco:  Aleksandr Antonov, Anatoli Kuznetsov,  Grigori Aleksandrov, Ivan Klyukvin,  M. Mamin, Maksim Shtraukh,  Mikhail Gomorov, Vera Yanukova,  Vladimir Uralsky e Yudif Glizer        
Ano : 1924
Duração : 82 minutos

Gênero : Drama

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Tecnologia digital torna o cinema a oitava arte





O cinema não é mais a sétima arte, mas a oitava ao incorporar a tecnologia digital aos efeitos especiais e mais que isto, associou definitivamente o uso dos computadores à  sua linguagem, sem abdicar da estrutura narrativa, da força dos enredos e nem da emoção dos espectadores. Com isso o cinema associa não apenas fotografia, música, literatura, dança e coreografia (movimento), teatro e escultura/arquitetura (volume), mas um novo ingrediente tecnológico a arte digital. 
Dois filmes podem ser considerados referenciais em termos de apropriação de novos recursos tecnológicos pelo cinema. Cocoon, de Ron Howard, indicado para o Oscar como o melhor filme de efeitos especiais, que dá um banho de tecnologia  do começo ao fim e O Exterminador do Futuro, de James Cameron. Os dois filmes também tiveram desdobramentos seriais.
Em Cocoon, a chegada de extraterrestres tem uma marca  registrada. Mas alguns teóricos  consideram que nada disto ocorre impunemente, pois estas imagens poderiam estar associadas a um projeto ainda maior, para a efetiva chegada dos extraterrestres ao nosso planeta se é que eles não estão entre nós.  Seria talvez uma espécie do curso de alfabetização e de preparação para a chegada de um novo tempo.
Assim, Cocoon é um filme que permite duas leituras distintas e até complementares entre si. Primeiro, a sua proposta narrativa aparece de forma linear e de consumo para adolescentes e crianças. Numa segunda inflexão a trama envolve uma maior complexidade e assume por si a sua própria força e dimensão atá porque todos os dramas humanos podem ser considerados infantis, quando se observa o lado emocional e pragmático das coisas.
O ser humano é pragmático quando se trata das coisas em termos materiais e reage de forma emocional na sua rotina, no cotidiano, no trato com os filhos, com a mulher e a família, e na própria vida, as reações em especial a situações adversas e de conflito são imprevisíveis.
Como em arte não se questionam os aspectos metafísicos, porque tudo é transcendente, também no cinema não é diferente, porque a sua estrutura é complexa e não linear, admitindo cortes, fusões e montagens de n formas através de flashbacks ou forwards.  O cinema admite na sua linguagem planos, sequências e toda uma estrutura de roteiro que permite alterações aleatórias, além da intervenção natural do montador ou da sua sensibilidade. Seu mistério esta em 24 fotogramas por segundo, que não é magia, mas permite o uso de recursos os mais diversos como ilusão ótica, a sublimação e agora com a  adoção de novas tecnologias.
Para fazer Cocoon, o diretor Ron Howard   reuniu um elenco de velhos e experientes atores a exemplo de Don Ameche,  Wilford Brindey, Jack Gilford, Jessica Tandy e Herta Ware, numa história humana, que tem como pano de fundo um asilo para idosos, para questionar a velhice, a solidão e o abandono, bem como a sua profunda e simbiótica relação com a decrepitude e a morte.
Cocoon também abre a janela ficcional para um outro salto com a proposta de uma vida eterna, que não é uma questão infantil, mas essencialmente metafísica, e que põe em cheque o próprio materialismo sem ser deísta e nem de caráter essencialmente religioso.  Neste ponto é que está embutida a questão da sobrevivência e da longevidade.
No roteiro, um grupo de idosos que vivia num abrigo americano com todo o conforto, se envolve em peraltices infantis e ao usarem a piscina de uma mansão vizinha aparentemente abandonada, onde redescobrem a juventude e os caminhos da vida eterna através de seres extraterrestres. Seria a redescoberta da fonte e da essência da vida eterna?
O processo também envolve outras implicações humanas essenciais com a redesocberta do amor, da sensualidade e uma reconstrução da dignidade perdida, duramente castigada com o abandono na velhice , quando os idosos são esquecidos e largados abrigos, talvez a única alternativa que lhes reste antes do prenúncio da morte.
Em paralelo ao drama humano a história ficcional é montada  e não se contrapõe, mas se soma com a utilização dos efeitos especiais chegando ao auge com a elevação  de um barco com 35 pessoas até um disco voador, abrindo perspectivas para sua posterior continuação.
Um outro destaque para efeitos especiais fica para O Exterminador do Futuro, um filme de James Cameron, com desdobramentos seriais, que traz no elenco Arnold Shwarzenneger – que também interpretou Conan, o Bárbaro - ao lado de Michael Blehn e Linda HamIlton, numa película em que a maquiagem de Stan Winston aparece como um destaque ao lado naturalmente de uma profusão de efeitos especiais.
Em ambos os filmes o computador e a tecnologia digital aparecem como ferramentas de montagem e ate mesmo na apresentação dos letreiros, que seria sua ficha técnica.Em o Extreminador do Futuro os efeitos especiais encantam o espectador como por exemplo numa autocirurgia do ciborg exterminador, que chega até a sangrar em função dos ferimentos.
A própria resistência sobrehumana do Ciborg é outro efeito especial a ser observado, porque em arte tudo é valido e permitido. Vale lembrar que a função da arte em si mesma não é agradar ou entreter, nem ser simples, bonita ou rasteira, cabe a ela também problematizar e discutir questões éticas e morais, atraindo a atenção do espectador como sujeito  para mostrar problemas que se somam, se multiplicam e no campo da ficção ou que podem até mesmo ocorrer no dia a dia.

O Exterminador do Futuro nos reconduz ao debate da questão da relação entre o homem e a máquina bem como da máquina como extensão do homem. Também discute a criação de máquinas inteligentes, e que se sobrepõem naturalmente ao homem como Hall, em 2001  Odisséia do Espaço. É a criatura se contrapondo ao seu criador, numa revolução previsível, e que cabe aos autores de ficção levar o debate às últimas conseqüências, até porque também é uma das funções da arte a antecipação, prevendo o futuro, mesmo que este nunca aconteça. (Kleber Torres)

Mishima - as quatro releituras de um filme





Para o espectador desavisado Mishima -  A Life in Four Chapters (Mishima – uma vida em quatro capítulos) , de Paul Schreder, pode parecer um filme monótono e de sabor extremamente oriental. Mas ele é em realidade uma supreprodução avalizada por George Lucas e Francis Coppola  e aparece como uma obra de arte que oferece quatro possibilidades de leituras distintas e sincrônicas sobre a  vida do escritor Yukio Mishima.
“A beleza é uma coisa terrível e espantosa. Terrível, porque indefinível, e não se pode defini-la porque Deus só criou enigmas. Os extremos se tocam, as contradições vivem juntas. Sou pouco instruído irmão, mas tenho pensado muito nestas coisas. Quantos mistérios acabrunham o homem. Ele os penetra e volta intacto...O Diabo é que sabe tudo, mas meu coração acha beleza até no que o espírito acha vergonhoso.” Essa citação de Destoiévsky, em Irmãos Karamazov, abre o livro Confissões de uma máscara, de Yukio Mishima, lançado em 1949 e publicado no Brasil há cerca de três décadas.
Com esse romance Mishima pode abandonar a recém iniciada carreira de advogado para dedicar-se à literatura e ao mesmo tempo fazer da sua vida uma obra de arte. Mas escrever nunca satisfez integralmente ao inquieto escritor japonês, filho de família nobre, que criou um exército particular, para reviver as antigas tradições dos samurais e resgatar a cultura japonesa diante do que considerava invasão americana no período do pós guerra. Como artista multimídia para aquela época, ele gravou discos, fez filmes, praticou artes marciais e nunca hesitou em participar de debates para pregar as suas idéias e defender o nacionalismo nipônico.
O filme começa efetivamente em 25 de novembro de 1970,  quando Misihima acompanhado de quatro soldados do seu exército particular ocupara o comando das Forças Armadas do Japão, em Tokio, para fazer a partir da sala do estado-maior  uma proclamação ao exército e ao povo japonês, pelo retorno das tradições imperiais e jogando fora a sua constituição de influência nitidamente americana e ocidentalizada.
O enredo tem outros desdobramentos, pois de forma simultânea os roteristas Paul e Leonard Schrader mostram ao telespectador leituras e releituras não sincrônicas, que facilitam a compreensão do filme e o tornam uma aventura didática  palatável, com inserções de teatro e literatura ao lado da vida do escritor.
Assim, o filme pode ser visto e compreendido em quatro partes distintas que se somam e se fundem entre si: a beleza, a arte, a ação e finalmente a pena e a espada, delineando as preocupações de Mishima na vida, na arte e em termos ideológicos, num limite que transcende as barreiras de esquerda e de direita, para mostrar-se  como um conservador de tradições e costumes nipônicos cada vez mais ocidentalizados e descaracterizados. Ele divulgava o seu nacionalismo exacerbado e não escondia a sua vida como homossexual.
O filme  culmina com Mishima se suicidando seguindo o ritual sepukku – a prática do arakiri adotada pelos samurais – após a invasão do quartel general das forças japonesas, o que lhe confere um final trágico. No filme as quatro partes se fundem na formação de um todo harmônico, em que o espectador tem opções de comprender não apenas o enredo histórico, mas o seu contexto político, econômico, social e social, como uma obra de arte integrada.
O filme também traz recordações de Mishima sobre a sua infância e como um homem que podia lembrar as coisas desde o seu nascimento. Também retrata a sua vida familiar, seus contatos, a formação do exército particular que chegou a ter três mil homens, bem como sua participação em atos públicos, defendendo uma cultura japonesa tradicional e até certo ponto radical, desde que voltada para as suas raízes.
Num outro plano de leitura o filme mostra o ambiente teatral e cenarizado, com cenas de peças e de seus romances principais, como a sequência do gago  com uma bela jovem japonesa e a contradição nítida da feiúra da sua fala com a beleza da mulher jovem  e desnuda. A hesitação da fala, em metáfora, se revela na hesitação da mão do gago.
Sem dúvida alguma essa soma de leituras e releituras do filme permitem a compreensão da vida e da obra de um homem que era segundo Henry Miller,  o que encontrou o segredo dos colecionadores de relíquias: “ele matou a literatura matando a si próprio  e ao indivíduo, para reunir-se à humanidade inteira na sua morte”.
O filme tem a assinatura de fotografia de John Bailey e apresenta no seu elenco Ken Ogata, Kenji Sawada e Yasosuke Bando, sob direção de Paul Scharader, que com audácia e competência, pintou de forma inovadora os contornos de uma vida, que saltou da existência física para a literatura e se transforma numa obra prima também no cinema. Até que ponto a vida imita a arte ou vice-versa? (Kleber Torres)


Ficha técnica:
Direção:  Paul Schrader
Elenco : Ken Ogata, Kenji Sawada, Yasosuke Bando e Toshiyuki Nagashima
Produção: Tom Luddy, Francis Ford Coppola, George Lucas, Leonard Schrader, Mataichiro Yamamoto
Roteiro: Paul Schrader, Leonard Schrader e Chieko Schrader
Música: Philip Glass

Duração: 120 min

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O Navio de Teseu






O Navio de Teseu  nos fala de uma embarcação original que teve gradualmente todas as suas peças substituídas. O paradoxo é saber qual dos dois é o navio de Teseu, se o original ou o que foi substituído.
Segundo as  lendas gregas, e um  relato de Plutarco:  esse seria o navio a remos com que Teseu e os jovens de Atenas  retornaram de Creta, e foi preservado pelos atenienses até o tempo de Demétrio de Falero, porque eles usavam uma estrategia: removiam as partes velhas que apodreciam e colocavam partes novas, substituindo-as sempre que necessário..
O paradoxo do navio se tornou motivo de discussão entre os filósofos da antiguidade como Heráclito e Platão para identificar o conjunto de caracteres próprios e exclusivos com os quais se podem diferenciar objetos inanimados uns dos outros. O tema foi retomado  por pensadores como Thomas Hobbes, John Locke e Gottfried Leibniz e é tema de livros e até de um filme.
O Navio de Teseu também é o tema de um filme inteligente de ficção indiano, dirigido por Anand Ghandi e que apresenta como questão central saber se as partes de um navio são substituídas, pedaço por pedaço, esse é ainda o mesmo navio?
A história nos leva a uma fotógrafa que lida com a perda de sua visão após um procedimento clínico mal sucedido e precisa de um transplante de córnea; um monge erudito que enfrenta um dilema ético frente à sua ideologia de vida, tem de escolher entre seus princípios e a morte – ele não toma remédios que provocaram o sacrifício de animais e precisa de um transplante de figado; e por fim um jovem corretor da bolsa de valores, seguindo o rastro de um rim roubado, adquirido no mercado negro, e aprende como a moralidade e a ética podem ser complexas numa sociedade capitalista, que privilegia o lucro.
Seguindo estes elementos isolados de suas viagens filosóficas, e sua eventual convergência, o filme Navio de Teseu explora questões fundamentais da identidade, da justiça, da beleza, do entendimento e  da morte. Isso sem falar que vivemos num mundo transitório e somos passageiros de uma mesma nau de insensatos.
No filme um dos personagens diz: “Somos todos cegos tentando compreender um elefante”, numa referência a uma parábola sobre pessoas sem visão que foram conhecer um elefante, que é fino na cauda, enorme no seu bojo, mole nas orelhas de abano e roliços nas pernas ou na tromba, a depender do local em que ele foi apalpado.
Outro personagem infere que toda molécula do universo é afetada por nossas ações e isso nos dá uma visão holística da complexidade de um paradoxo que nos inquieta desde a mais remota antiguidade e nos afeta até o mundo hodierno.

Ficha técnica:
Título: O Navio de Teseu ; The Ship of Theseus
Direção e roteiro: Anand Gandhi
Elenco: Aida Al-Khashef, Neeraj Kabi, Sohum Shah
Música: Naren Chandavarkar, Benedict Taylor, Rohit Sharma
Edição: Adesh Prasad, Sanyukta Kaza, Satchit Puranik

Duração : 139 minutos 

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

A História do Mundo







O humor é, sem dúvida alguma, a forma mais refinada de inteligência e desta forma Mel Brooks reescreve cinematograficamente com muita competência e irreverência a sua versão caricata da História do Mundo I, com sarcasmo, ironia e curtição. No filme,  ele faz  uma releitura da história com sinopses da Idade da Pedra, da revolução francesa, da Inquisição e do Império Romano, em sua glória e decadência.
O próprio Mel Brooks interpreta  alguns dos papéis principais em cada um dos capítulos do filme onde contracena com  Don de Louise e Harvey Korman, reescrevendo a história a seu modo com competência suficiente para recolocar no final Adolfo Hitler como um patinador e re(avaliar) ficcionalmente a conquista do espaço pelos judeus.
A obra de fôlego  é pretensiosa como sátira, redefinindo e reescrevendo a história do homem desde o Homo Sapiens e curtindo as invenções desde a descoberta do fogo, das armas e consequentemente da guerra, bem como os contatos ritualistas do homem com a morte e as suas descobertas primevas.
Um salto qualitativo no enredo está na sequencia do Império Romano, onde o freak Caesar Park e companhia aparece ao lado do maior cigarro de maconha já produzido na história do cinema e do mundo, o Big John, que derruba com  humor o espectador mais sisudo e careta. Afinal, como dizia Millôr Fernandes, o humor é a quintessência da seriedade e naturalmente do deboche.
A corrupção também é referenciada no decadente Império Romano, e também é transfigurada em imagens sutis e com muita propriedade por Mel Brooks, cineasta que tem a seu crédito filmes como Banzé no Oeste e Banzé na Russia, dentre outros, sempre como um critico arguto e que usa os recursos da metalinguagem. Assim, ele reproduz e reduz no cinema a linguagem do próprio cinema de forma questionadora e ao mesmo tempo bem humorada.
          No caso da sequencia da inquisição espanhola, Brooks a transforma numa opera rock muito louca, onde a caricatura da tortura assume a sua função desconstrutivista e Toequemada, o inquisdor mor, passou para o ridículo, que seria o seu papel real na história.
Mas a reescrevência  da história aparece como algo importante neste contexto critico e do humor, numa contraposição com uma aparente deturpação da realidade numa dialética  em que os vilões são heróis e as vitimas os bandido.  Assim, Brooks tem a felicidade de redefinir os papéis e de modificar o contexto  dos fatos, com piadas picantes e as vezes ingênuas, que em muitos casos podem até não serem entendidas pelo espectador menos culto, mais ingênuo ou desatento.         
Na revolução Francesa ele retoma o pique e goza dos reis, dos revolucionários, dos bastidores do poder e mergulha na critica da própria sociedade e das suas contradições, recompondo não a história e nem a estória, mas os dramas humanos embutidos por trás de duas questões básicas :a sobrevivência  e a dignidade. Neste sentido o filme aparece como um libelo contra governos autoritários e ditatoriais, o que também é uma tarefa do humor na luta contra os opressores de plantão.
Mel Brooks não é porem um humorista simplista, ele desce ao nível de analise e mergulha nas questões sociais subjacentes. Ele é um político ao seu modo, ou seja, com humor, mordacidade e irreverência, usando os recursos e atributos da inteligência. Também questiona como judeu o próprio humor judaico com ironia e sem esboços do intelectualismo.
Brooks vai a fundo na critica ao rock, às drogas, à sociedade de consumo e à hipocrisia e esboça o seu próprio quadro multifacetado da história em relação ao século XX, sabendo que o homem pós-moderno é o mesmo e que não mudou e nem tem chances para tal. Por isso mesmo a maior chance estaria no humor, no riso e talvez numa nova proposta anárquica decerto, pois parece que ele sabe que o destino do homem acima e antes de tudo é ser feliz e se preciso contestador.(Kleber Torres)

Ficha técnica:
Título: History of the World: Part I (Original)
Direção: Mel Brooks
Elenco: Cloris Leachman, Dom DeLuise, Gregory Hines, Harvey Korman, Madeline Kahn, Mel Brooks, Orson Welles
Roteiro: Mel Brooks
Duração       92 minutos

Ano : 1981

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Uma onda entre a anomia e a alienação




Onde começa o autoritarismo e onde termina?  Quais os limites e onde está a essência do poder? O que  é alienação política, a anomia ou mesmo como nasce uma ideologia exótica ? Esta resposta está de certa forma evidente em  A Onda,  um filme alemão de 2008 dirigido por Dennis Gansel. O elenco é formado por Jürgen Vogel, Frederick Lau, Jennifer Ulrich e Max Riemelt, e o filme  serve como uma reflexão profunda para todos nós sobre a questão da manipulação de massas e o poder. 
O filme  é inspirado num livro homônimo lançado em 1981, por Todd Strasser e é o remake  de um filme americano com o mesmo nome, contando  uma história é baseada em fatos reais ocorridos em 1967, em uma escola secundária da Califórnia, nos Estados Unidos. Ele começa com o professor Rainer Wenger (Jürgen Vogel) se dirigindo no seu carro à escola onde leciona ouvindo a todo volume "Rock 'n Roll High School".
No colégio, que está promovendo uma série de cursos e debates voltados para o campo político, Rainer, que tem uma queda pelo anarquismo, faz sua opção pela oficina sobre autocracia, porque o professor do curso sobre anarquismo, recusou-se a trocar de assunto pelo qual ele simpatizava. O fato é que mesmo com uma classe formada por  alunos da terceira geração após a Segunda Guerra Mundial e de formações familiares diferentes,  Rainer inicia um experimento com o objetivo de mostrar o quão fácil é manipular as massas e informações para implantação de um sistema autoritário  e ao mesmo tempo irracional.
 O professor começa exigindo que todos os alunos se dirijam a ele como  Senhor Wenger (Herr Wenger), levantando o braço para qualquer interpelação em classe e dando respostas sintéticas  e objetivas aos seus questionamentos.O senhor Wenger também muda o posicionamento das carteiras na sala, de modo que todas elas fiquem de frente para ele e separa os alunos em função das notas, eliminando os pequenos grupos de interesse e fazendo ao mesmo tempo com que cada dupla de alunos por carteira, seja formada por um estudante com notas baixas e outro com melhor desempenho na classe.
Como forma de impor o novo modelo, ele  ensaia na sala com  alunos como uma marcha em perfeita sincronia rítmica entre eles, dizendo palavras de ordem e fazendo ao mesmo tempo com que se sintam parte de um todo. O ensaio  ganha tanta força, que chega a incomodar propositadamente aos alunos do curso anarquismo, na sala no piso inferior gerando reclamações do outro professor.  Já os alunos que não se ajustam ao novo grupo social e não se submetem ao novo sistema, são simplesmente discriminados ou alijados e acabam deixado o curso e a oficina.
Passo a passo, o Senhor Wengler discute com os alunos um nome para o movimento – a Onda, que ganha uma logomarca, a qual se transforma em  adesivo e objeto de pichações, além de uma forma de saudação com o braço movimentado lateralmente  de forma ondular  e até um uniforme, quando todos os alunos do grupo devem vestir uma camisa branca e calças jeans, para que não haja mais distinções entre os mesmos.  A ideia do uniforme é a de oferecer maior coesão social e integração do grupo, seprando-os dos demais.
De formação liberal, a aluna Mona (Amelie Kiefer), que desde o início mostrou-se relutante a fazer parte do experimento, alega que o uso de uniformes vai comprometer com a individualidade de cada estudante e, alijada do grupo, acaba  trocando de turma, passando a integrar a classe de anarquismo e a  trabalhar para contestar a  proposta da Onda.  O projeto também começa a ser objeto de comentários nas casas dos alunos que melhoram o seu aproveitamento e se sentem motivados com o novo sistema.
Quem também acaba sancionada pelo grupo é uma  outra aluna, Karo (Jennifer Ulrich), que vem à aula do dia seguinte sem o uniforme, e descobre ser a única a não aderir ao modelo. Ela não tem nem mesmo a palavra quando se dirige ao professor, que não a considera como participante do curso.
O fato é que gradualmente o grupo começa a mudar o seu  comportamento e até mesmo  o relacionamento com colegas de outras salas e de grupos antagônicos, como os anarquistas, que eram considerados os outros. Um integrante da Onde defende um colega que sofria bullying  por parte de anarquistas e chega a sacar um revólver para intimidar os seus antagonistas. Outro integrante do grupo escalou o prédio da prefeitura, o mais alto da cidade, para pichar um logo  da Onda na fachada do edifício.
Outro integrante, o Tim, filho de uma família desestruturada,  queima todas as suas roupas de marca e vai à casa do senhor  Wangler, a quem se oferece para ser seu guarda-costas. O professor o convida para jantar, e deixa evidente que  não precisa deste tipo proteção, mas a sua mulher Anke (Christiane Paul), que também é  professora na mesma escola, começa a questionar o  experimento e a sua dimensão, mas a sua sugestão acaba gerando um rompimento entre o casal, que acaba se separando, quando Reiner considera que ela tem inveja do seu projeto.
Enquanto cresce o movimento de oposição à Onda liderado por duas alunas,  Karo e Mona, um jogo de polo aquático, da equipe é liderada pelo Senhor Wengler, acaba numa briga entre os atletas o que provoca  a suspensão e o cancelamento da partida. Ao mesmo tempo, os integrantes  d'A Onda começam uma briga nas arquibancadas com torcedores do time rival, momento em que   Karo e Mona, inicialmente  impedidas de entrar no local sem a farda branca,  aproveitam a confusão e espalham panfletos anti-Onda no meio das torcidas.
Em seguida, Marco discute com a namorada Karo e acaba agredindo-a, acertando um golpe  no rosto e que provoca sangramento. Em seguida, arrependido,  ele vai até a casa do senhor Wangler,  e pede que ele acabe com A Onda. O professor resolve então  convocar uma assembléia com os alunos no auditório da escola para uma avaliação dos resultados.
Durante o  encontro, ele pede que as portas sejam trancadas  e lê uma série de depoimentos dos alunos com referência às  suas atuações e expectativas  do grupo e até mesmo enaltecendo as chances que o movimento teria de mudar os rumos da Alemanha. Um aluno protesta, e o professor o acusa de traição, pedindo que os membros o tragam para o palco para ser punido.
Em seguida, o professor  fez com que os alunos percebessem a dimensão da  Onda e o quanto os mesmos foram  sendo manipulados pela ideia, embora  acreditando no início da experiência que um regime como o Nazismo jamais poderia voltar a dominar a Alemanha novamente do século XXI. Ele então declara o fim d'A Onda, mas um dos alunos, Tim saca um revólver e se recusa a aceitar que o grupo acabou, com medo de voltar a ser sozinho e mais um na multidão, atirando em direção a um colega e se suicidando em seguida na frente dos demais alunos.
O filme termina com a prisão do professor que é levado numa  viatura, enquanto os demais  alunos, seus respectivos pais,  os professores e até sua mulher o observam.  Em essência o filme discute duas questões a alienação e  anomia social, com a perda da essência de valores e a desorganização do indivíduo,  mostrando que o autoritarismo não está morto e afeta até países do primeiro mundo. Vale salientar, que na história real, que se passou nos Estados Unidos há quatro décadas, o desfecho foi menos trágico, pois,  um aluno perdeu a mão ao tentar preparar um coquetel molotov, ao fabricar uma bomba com uma garrafa cheia de gasolina.
Vale frisar que a  Onda é o terceiro filme de Dennis Gansel, nascido em Hannover, Alemanha, em 1973. Ele também dirigiu Garotas procuram... (Mädchen, mädchen, 2001) e  Napola, antes da queda (Napola, Elite für den Führer, 2004). Em 2010, ele As Damas da Noite (We are the Nigth). (Kleber Torres - do livro Princípios das Ideias) 

Ficha Técnica:
Titulo :A Onda  / Die Welle
Direção: Dennis Gansel
Roteiro: Dennis Gansel ePeter Thorwarth
Elenco: Jürgen Vogel, Frederick Lau, Max Riemelt, Jennifer Ulrich, Jacob Matschenz
Gênero: Drama
Música:  Heiko Maile
Alemanha

2008

sábado, 25 de outubro de 2014

O casamento de Maria Braun







A morte precoce e até de certa forma antecipada de Rainer Werner Fassibinder não impediu que ele trilhasse os caminhos da genialidade e uma prova está no filme “O casamento de Maria Braun”. A película é considerada como uma metáfora e ao mesmo tempo uma sátira a partir da análise de que a arte esta embutida no real e na sua própria critica.
O filme reúne no elenco Hanna Schygulla, no papel de Maria Braun, uma mulher que se casa durante a guerra e tem uma convivência de apenas um dia com o marido Hermamn Brauns, interpretado por Kaus Lowitsch, para construir a partir de uma trama simples, uma história que culmina numa tragédia a dois. O filme também revela a inutilidade e o absurdo da guerra, com seu reflexo na vida das pessoas.
Como soldado do exército alemão Hermann Braun é deslocado para a frente  russa de combate. Como ele não retornou após o final da guerra, sua mulher se prostitui, o que seria uma alternativa de sobrevivência num tempo de dificuldades e de fome generalizada num pais devastado pelo pelos bombardeios aliados.
Para sobreviver, Maria passa a freqüentar um bar que tem como principais clientes os soldados americanos da força de ocupação e onde o acesso de alemães do sexo masculino não é sequer permitido. Ela acaba tendo um caso com um soldado americano negro, o qual termina morto pelo seu marido, o qual retorna à Alemanha depois de cair prisioneiro dos russos na frente soviética e não havia morrido como ela imaginava.
O crime afastou o casal mais uma vez. Com Hermann preso e sem condições de manter a família, coube à sua mulher assumir o sustento pessoal e assim, consegue um trabalho com Osvald (Ivan Desny), um empresário a quem com sua experiência de  ex-prostituta, acaba ajudando a superar as dificuldades enfrentadas nos negócios.
Com Osvald, ela também mantém um caso, o que acaba chegando ao conhecimento do seu marido. Ela por seu turno, vai assumindo o comando dos negócios e se transforma numa empresária, adquirindo bens, inclusive uma casa de campo onde passa a viver isolada como uma rica executiva. Hermann  depois de solto da prisão, viaja para o Canadá, onde foi tentar a sua sorte, porque não queria depender da mulher.
Quando ele retorna à Alemanha, encontra em Maria Braun uma mulher emancipada, inteiramente independente e liberada, que para fugir da solidão contrata parceiros sexuais. Osvald  morre de ataque cardíaco e acaba legando sua fortuna para o casal Hermann e Maria , que se reencontra de  forma dúbia e trágica, para a vida e para a morte, pois, não tiveram a sorte e o tempo para serem felizes.
Essa história aparentemente simples e que poderia terminar com um final feliz, ganha força e dramaticidade , porque por atrás de Maria Braun estavam a lucidez e a loucura, embora não haja loucura nenhuma menor que a guerra e a prevalência da morte. Assim, no filme Tanatos brincava com Eros numa sequência ilógica de fatos, numa espécie de jogo de esconde-esconde e que revela profundamente o perfil e contornos da alma humana, onde estavam de plantão e em vigor a falsidade se contrapondo ao amor.
O filme consegue segurar o espectador por 118 minutos sem pieguice e narrando uma história verossimil, que poderia ter acontecido na primeira, na segunda ou numa próxima guerra, afinal nos revela caminhos que são aparentemente convergentes, acima do real ou do irreal e da lógica.  

Ficha técnica:
Titulo: O Casamento de Maria Braun / Die Ehe Der Maria Braun
Direção: Rainer Werner Fassbinder
Elenco: Gisela Uhlen, Gottfried John, Hanna Schygulla, Ivan Desny, Klaus Löwitsch
Género: Drama
ALE, 1978,
Duração: 118 min.